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Joafê adota uma menina, Minafê (nomes fictícios). E agora: Minafê seria considerada filha adotiva?

O motivo da pergunta seria o de que, no dia a dia, o que se ouve é alguém dizer que fulano (não) é o pai biológico dessa criança.

Pai e mãe são adotivos.

Nesse caso, poderia ser dito que um menino é filho adotivo? Se o pai é adotivo, esse filho, também, recebe a qualificação de adotivo?

Essas pessoas são personagens que têm funções e/ou encargos diferentes, por que, então, devem ter a mesma qualificação semântica?

Na linguagem, costuma haver certa discrepância de significado de termos no mesmo contexto.

O verbo adotar gera seus costumeiros derivados: adoção, adotado, adotante, adotivo, modernamente, conhecidos, em virtude, pelo menos em parte, da difusão das leis, e da fala de pessoas que usam esses vocábulos de forma desembaraçada.

Nesse falar e escrever, com variadas histórias, as conotações se alteram, ou se modificam conforme o deleite, a ênfase ou a criatividade do narrador.

E como estão esses mesmos termos definidos no dicionário? O léxico poderia errar? O filólogo que registrou o vocábulo na sua obra, difundida, que talvez se tenha tornado best-seller, lhe deu uma denotação diferente ou seguiu critérios já adotados por diversos outros compêndios didáticos?

O que se quer demonstrar é que certos vocábulos não podem ser entendidos, sempre, da mesma forma. Não teriam, depois de anos circulando, alterado sua significação? A Hermenêutica, no caso, voltada à Ciência do Direito, deve enxergar algo novo, mais amplo e moderno?

Por isso, pode-se ver que o simpático adjetivo adotivo (com rima e tudo) não tenha significado único para casos diversos: pai adotivo, com o encargo específico, é qualificado da mesma forma que o filho adotivo? O uso moderno ampliou essa visão, tornou-se elástica, dentro do que a Gramática Normativa chama de polissemia: cada vocábulo tem seu significado conforme o contexto em que é empregado.

Compulsando um dicionário, que seria escolar, diz ‘meu compadre’, quase companheiro de divã diário, questionador e inquieto, que o popularíssimo ADOTIVO tem estes significados: que foi adotado; que adota; relativo à adoção.

Para atiçar mais a fogueira, adotivo, que já é vetusto, nasceu do Latim adoptivus (cuja pronúncia é paroxítona), e o elemento mórfico -us (no final, com o valor de sufixo) tem o condão de indicar ‘relativo à’ (da família etimológica de adoção, que se escreveu lá nos primórdios da História Universal ‘adoptio’ (lembrando que pt do grupo ptio tem o som de um cê-cedilha forte).

Para que tanta informação sobre um simples vocábulo?

A partir dessa amplidão, surgem as controvérsias, as divergências, as opiniões prós e contras, mas se pode deixar tudo de lado, e fazendo uso de um trampolim intelectual, voltemos ao debate; pai e filho são, ao mesmo tempo, adotivos, se têm função e encargo diversos,  responsabilidades e outras obrigações?

Continua isso incomodando, e ainda com base nos sufixos em Português, que são definidos na Gramática Normativa (ivo, ado, ção), cada um tem seu prisma para ser visto e analisado, razão por que ‘se o filho for adotivo’ (que foi adotado, no aspecto de outrora), ‘o pai deve ser adotante’, na linguagem atual (?), e ainda: se o pai é adotivo, o filho é o adotado.

Eis as questões a serem debatidas.

Ado: desinência do particípio de verbos da primeira conjugação: amado; elemento composto que forma adjetivos participiais: afunilado, honrado; formador de adjetivo com a acepção de um tanto: amarelado, azulado. Além de outras acepções, com a equivalência do sufixo ato: operariado, professorado, bispado, bocado, condado, ducado. Etc.

Ivo: formador de adjetivos a partir de verbos. Imitativo, adotivo, lucrativo.

Ção: indica, geralmente, ação, lugar de ação, agente ou resultado de ação. Coroação, adoção, armação.

Um detalhe curioso: Adoção, como substantivo, e é preciso tomá-lo com letra maiúscula (um nome próprio), o mesmo dicionário há pouco compulsado traz a bonita conotação no campo do Direito (Civil e Familiar): “ato pelo qual, observados os preceitos legais, alguém estabelece vínculo fictício de filiação e traz para sua família uma pessoa na condição de filho” (sic).

Isso é profundo, mas já surge uma discordância: ‘vínculo fictício’ deixa uma lacuna. Fictício, como? Então, não é verdadeiro? Seria de mentirinha? Do naipe vamos chamar esse menino de Ricardo Coração de Leão e levá-lo para nossa casa (por alguns dias)? Se houver qualquer obstáculo, a gente o devolve ao lugar em que o encontramos.

Faz sentido?

Hoje, pelo menos, atendendo aos requisitos da Lei,  de forma ampla e irrestrita, a adoção não é fictícia. Verdadeira, absolutamente verdadeira, é ainda ética, familiar, civil, de ampla responsabilidade ante todos os princípios que a instituíram.

Pronto. Nada mais. O que mais houver é pura balela.

Por isso, o pai é adotivo ou adotante e tem sua função.

Por isso, o filho é adotado e tem sua função.

Sem falar nas responsabilidades de cada um.

Não encaixa, pois, que pai e filho, num só tempo, sejam adotivos. Adotados de forma generalizada? Nunca, pois o pai não pode ser o adotado.

Respeitadas as pessoas, respeitado o direito de cada um, ovacionado o Direito em que se enquadra o ato de adotar, e tudo sem intenção pejorativa, e visto ainda o que significam, como comparação, amado e amante, ultrajado e ultrajante, significado e significante, entende-se que o filho é adotado, que recebeu e ganhou a adoção, e o pai é adotivo (ou adotante), que praticou e aceitou a adoção, conforme todos os critérios da lei específica.

Não é preciso que se insista na definição teórica ‘filho biológico’ ou ‘filho não-biológico’, filho apenas. Mas se for usado um termo, por questão técnica, dentro do documento que solicita a adoção, caberá dizer CLARAMENTE: Joafê é o pai adotivo (não-biológico) e Minafê é a filha adotada (não-biológica, também), mas ambos, no mesmo trilho fraterno, na mesma família, são pai e filha respectivamente.

Se o adotante não pensar assim, a começar dos termos usados, indiferente do que diz alguém ou de um possível engano no campo da Semântica, jamais deve solicitar ato de tanta grandeza.

Quando o amor não vem em primeiro lugar, o ato fica falho.

Foi isso o de hoje, e que todos tenham um final de ano feliz, sem mágoas, sem olhar o rastro que ficou atrás ou trouxe algum agouro.

Fechemos com isto.

A entidade distribui cestas básicas (distribue, não). No plural: As entidades distribuem cestas básicas.

O bom humor contribui para a alegria da vida. Os bons cidadãos contribuem para a realização das tarefas diárias. (contribue, não).

O pobre coitado está com a cara inchada. O homem do campo trabalha com a enxada cara, sua ferramenta de carpina.

Uma cara inchada não é certamente uma enxada cara, como pode ser diferente um carro novo de um novo carro.

A enxurrada forte invadiu a casa e destruiu todos os móveis. Não existe ‘enxorrada’, assim como não se deve usar ‘estrupar’.

O estupro é crime.

Não agrada que a denominação de uma via pública seja ‘rua da Pituba’, por exemplo. Não se diz ‘avenida de São Paulo’ nem ‘de Getúlio Vargas’.

Para facilitar e ter uso mais seguro, rua Pituba, avenida Getúlio Vargas, bairro São Paulo, bairro Colina Verde.

No ano vindouro, ‘nóis tá de vorta’.

Quero enviar uma obra minha a um dos visitantes. A questão é saber como vou escolher um deles.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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