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O que existe, no ensino do País, que facilite a aprendizagem da Língua Portuguesa?

O título, semanticamente, teria outras versões, todas com o mesmo enfoque.

O que há no Brasil que venha a facilitar a aprendizagem do Português? O que o Brasil tem que possa favorecer a aprendizagem da Língua Vernácula?

Não importa título nem tempo verbal (facilite, facilita). O que se sabe é que o sistema educacional adotado, e aceito goela abaixo, dificulta a aprendizagem da Língua Pátria. Amenizar essa muralha vai depender da visão e da postura do professor em sala de aula. Primeiro, o mestre abraçar o vernáculo; segundo, discutir a norma culta, intercambiando-os, como legítimo mediador. Não arrochar o parafuso nem deixá-lo relaxado.

O tema parece polêmico. E não vemos, no dia a dia, algo que nos anime a dizer “Muito bem! Sua fala (regra e prática) é bom caminho para se obter maior conhecimento linguístico”, tanto para o autor do compêndio como para o aplicador da teoria.

E chateia-nos muito o setor que deveria primar pelo bom uso da norma culta não fazê-lo.

E o pior é ficar pichando o analfabeto pela falta de conhecimento gramatical, cujo falar, por razões óbvias, não envolve o mau uso da linguagem.

Linguagem boa ou ruim para o analfabeto tem o mesmo sabor, como um café da manhã adoçado ou amargo. Se o humor está bom, o café é bom, mesmo sem um pouco de mel ou um naco de rapadura. Se o humor vai mal, o melhor café do mundo, daqui ou d’além, não serve.

É mau hábito condenar a oficina de bicicleta da periferia que usa a tabuleta “Concerta-se bicicletas” e aplaudir o orador ou escritor de renome que usa “Aonde mora seus familiares”.

A bicicleta faz parte de uma sinfonia cultural. Concerta-se bicicleta, a que canta pneu, cujo chocalho gera som melodioso como um instrumento musical, não é pesadelo. Concertam-se bicicletas velhas em todo o País é ouvir Bolero, partitura de Ravel.

E o letrado enviesa o uso de ‘onde’ com ‘aonde’, e, na maioria das vezes, ‘aonde’ (o lugar a que se vai: Aonde vai, menino?) supera o uso de ‘onde’ (o lugar em que se está: Onde você está agora, meu filho?).

Se alguém que se instruiu educacionalmente comete esse deslize e condena quem usa ‘Nóis vai’, temos que olvidar aquele e chamar este para ‘apregoar’ uma palestra de bom falante, tal a desproporção de conhecimento entre um e outro.

Prefere-se “E aí eu se arretei” ou “E aí eu se dei muito mal” a “Produção alcoleira”, esta expressão usada por grande repórter. Aceita a pronúncia ‘alcoleira’, informa-se que a grafia original é ‘álcol’.

Isso não é regionalismo. Poderia ser sotaque, mas admitir ‘alcoleira’, na linguagem culta, será dizer que a grafia ‘alcooleiro’, derivado de ‘álcool’, é disparate ou aberração gráfico-linguística, assim como alguns usam ‘excessão’ e outros ‘exelente’. Nada mais.

Nossos livros são caros. A escola é cara. A escola, pública e/ou privada, peca pela teoria. A grade curricular pesa uma tonelada. Como aprender bem o idioma pátrio?

Diariamente, propagandas insinuam que o Novo Sistema Educacional (ainda a ser praticado) é ‘eficiente e inovador’. Que vai mudar o País. Como?

Além de a grade curricular ser complexa. ninguém ousa sair do lugar-comum; ninguém pode propor visão diferente. Fugir ao padrão é crime. Aprender num Estado do Norte o mesmo Português ensinado num Estado do Sul? Isso pode?

Não há uma grade curricular regionalista, e depois falam em respeitar a individualidade. A ‘liberdade’ e o ‘respeito’ a cada rincão deste imenso País são falsos.

Respeitoso ouvir o homem simples do campo com sua linguagem espontânea: “Cumpadi, a mula catrava está arreada. A vaca craúna tá amojando. O boi-banana anda meio doentado”.

Melhor assim que ouvir, na casa lotérica, ‘dois jôgo’. Melhor ‘melencia’ do falante ágrafo que ouvir de alguém com doutorado “A História do Brasil ela não conta a verdade sobre nossa própria História”.

Como se pronuncia: ‘cérdas’ ou ‘cêrdas’? Se não há variante fonológica, o dicionário deveria ser claro: “Cerda (^): pelo mais espesso e resistente dos mamíferos (…); cada pelo de uma escova, em especial de dentes”. Faltou: cerda do pincel de barbear…

Aceitemos, pois, que ‘obeso’ tenha pronúncia aberta e fechada, conforme a região, mas o dicionário portaria um chamariz. Cerda (som fechado), como se deduz, registraria o sinal gráfico circunflexo indicativo da boa ortoépia. Mas nem sempre existe.

Assim, não se pode reclamar do cidadão iletrado que tem dificuldade em usar o idioma pátrio. Deixemos o idioma fluir livremente, como uma riacho sinuoso que serpenteia a serra, sem reclamar de seu caminho tortuoso que nos deixa atônitos.

São muitos itens a comentar. E podemos repetir que o caso de regionalismo é diferente do erro (Onde mora os familiares), que o sotaque é porretinha mesmo (meninim) e que ‘alcoleiro’ é cem vezes pior que “Se você querer” se esta é a fala de quem não esteve na escola, portanto, não sabedor de conjugação verbal.

A vertente regionalista da linguagem, apregoada pelos doutos, não é a mesma coisa que reclamar do homem iletrado “Na minha casa, eu ponhava tudo na ordem antes de viajar com minha patroa”. ‘Ponhava’, sinônimo de ‘butava’ (botava), é um veio nacional: em toda a Nação, cada canto tem sua fala, seu linguajar supimpa: o cearense, o baiano, o mineiro (que adora o sufixo ‘im’: miudim, cabrim da peste, espelhim bonitim, homenzim machim, tiquim de prosa, varadim para descansar); e assim o mundo da fala anda, benvindo ou bem-vindo, com esse ‘im‘ afetivo-poético.

Melhor assim que “Você é um filho de Deus e Deus te fez feliz por isso”. A miscelânea ‘tu’ e ‘você’ do falante culto é de doer os tímpanos. Por isso, é aceitável com honra: “Onde tu tava, mulé? Por que tu te ademora tanto quando sai? Oia! Num vô te preguntar outra vêiz”.

Fala-se muito que o ensino do idioma deve ser contextualizado. Correto, mas a norma culta deve ser vivenciada com a fluência da linguagem popular, e jamais o mestre ficar restrito a “Leiam o texto e digam o que vocês ‘acha'”.

Em nenhum momento, ‘Num posso vim amanhã’  pode ser introduzido na fala culta. E jamais o grande apresentador deve ficar limitado a “Entendeu? O Brasil, né, nosso País, entendeu?, ele é um país imenso, aonde cada pessoa tem a liberdade de expressar seu pensamento.”

Provas têm pegadinhas, sem jamais discutir “Entrou e saiu da sala”, em que a preposição oculta (em) foi omitida por força da oralidade, mas saber que ela existe. E deixar claro que o conjunto exige ‘Entrou na sala e saiu dela’, embora não sejamos torturados se não o usarmos. E dizer sempre ‘Não posso vir amanhã’.

É estranho o título de um texto “Abuso sexual dos filhos”, como se eles fossem os praticantes, e não as vítimas. O abuso sexual a crianças é crime.

“Olha! Entendeu? Viajei por dez países diferentes”.

Em que momento o mapa-múndi mostra que as nações são iguais?

E o veterinário que ensina ao vaqueiro: “O valor protêico do decumbes”, capim próprio para vacas leiteiras. O que o homem de força braçal vai entender por ‘protêico’ se não souber o que é proteína? O valor proteico (som aberto; antiga grafia: protéico) vai depender do volumoso e do tipo de gramínea. O que eu disse?

E o repórter regionalista diz que o meliante estaria escondido numa ‘edícula’, depois condena a linguagem jurídica, que, para acusar alguém praticante de corrupção ativa ou passiva, precisa de dossiê, de inquérito ou de uma tese, e isso é mais complexo que o vocabulário de Os Lusíadas ou de A Odisseia, comparados os limites do ontem e do hoje.

A linguagem veicula tanto quanto o vento, e o linguajar técnico é tsunâmi que invade o mundo. Ninguém deve condenar o juridiquês se usa o internetês como sua fala cotidiana.

Sacode a roseira, se o interlocutor é tratado como tu. Sacuda a roseira, como seria comum, para o tratamento dispensado ao interlocutor comum e diário, você.

Sacuda a roseira, Maria! Vamos balançar o esqueleto.

Se saber me avisa. Se souber, avise-me. Se souberes, avisa-me, que eu te darei um prêmio, assim como o tratador premia ‘seu enteado’ no momento em que o feito foi cumprido.

Os percursos para boa aprendizagem linguística são íngremes, mas a culpa não pode recair apenas no aluno, mas no sistema de ensino, na gramática ruim, no professor preguiçoso que não discute as nuanças da língua, que joga o texto para o aprendiz atônito; na grade curricular atolada de teorias, com pouca prática; no livro técnico que diz “Sua atitude implica na sua demissão”, quando a norma diz que ‘implicar’ é verbo transitivo direito (implica sua demissão), e não transitivo indireto.

Prefira a fala livre e solta, com altivez: “Nois é jeca mais nóis é limpinho”.

Artigo incompleto: o leitor o completa a seu modo.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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