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Pronome pessoal oblíquo átono com o valor de pronome possessivo. Que linguagem é essa?

Podemos ressaltar que o assunto seria de uso restrito na linguagem escrita, ou quase, e pouco usual na coloquialidade. Algumas frases se revelam poéticas, outras irônicas, aspecto que dá ênfase e embelezamento ao texto. O usuário precisa dominar esse emprego para a frase ter boa performance e realçar seu valor semântico.

Na linguagem popular, alguém pode expressar “Vou quebrar a tua cara”, para o que o poeta diria: “Se me aborreceres, quebrar-te-ei a cara”.

O emprego de pronome pessoal (oblíquo átono), na segunda frase, com o valor semântico de pronome possessivo (na primeira frase) revela uma nuança da nossa linguagem, mas nem todos a dominam (parece-nos), ou seu uso não seria tão comum.

Sendo, aparentemente, mais fácil o emprego de pronome possessivo, citam-se frases que modelariam esse emprego em que o pronome possessivo possa ser substituído pelo respectivo pronome pessoal oblíquo átono: 1. Ele vai visitar a sua família (a própria ou a de terceiro). Ele vai visitar-lhe a família. ‘Sua’, pronome possessivo, torna-se ‘lhe’, pronome oblíquo átono, momento em que ambas as frases têm o mesmo valor semântico. A escolha para o uso da primeira ou da segunda forma de expressão fica a depender do estilo do redator ou da sua necessidade de comunicação. A segunda frase, se falada, não teria amparo no meio popular nem seria tão ‘simpática’, mas na linguagem escrita culta é elegante e chama a atenção. O fato de ‘sua’ estar precedido de artigo definido não altera o conteúdo; seu uso é opcional. 2. O fazendeiro quer comprar a nossa terra. O fazendeiro quer comprar-nos a terra. Ou: O fazendeiro quer-nos comprar a terra. A explicação tem os mesmos detalhes. Ambas as frases têm locução verbal, e a segunda foi mais propensa a mostrar a colocação do pronome oblíquo em duas situações. Cada um escolhe a que lhe for mais conveniente.

O falar culto opta por frases similares, ou pela transformação dessas em outras cujo pronome oblíquo átono tenha o valor semântico do pronome possessivo, conforme a pessoa a que se refere.

A partir de agora, os pronomes pessoais me, te, lhe, nos, vos e lhes podem ser citados em frases que se seguem. A redação se mostra ligeiramente diferente, mas o valor semântico é o mesmo.

Meu colega quer comprar a minha casa. Meu colega quer comprar-me a casa.

Gustavo, o vizinho quer comprar a tua casa. Gustavo, o vizinho quer comprar-te a casa.

Manuel, seu patrão quer comprar a sua casa. Manuel, seu patrão quer comprar-lhe a casa.

Querida, o prefeito quer comprar a nossa casa. Querida, o prefeito quer comprar-nos a casa.

Senhores deste distrito, corretores querem comprar as vossas casas. Senhores deste distrito, corretores querem comprar-vos as casas.

Seu Pedro e seu Romualdo, empresários querem comprar as suas casas. Seu Pedro e seu Romualdo, empresários querem comprar-lhes as casas.

As Gramáticas, nem sempre, como se sabe, tratam atenciosamente desse assunto. Destacariam, primeiro, a frase contendo o pronome pessoal oblíquo átono – Sujaram-me a camisa – e, em seguida, a frase correspondente contendo o pronome possessivo correspondente: Sujaram a minha camisa.

Nota-se que uma frase ou outra não seria tão elegante ou expressiva, mas todas, sem exceção, estão corretas, e serviriam de modelo para essa troca. Havendo pronome possessivo, pode ser substituído por pronome oblíquo átono com o mesmo valor semântico, e vice-versa. Repitamos que é opcional o uso de artigo definido antes de pronome possessivo: Sujaram a minha camisa, sujaram minha camisa.

Supostamente, o uso do pronome possessivo seria mais fácil que o do pronome pessoal oblíquo átono, motivo por que aquela prevaleceu a esta.

Entretanto, podem ser dados modelos em que se destacam, primeiro, os oblíquos átonos e, em seguida, os possessivos, ficando evidente que de um caso passamos ao outro e vice-versa.

Furtaram-me o livro. Furtaram o meu livro.

Furtaram-te o livro. Furtaram o teu livro.

Furtaram-lhe o livro. Furtaram o seu livro.

Furtaram-nos o livro. Furtaram o nosso livro.

Furtaram-vos o livro. Furtaram o vosso livro.

Furtaram-lhes o livro. Furtaram o seu livro (deles ou delas).

É preciso que haja o momento adequado para o uso desses pronomes, em que, em primeiro plano, um se destaca, e, depois, o outro. Mais uma vez, a escolha recai no estilo do redator.

“O jovem, ao passar pela calçada, teve o rosto ferido. Não se sabe de onde jogaram um objeto que lhe atingiu a face”.

O pronome ‘lhe’, da terceira pessoa do singular, pode referir-se a ‘ele’ ou a ‘ela’, ou a ‘você’.

No momento da criação do texto, pode ser usado esse ou aquele modelo. Aqui, é que, didaticamente, ambos são mostrados para que o leitor, se considerar isso viável, aprenda a exercitá-los com real domínio.

Certamente, não ficaria correto que se usasse ‘que lhe atingiu na face’. Se assim o for, mantido o uso da preposição ‘em’ (na), não mais cabe ‘lhe’, mas apenas ‘o’ ou ‘a’, conforme o sexo da pessoa em referência: O jovem teve o rosto ferido. Um objeto o atingiu na face. A jovem teve o rosto ferido. Um objeto a atingiu na face.

E que função gramatical têm tanto o pronome oblíquo como o possessivo? Sabemos que o possessivo indica posse, e, normalmente, é pronome adjetivo, e como há equivalência semântica entre um caso e outro, considera este blogueiro que ambos funcionam como adjuntos adnominais (que podem ser do núcleo do objeto direto): atingiu a sua face (objeto direto); face, núcleo; sua (adjunto adnominal). O ‘a’ (artigo, que é opcional) tem a mesma função de adjunto adnominal.

Algum gramático pode ser referência?

“Rasgaram-me o livro” é transformado em “Rasgaram o meu livro” (in Nossa Gramática, p. 66, Ed. Moderna, Luiz Antônio Sacconi, 1979). Esse grande mestre diz ” (…) alguns gramáticos chegam a considerar tais pronomes como adjuntos adnominais (…). Consideramo-los objetos indiretos” (sic).

É preciso cautela.

Respeitada a posição dos doutores em Língua Portuguesa, este blogueiro, simples especialista, fica com a equivalência, evidente em cada exemplo: O galho de árvore feriu-me a pele. O galho de árvore feriu a minha pele. Os pronomes ‘me’, oblíquo, e ‘minha’, possessivo, atuam como acompanhantes e/ou determinantes de ‘a pele’, que funciona como objeto direto da ação de ferir (feriu-a), motivo por que fica claro que são adjuntos adnominais.

Nada mais.

João Carlos de Oliveira

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