0

Nossos plurais, os nominais e os verbais, são esquecidos com facilidade. A cada instante, encontram-se frases com lapso de pluralização

Seria fácil confirmarmos muitos exemplos diários, basta lermos os textos digitais.

Por que isso acontece? Seria o erro crasso, o lapso linguístico ou descuido de quem escreve?

Erro crasso ou não, o que podemos confirmar é que se trata de caso corriqueiro.

Lapso linguístico, em parte, pelo menos, visto que o redator não percebe que seu estilo comete enganos, como dizer, por exemplo, os ‘beijas-flores’, uma vez que a regra é impactante: o substantivo composto em que o primeiro elemento é verbo, somente o segundo vai ao plural, beija-flores, vira-latas, guarda-comidas. Os saca-rolhas, os troca-tintas, os mata-borrões. O primeiro elemento é verbo; o segundo, substantivo.

A hipótese seria a de que esse tipo de substantivo é confundido com o composto em que os dois elementos são substantivos ou um adjetivo e um substantivo, e um substantivo e um adjetivo.

São clássicos: salários-família, ou salários-famílias; bananas-maçã ou bananas-maçãs; navios-escola ou navios-escolas. Sambas-enredo ou sambas-enredos; mangas-rosa ou mangas-rosas; peixes-espada ou peixes-espadas. Mas sempre cartas-bilhetes, couves-flores.

Primeiros-ministros, boas-vidas, segundas-feiras (terças-feiras, quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras): o primeiro elemento é adjetivo; o segundo, substantivo.

Amores-perfeitos, cachorros-quentes, cabras-cegas, guardas-noturnos, guardas-militares, obras-primas, guardas-civis, guardas-florestais: o primeiro elemento é substantivo; o segundo, adjetivo.

Todo cuidado é pouco, porque há as inúmeras exceções: vice-reitores, os padre-nossos, os arco-íris, os bel-prazeres, os grão-duques, as grã-duquesas.

Em dado momento, para evitar a gafe, seria preciso consultar a norma, mas nem todos, provavelmente, querem fazer, considerando perda de tempo.

A gente esquece a regra à medida que usamos pouco.

Os substantivos aglutinados ou justapostos não nos oferecem risco, pois só o último elemento flexiona, sem o detalhe de classificação do primeiro elemento (que pode ser verbo, substantivo, adjetivo ou palavra invariável): vaivéns, pontapés, passatempos; aguardentes, bem-vindos (bem-vindas), coautores (antes, co-autores), bem-amados, bem-amadas, abaixo-assinados (documentos). Se nos referimos a pessoas que assinam, embaixo, o documento, devemos dizer Os abaixo assinados, as abaixo assinadas.

Reveja outros casos: os cirurgiões-dentistas, as casas-grandes, os pombos-correios, os porcos-espinhos (os porcos-espinho), os peixes-boi.

São menos frequentes, mas os enganos com plurais verbais (em que o verbo deixa de ser flexionado no plural) também existem.

Os casos mais comuns envolvem o sujeito posposto (em que o sujeito do enunciado aparece após o verbo ou no fim da frase). Bom lembrar que ‘nosso modelo’ costuma primar pelo uso em primeiro plano do sujeito (o homem trabalha), o chamado sujeito anteposto, ao verbo, e no instante em que o redator, porque o quis, ou por acaso, resolve colocar em primeiro plano o verbo (e depois, o substantivo), os lapsos ocorrem.

Muitas mercadorias acabam de chegar (anteposto), em que a forma verbal está correta (acabam). Frase comum.

Atenção! Atenção! Acaba de chegar muitas mercadorias nas Lojas Tagarela (posposto), em que a forma verbal está incorreta (acaba).

Comumente, se o usuário não conhece esses aspectos, o erro não é percebido.

Por isso, temos casos abundantes desse mau uso do plural.

Um bom artigo de redator com linguagem em nível alto registrou este caso: “Não falta opções de boa comida” (na orla marítima de cidade turística) (sic).

O sujeito da frase é ‘opções’, que aparece após a forma verbal ‘falta’ (não se trata de a falta, um substantivo), mas da terceira pessoa do verbo faltar, no presente do indicativo.

Se a regra diz que o verbo concorda em número com o sujeito, e se este está no plural (opções), o verbo deve ir ao plural, tem que estar no plural: “Não faltam opções de boa comida na orla da cidade”, frase que está na ordem indireta.

Colocada na ordem direta, temos: Opções de boa comida não faltam (na orla da cidade).

Se o redator quiser se defender e disser que o que falta é a comida, sua frase poderia ficar truncada. Se falta a comida, não haveria nenhum local, boteco ou restaurante para atender ao turista. Não haveria comida nenhuma.

Mas comida há, e não faltam as boas opções; são diversos os locais, com muitas escolhas.

Imagine se dissesse: Opções de boa comida não falta na orla da cidade. (Seria mantido o mesmo engano.) E não adiantaria justificar que a comida não era faltosa.

Para fechar, é conhecida a expressão ‘crime passional’, que envolve casos de mortes por ciúme, por ‘paixão’, palavra nossa derivada do Latim passio, passione, passionis. A grafia em Latim é que nos dá o adjetivo passional, que pode ser substituído pela locução adjetiva ‘de paixão’, embora o uso seja restrito; preferem o adjetivo, por ser mais enfático. Compare: podemos usar de mãe, mas para alguns fica mais chamativo usar materno (amor de mãe, amor materno). Repise o assunto: de paixão (locução adjetiva em crime de paixão); passional (o adjetivo equivalente).

O vocábulo ‘paixão’ tem uso mundial, com sua grafia em idiomas neolatinos: pasión, no Espanhol; passione, no Italiano; passion, no Francês, que o Inglês adotou com a mesma grafia (passion), embora seja do eixo saxônico, e claro que muda a pronúncia.

Saber a origem de uma palavra, se é derivada ou primitiva, de que idioma vem, é muito importante. Devemos conhecer um pouco da filologia.

Um comentarista ‘popular’, opinando a torto e a direito sobre crimes ‘passionais’, mas o adjetivo não estaria escrito no texto que leu, disse que no Brasil estava ‘tendo’ muito crime ‘parcional’, adjetivo que não existe. Temos, sim, parcial, de parte, mas de paixão é passional, do qual se podem derivar ‘passionalidade, passionário, passioneiro, passionista’, todas de uso diminuto. Curioso, ainda, observar que uma das definições de paixão é: ‘movimento impetuoso da alma para o bem ou para o mal’. Pense nisso.

Pois é, companheiro, companheiro, caro visitante, cara visitante, amigo e amiga, este o artigo de hoje, um texto simplório.

E que lhe traga algum proveito.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *