0

A linguagem do cidadão pouco letrado é inferior à daquele que se diz ‘formado’?

Estamos falando da linguagem informal, em que as regras gramaticais quase sempre são deixadas a um segundo plano. O cidadão formado de que falamos é referente àquele que frequentou os bancos escolares por muito tempo, até o nível do curso de segundo grau ou o de nível superior. O cidadão do outro lado é o iletrado, ou aquele que mal sabe escrever o nome. A esse se dá o nome pouco simpático de apedeuta. A questão está nesse nível de instrução, de pouca ou de nenhuma formação escolar. Mas ele se expressa mal no seu Português cotidiano? Parece que não, embora não possamos falar que tenha uma linguagem escorreita. E o outro falante, que deve ter conhecido muito dos ditames gramaticais? Como você mesmo vê essa diferença?

É interessante ver o falante de pouca ou nenhuma escolaridade falar ‘bonito’, sem rodeios, sem redundância, mas com uma metáfora espontânea, poética, empática, alicerçada pelo sorriso e pelas expressões faciais suaves, comunicativas.

E muitas vezes é pouco atrativo ver o falante escolarizado falar com rodeio, ‘inventando’, querendo falar bonito, e cometendo gafes linguísticas não-condizentes com sua postura de sabido. Seria ideal não inventar, não dar meias-voltas, e falar gradualmente – do menos complexo até atingir o ápice.

Comparemos dois momentos: o considerado apedeuta, pelo menos na instrução formal da linguagem, ouviu de companheiro do mesmo patamar a ‘pregunta’: ” – Compadre, já está na hora do ônibus?” O que ouviu, pensativo, agora um falante filosófico, responde: ” – Compadre, ainda temos muito chão pela frente!”

Está aí a grandeza da fala simples, elegante, e esta é metafórica, além de chamativa, como se dissesse “Calma, homem, faltam muitos minutos para a hora certa de nossa partida”. Isso é agradável, e o papo rende muita sabedoria.

No entanto, um jovem desportista, supostamente frequentador dos bancos escolares de uma faculdade, com aspecto de galã, fazendo pose de modelos famosos, ao ouvir um questionamento sobre quando começou sua evolução na área, responde: “Em 2014, foi aonde eu evoluí”, e desse ‘aonde’ partiu para outros picos pouco verdadeiros. Ele queria falar de sua performance, mas engasgava, balbuciava, e não disse coisa com coisa.

Sendo sucinto, teria sido melhor. Há mesmo uma mania de muitos usarem ‘aonde’ (que indica o lugar ao qual se vai) num momento em que nem caberia ‘onde’ (que indica o lugar em que se está). O máximo de seu falar seria “2014 foi o ano em que eu cresci bastante”, para dizer que se dedicou muito à sua modalidade esportiva, e esse ano (usado aqui de forma fictícia) ‘foi’ aquele em que mais se destacou.

Se o apedeuta diz “Pra mode nós ir…”, uma boa linguagem para quem não conhece nem o que é vogal, o ‘formado’ chega a dizer “Cresce os juros do cheque especial”. Este bloguista não quer alongar o comentário com um mundo de exemplos (poucos bastam), mas tem a dizer ao leitor que devemos observar o dia a dia, a ouvir os dois lados, e que a frase do letrado tem um sujeito posposto (que vem após o verbo), mas é fácil colocar o enunciado na ordem direta, com um sujeito anteposto (postado antes do verbo), típico de nossa fala (O homem construiu a casa) e ver a obrigação de efetuarmos a concordância verbal: “Os juros do cheque especial crescem”.

Os vieses desses dois tipos de linguagem ‘em níveis opostos’ são muitos, mas basta que o leitor observe um feirante falar ‘errado’, sem guinadas mirabolantes, mas espontâneo, e o outro que fala ‘certo’, com picos de altos e baixos, com aspectos de empolgação (com honradas exceções), a ponto de não pronunciar corretamente um verbo como ‘distinguir’, em que não há ditongo – gui é dígrafo (não há semivogal) e piora ainda ao usar o verbo ‘arguir’, em que a pronúncia é distinta da primeira – gui forma um ditongo crescente (u, semivogal; i, vogal). E longe de se falar que “O aluno foi arguído pelo professor”. O aluno foi arguido pelo professor (como se houvesse trema, mas apenas falado em três sílabas: ar-gui-do, e nunca quatro).

Fica o recado de hoje. À medida em que os comentários forem sendo publicados, não condenaremos a linguagem do apedeuta – por que não esteve na sala de aula, e analisaremos com cautela redobrada a linguagem do outro falante.

Um abraço.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *