0

Gostaria de ‘lavar a égua’ hoje? Já ‘deu com os burros n’água’ alguma vez?

“Vovozinha, minha velhinha,/ cinturinha de retrós,/ dê meia-volta na cozinha,/ vá fazer café pra nós”/. Essa introdução lembra nosso folclore, nossas tradições, o linguajar simples do interior do País (sinta o significado figurado de ‘retrós’) e a cultura desapegada a bens materiais de muitas pessoas do nosso convívio, até parentes nossos, que aprenderam a valorizar mais o sabedoria que o dinheiro. Ainda bem!

Lavar a égua‘ não é dar banho, para tirar o suor, na fêmea do cavalo, que poderia ser uma égua-madrinha, um animal de carga ou uma ‘dama’ ao campear uma rês bravia na caatinga. Como expressão idiomática, enfatiza o momento em que o jogador obtém vantagens no jogo, geralmente, de baralho; essa fala foi ganhando corpo e mais tarde veio a indicar a vitória em outros momentos, mesmo que fosse por esperteza, sem ser, no entanto, crime – é a vantagem que se obtém numa barganha (troca-se um cabrito por um saco de feijão, uma mula manca por uma novilha, um roçado de mandioca por uma vaca leiteira), e o vencedor (opinião especial e peculiar), ao chegar à sua residência, diria para o outro – ‘lavei a égua, troquei um saco de farinha numa cabra leiteira’.

Essa a prova de que, não só o Inglês, como querem alguns mestres, é um idioma cheio de expressões idiomáticas, mas também o nosso vetusto Português caipira, simplório como o homem do campo, que o usa despreocupado de regras gramaticais. Só para um exemplo curto, ‘tirante’ é uma correia que prende um veículo à cavalgadura que o puxa (pense em uma charrete) ou uma barra de ferro que transmite o movimento do êmbolo às rodas das máquinas a vapor (pense em uma maria-fumaça), entre outros significados, como se encontra num bom dicionário. No entanto, no linguajar caboclo, ‘tirante’ é uma preposição exclusiva: estão falando disso e daquilo, dando todos os exemplos macabros praticados por ladrões e malfeitores, e é citado um ‘modelo’ – um homem baixo, troncudo, com aparência de um mameluco. Quem está na roda da conversa tem essa aparência, e ele, sabiamente, precavido, grita logo: “Tirante eu, seu Manuel!”

Aproveitando o timbre do fonema ‘tê’, tiririca, do tupi tiri’rika, deixa de ser uma planta herbácea que corta e provoca coceiras, e passa a ser um cara zangado – Ficou tiririca da vida quando disseram que ele era um mentiroso – ou uma escabiose de provocar medo no médico que foi consultado – de tanto coçar, a pele ficou só uma pereba, com aparência de doença brava. O que vale mais é o sotaque, a entonação no momento em que se usa um termo desse naipe – o cara ‘tava’ tão sujo, que seu corpo era uma titica só, uma fedentina, por que ‘tinha’ um mês que não tomava banho.

“Menina, esse pão é de hoje?” “Sim, senhor! É de ho-je que ele ‘tá’ na prateleira!”

Nossa riqueza vocabular está nesses exemplos, nessa fala descompromissada, ingênua, mas carregada de experiência.

Procure lembrar-se dos exemplos “Trabalha pra burro”, “Ele é um burro de carga”, “Tudo isso são águas passadas”, “Lançar água no mar” (fazer negócio inútil), e muitas outras expressões. São os nossos regionalismos com destaque na fala do cidadão comum ou carregadas de sotaque do tradicional falar de um nordestino – Espere um pouco, que vou verter água (e você o nota mijando no pé do toco). Quer algo mais sugestivo que destaca o nosso falar e o nosso fazer?

Com relação ao uso anedótico do termo ‘burro’, não precisamos de tantos exemplos, mas de sentir o modo como o vocábulo é usado para ironizar, sem citar discriminação. Dar com os burros n’água é coisa ruim? Depende da visão. Um mercador vinha com sua tropa, que costumava sofrer, tal era o peso de fardos enormes. Um burro carregava sal, e, cansado, deitou-se no manancial para aliviar o peso de quebrar o espinhaço. Não é que foi feliz! O sal derreteu e a carga ficou leve. Mas um desavisado, que carregava fardos enormes de algodão, não pensou duas vezes – inocente, entrou na água, e ficou à vontade. Ao tentar se levantar, o peso foi maior, e sofreu muito ao ficar em pé. Teve que esperar muito para poder andar… E levou umas chibatadas.

Daí a história com alguém que deu com os burros n’água – deu-se muito mal, tomando um prejuízo maior. Não preciso usar outros termos.

É isso, companheiro – relate para as pessoas de seu convívio exemplos de termos regionais, nossas expressões idiomáticas.

Você teria um mecenas para estas obras? – O retrato sonoro, Colóquio com o silêncio, O dia que nunca acaba. Isso por que, para informar mais, sou o membro-efetivo 27 da Academia Teixeirense de Letras.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *