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Pelo menos isto – a repetição sucessiva de ‘Entendeu?’ empobrece a linguagem do falante

E a torna viciosa. O vício de linguagem implica erro de natureza fonética (‘lâmpida, largato’), morfológica (‘interviu‘), semântica (soma ‘vultuosa’) ou ortográfica (‘derrepente, de repentemente’), sem esquecer o famigerado pleonasmo vicioso (ele prosseguiu ‘na frente’) e a enjoadinha redundância – repetição de termos ou de seu sentido na frase seguinte, deixando a linguagem enfadonha.

Sem delonga – ele interveio, soma vultosa (vultuosa é inchada, doente), de repente ou repentinamente, ele prosseguiu (está na frente). Não use ‘capueira’, ‘falta’ cinco minutos, ‘haviam’ pessoas na rua, o governo ‘ele’ não respeita os direitos do povo, há muitos anos ‘atrás’. Note a diferença: Ele foi ‘taxado’ de ladrão. Mercadoria é que é taxada. Ele foi tachado de mentiroso. (A fala não distingue ‘taxado’ de ‘tachado’.)

A maior característica da redundância é haver mais palavras que o necessário; é diferente do que o povo chama de ‘ficar dando voltas’. ‘Dar voltas’ caracteriza a linguagem de subterfúgios, de desculpas; não serve, mas pode não conter os tradicionais erros gramaticais. Até o demagogo a pratica com abundância para enganar, para dar ênfase à sua falácia – a conversa para ‘boi dormir’.

Tantos os ‘lapsos linguísticos’, que seriam necessárias muitas páginas para defini-los. Vício de linguagem aborrecedor é o solecismo – ‘Assisto o filme’. Assisto ao filme (assistir, no sentido de presenciar, exige a preposição ‘a’ – por ser transitivo indireto). ‘Chegou em Teixeira de Freitas muitas novidades’ – chegar a, muitas novidades ‘chegaram’: Chegaram a Teixeira de Freitas muitas novidades. ‘Pagou o banco’ – só se o tivesse comprado. Pagou ao banco (o boleto bancário, o empréstimo). ‘Não sabe-se o porquê disso’. O advérbio ‘não’ exige próclise: Não se sabe o porquê disso. ‘O criminoso que evadiu-se do local do crime foi preso depois’. O criminoso que se evadiu do local do crime foi preso depois.

O curioso é que frases desse naipe são crias de pessoas letradas (locutores famosos, redatores, pessoas com pelo menos o nível secundário; não exatamente o iletrado).

Cacofonia é vício de linguagem nem sempre perceptível no cotidiano – O cara deu um beijo ‘na boca dela‘ na frente de todo mundo. Deu um beijo ‘na boa cadela‘ é algo curioso. O pior é que não se trata da companheira do bom cão (cacofonia!), mas de sua namorada ou esposa. É grave.

A chamada foi feita no artigo anterior. Lembre-se do que foi escrito: “Tipo assim. Entendeu? Eu peguei e falei com ele. E aí… Tipo assim. O cara é pau puro. Oh! véi, deixa de ‘bobage’, fica na tua.”

Certo professor, numa aula magistral, disse que não se pode exigir que o aprendiz de Português seja como o mecânico – que entende a fundo do motor do veículo. O aprendiz é como o motorista; o motorista sabe dirigir o veículo; obrigatoriamente, não é profundo conhecedor de mecânica de automóvel; o aprendiz deve saber escrever e falar, não tendo necessariamente o mesmo conhecimento do professor de Língua Portuguesa. Mantenhamos distância entre o bom aprendiz e o especialista em linguagem, ‘o mecânico’ do sistema gramatical.

As vezes em que aparece a forma verbal ‘entendeu’ entendia a fala, tornando-a extremamente pobre. Isso é pouco diante do centesimal ‘tipo assim’. Seria simples: expressar-se devagar (respirar, pensar), falar pouco e ser comedido. Com o tempo, vai-se ganhando experiência, tendo coragem para ‘dominar’ novos termos, dando guinadas e voos rasantes, até se tornar um bom usuário do falar cotidiano ou um grande orador. E a imprescindível leitura, além de ter como base – ‘o que repito em demasia torna prejudicial o que falo’.

O básico: “Naquele dia, por ele ter sido tão chato, eu lhe falei – você é cara de pau, teimoso… Oh! velho, deixe de bobagem. Fique na sua!”

A repórter entrevista a jovem que teve um parente assassinado. A entrevistada disse algo parecido: “As polícia chega aqui. Entendeu? Aí ele não tinha nada com isso, entendeu?, tipo assim, tá morto”.

Não se quer a perfeição linguística, mas essa pobreza (com tantos vícios) deve ser evitada – porque o jovem é inteligente, sabe usar bem a Net, tem boas saídas satíricas, sabe criticar o errado, sabe avaliar o certo, tem conhecimento ético. Portanto, tem boas condições de usar a linguagem com eficiência. O restante é pura balela.

O próximo artigo trará um comentário sobre ‘neologismos’ – termos novos que surgem. Que tal falarmos do ‘trumpismo’, assim como temos o confucionismo, ‘a doutrina ética e política de Confúcio, filósofo chinês da Antiguidade’. Donald Trump vai deixar sua marca – seu ‘ismo’ está ganhando espaço.

Abraços. Teixeira de Freitas, Bahia.

João Carlos de Oliveira

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