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Levem-nos agora. Essa mesma frase, a depender do contexto, torna-se outra: cada uma pode ter significado diferente

A Gramática Normativa (a nossa!) estuda dez classes gramaticais. Parece que todos saberiam dessa tipologia e dela fariam bom uso. No entanto, talvez, não lhes seja tão clara e, ainda, haja um momento em que os detalhes não tenham importância.

Por isso, a razão de que frases assim, com a mesma redação, possam ser diferentes semântica e sintaticamente.

Para uns, do jeito que algo for dito, isso basta, ou já seria o meio caminho para a linguagem fluir.

Porque a natureza dos falares e escreveres varia de um para o outro, e não adianta discutir ou contradizer, alegando certos critérios.

O que norteia ou justifica o enunciado é o entendimento.

Também, cabe-nos distinguir que os níveis de linguagem sempre apresentaram diferenças, do pretérito ao hodierno. A linguagem é vetusta, razão por que se modificou conforme o caminho seguido.

Tentemos mostrar, sucintamente, como as classes gramaticais se moldam nas frases, isto é, como se flexionam.

São seis as variáveis: o substantivo, o verbo, o adjetivo, o artigo, o pronome, o numeral.

(Necessariamente, não estudadas nessa ordem nem o são as invariáveis.) Variáveis por terem flexão de gênero, número e grau; além de pessoa, número e voz; e o básico: feminino, masculino e número (singular e plural), com seus respectivos elementos mórficos e desinências.

Quatro são as invariáveis: a preposição, a conjunção, o advérbio, a interjeição. Invariáveis por não terem flexão comum a um vocábulo.

Vivem as duas a circular entre si, momento em que variáveis e invariáveis se juntam no contexto e formam a frase, a oração, o período, de forma simbiótica: sozinho, praticamente, nenhum vocábulo teria valor, porque o isolamento, até entre as palavras, seria atitude infausta.

Uma auxilia a outra, carregando o fardo alheio; em troca, vem a mensagem, e a palavra se torna fundamental. Sem ela, a comunicação se esvai.

Um lembrete é que o advérbio, apesar de invariável, por força de uma acepção nova, da conotação a ele dada na frase, pode variar.

Agora, advérbio (como na introdução), é invariável, mas pode mudar em outro contexto: Agorinha mesmo, aconteceu um acidente aqui perto.

(Trata-se de derivação imprópria em que o advérbio agora se torna um diminutivo.)

Agora, com o conceito de neste momento; o hoje, o tempo atual que nos cerca. Agorinha, neste instante, há pouquíssimo tempo.

Varia também quando a palavra ganha a flexão que não lhe seria comum: o plural, a mudança de classe gramatical, a conotação especial, criada pelo poeta ou o redator com a intenção da ênfase.

A frase propositada ‘Você não vale os realmentes, os ontens, os hojes, os agoras, que tanto usa, em virtude de sua fala choca, acrescida dos nuncas, dos sempres, dos brevementes, dos aís, tão soberbamente, usados em sua linguagem‘ prova que os advérbios podem sofrer mudanças gramaticais e semânticas.

Não saia daqui hoje (frase com dois advérbios e uma combinação, que podem receber o acréscimo de elementos mórficos).

Os nãos do dia a dia mostram que há desentendimentos entre as pessoas. O hoje é diferente do ontem como do amanhã.

Os vocábulos assinalados, quanto à derivação imprópria, passaram de advérbios a substantivos.

Daqui recebeu um ‘de’, preposição que indica origem, e edificou um novo vocábulo: a contração formada por de e aqui, que se tornou popular.

Ao serem usados, aqui e daqui pouco alterariam a mensagem. Daqui, com o conceito deste lugar, tornou-se invariável, mas sua origem, como vemos, provém de dois vocábulos.

Primeiro, a fala; depois, a escrita, e, a partir do momento em que Gutenberg criou a máquina de grafar palavras, o Mundo mudou. Hoje, a mídia sem palavras, em especial, a escrita, não faria o menor sentido.

Melhor seria escutar, e auscultar, a voz dos lobos uivantes, o berro rouco dos morsas à beira d’água no Mar de Bering, um se esfregando no outro, com a mensagem do que querem fazer: brigar, amar ou, simplesmente, ser chato!

O ser humano não uiva, mas grita; o morsa grunhe como pode, voz animal que pode não ser entendida, mas é mensageira.

Não há estudo popular mostrando as diferenças entre os falares de animais comparativos aos dos humanos (que esteja nos compêndios escolares).

Articula-se muito, entretanto, nem tudo é entendido, o que gera o desconforto das Nações entre si. A linguagem pode ferir como a navalha afiada.

A mesma frase na introdução (Levem-nos agora) pode ter dois significados.

Ambas estão flexionadas no imperativo afirmativo. O primeiro entendimento é o de que ‘eles’ sejam levados agora (levem eles agora).

Tomando-a no singular, nesse aspecto, Leve-o agora. Leve o menino. (O substantivo, na função de objeto direto, pode ser substituído pelo pronome pessoal oblíquo correspondente.)

Feito o plural dessa frase, temos Levem-nos agora. O pronome oblíquo nos, o mesmo que eles, não se trata do pronome pessoal oblíquo nos equivalente a nós (para não se dizer Levem ‘nós’ agora).

Se há a nasalização em virtude da grafia (forma verbal terminada em M, ÃO, ÕE. ÕEM etc.), o pronome o se torna no, como os se torna nos.

Ponham-no no lugar certo. Dão-no de presente. Põe-no aqui. Põem-nos no caixote.  Fizeram-no ontem. Façam-nos hoje.

(Nessas construções frasais, no é o mesmo que o (ele) e nos o mesmo que os (eles.) Vale o contexto, mas pode haver dúvida. E nos, equivalente a eles, tem a pronúncia fechada: levem-‘nôs‘, e em levem-nos (equivalente a nós), a pronúncia é aberta: levem-‘nus‘, mesmo que a Fonologia nada diga a esse respeito.

Para se entender melhor, o primeiro Levem-nos agora, um pedido, equivale a Carreguem ‘eles’ agora, e o segundo a Tirem ‘nós’ daqui neste momento (feitas as devidas proporções).

Esse entendimento não seria tão fácil, ou a sua assimilação, conforme se possa explicar gramaticalmente.

Talvez, nem todos acatem a regra: no singular, usa-se o: venda-o; no plural no, vendam-no.

Como corretor de textos, função que exerci em vários jornais, já encontrei Não vendam-o.

Para a Gramática, dois crimes. Havendo não, a colocação pronominal é a próclise (Não o vendam).  Em não existindo termo atrativo para a próclise, dá-se a ênclise: Vendam-no.

A nasalização (como a forma verbal terminada em M), citada em linhas anteriores, exige que o se torne no: vendam-no. No singular: venda-o.

Repetimos esse chamado, já que nem todos usam essa diferença com segurança.

Em outro momento, o plural metafônico nem sempre é seguido.

“Faça aí dois jôgo“. “Fiz dois jôguinho“.

Está visível o plural, mas nem sempre a metafonia é cumprida: um jogo (ô), dois jogos (ó). O caroço, os caroços.

Deve ser ‘dois jógos’ (plural normal), assim também quando usado o diminutivo plural da mesma palavra: ‘dois jóguinhos’, norma que seria desconhecida.

Conversando com uma senhora sobre a morte de uma pessoa da família, disse ela no seu sotaque peculiar: “Meu filho, de Augusta não ‘existe’ nem os ‘ôsso’ mais” (sic).

No caso dela, há muito o que respeitar pelo fato de, apenas, rabiscar o nome, e a fala se dá por costume e tradição. Em se tratando de pessoas que têm o ensino médio, e daí para a frente, a visão crítica é outra.

“Meu ‘adevogado’ não foi à audiência” (sic), disse o senhor.

Valeu, cara!

 

João Carlos de Oliveira

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