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“Por cada… Porcada”. O que é isso, professor?

Às vezes, o aprendiz não tem culpa pelo lapso cometido – pode não ter sido avisado de forma clara. E, nem sempre, o mestre consegue ‘ensinar’ tudo para o pupilo, nem este possa aprender tudo que o mestre analisa. A aprendizagem se dá de forma lenta, gradativa; assim fica mais segura, melhor que aquele ensinamento corrido em que todos (sistema de ensino, professor e alunado) querem aprender as normas gramaticais de uma só vez, sem ao menos associar a teoria à prática, a norma culta à popular, sob o veio do vernáculo.

Uma frase seria o suficiente para o mestre dissecar a gramática, excluído o exagero. “O motorista conhecido como Reboque, conduzia uma picape, quando perdeu o controle e capotou (…), de acordo com as informações que chega (sic) ao nosso sistema”. Corrijamos uma parte: “O motorista, conhecido como Reboque, conduzia uma picape, perdeu o controle do veículo e capotou (…), de acordo com as informações que chegam ao nosso sistema”. Perceba as vírgulas colocadas, o nome fictício do motorista e analise a concordância verbal. O estudante vai percebendo que o mestre cuidadoso lhe diz: “Cuidado, Manuel, ali naquele canto ‘tem’ um buraco; livre-se dele”. Melhor assim que dizer, após seu pupilo ter caído no fosso, que ali havia um buraco.

O usuário, falante ou escrevente, queria dizer ‘por cada um‘, ou, ‘por cada uma‘, mas ficou ‘porcada’, e não percebeu o cacófato – vício de linguagem (comum no cotidiano) em que ocorre a união das sílabas finais de uma palavra com as iniciais de outra, vindo à tona um som desagradável ou obsceno, sem a percepção de quem o cometeu. Onde estão os suínos? Cacófato é vício de linguagem.

Tem percebido algum cacófato em sua fala? Só os menos atentos o cometem? Não, todos corremos esse risco, mas quem estuda o idioma com mais afinco fica mais apto a percebê-lo e a corrigi-lo. Como se dá isso? Feita a comparação alicerçada em sinônimos, na entonação frasal, na boa pronúncia, o lucro é maior. O domínio vocabular é um item favorável, como a pontuação, a releitura do que foi escrito.

Quando você usa “Olhe o copo lá!”, não estaria cometendo um cacófato? Diz que não! Muito bem! E o que é ‘copular’? Não conhece esse verbo? Você se defende: “Eu não escrevi esse verbo”, mas você o ‘falou’. Isso é um cacófato, e dos feios. A não ser que copular seja ‘plantar bananeira’. Para você!

Consultando sobre cacófato, um dicionário registrou este enunciado: “Ela trina maviosamente”. Existe cacófato nessa frase? Como percebê-lo? ‘Trina’, do verbo trinar, é ‘canta, gorjeia, tange rápida e suavemente as cordas de um instrumento’. Muito bonito esse lado comparativo, não seria isso? Quem trina? Uma ave. Logo, seria melhor, para evitar o cacófato, ter escrito “A ave trina maviosamente”. A cotovia trina maviosamente. Afinal, professor, qual foi o cacófato? “É latrina” (a privada), termo em desuso para dizer ‘lugar reservado para fazer defecções’ (lembre-se que usam ‘banheiro, toalete, mictório’ para designar o lugar em que fazemos as necessidade fisiológicas, embora esses três termos tenham significado diferente).

O resultado é que o cacófato pode ofender. “Olhe a boca dela, está suja!” Validada a frase, alguém acaba de chamar a pessoa de ‘boa cadela‘.

Uma ilustríssima advogada disse em seu texto que o marido de sua cliente, que pedia o divórcio, teria usado com a ex-esposa ‘termos de baixo escalão’, e citou exemplos inaudíveis. Nem se precisa dizer ‘termos de baixo calão’, os obscenos; apenas, termos de calão – todos são de baixo nível. “Sua p., m., b.”, e outros.

Em “Seu time nunca ganha” há cacófato? Oxente, bichinho! Olhe lá ‘nun… caga… nha’. Seria preciso explicar mais?

É importante, como é próprio do escrever e do falar, que o usuário tenha a liberdade de criar sua linguagem, mas todo cuidado é pouco. A falada é mais suscetível a esses lapsos, portanto, o conhecimento prévio, o hábito de se fazer uma análise é primordial. O idioma é múltiplo, e, como um pincel, o falante ou o escrevente molda com as palavras um mundo subterrâneo – nem sempre, a olho nu, vemos o que está submerso.

Brincando, vamos concluir: uma criança, na roda da ciranda-cirandinha, diz “Pica nela”, jogando um objeto que tem em mão. O romanesco pode expor isto: O cágado tinha cagado no escaninho. O menino, coitado, está todo cagadinho.

Na próxima feita, “Esse ano, vou viajar para a Europa!” ou “Este ano, vou viajar para a Europa.” Qual a forma correta?  Se tiver uma pergunta, envie-a para o e-mail joaocarlosdeoliveiraoliveira@bol.com.br.

 

 

João Carlos de Oliveira

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