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A linguagem da judia-alemã, a menina inteligente, perseguida e morta, em sua obra magistral O Diário de Anne Frank

O Diário de Anne Frank, histórico e trágico, revela uma menina preocupada com a guerra. No fundo, aborrecida com o comportamento humano.

“Por que a guerra existe? Por que fazer guerra? Que finalidade tem a guerra?”

Seriam esses, pelo menos, três aspectos semânticos de suas críticas, não somente por ser uma judia-alemã, mas por ser uma garota inteligente que via a guerra como uma ‘estupidez’, verdadeira estultícia; atitude nefasta e hedionda, uma das maiores aberrações humanas. Insólito genocídio!

Seu texto é poético, rico em metáforas, com entrelinhas profundas. Sua linguagem, ora popular, ora culta, é rica em ironias hilárias, visões sarcásticas que nem todos as têm, múltiplo em prosopopeias.

Há, em todo o decorrer de suas narrativas, ora descritivas, ora filosóficas, duas Annes, uma externa, que alguns conheciam ou supunham conhecer, e uma interna, que ninguém conhecia, nem seus familiares; talvez, um pouco ‘o Pim’, apelido de seu pai; nem a própria Anne a si mesma conheceria, ou com seu ego visionário concordaria.

Concordar com tudo nem ela mesma o admitiria! Em certos momentos!

Não é este blogueiro (anônimo e simples) um crítico literário, mas é analista, não o de Bagé, como o grande cronista gaúcho, mas um intérprete do que falamos e vivenciamos, como (supõe) têm demonstrado seus artigos neste ‘sítio’, vindo lá das entranhas de Jacobina, Bahia, do sertão bravo, mas benfazejo.

Ora, tenho dito!

Num momento, toda a narração de Anne, a interna, a escritora satírica, é comovente por nos vermos ali sofridos e perseguidos. Vemos uma menina angustiante com apenas 13 anos de idade, e, mais tarde, aos 14, já começa a dar mostra de uma grande intérprete de nosso ‘holocausto’, o do ódio, da fome, da perseguição, da discricionalidade com o outro que nos parece ‘padrão’. Somos ‘padrão’ de quê? De uma ‘fraternidade’ que nos leva à desavença? De nossas mazelas, certamente, por que de coisas grandiosas somos pouco ou nada. Erramos todos os dias, e queremos ‘consertar’ o mundo, como queriam nazistas em busca de uma raça ariana, que seria ‘pura’. Não deu em nada, mas deu maus exemplos, perseguindo e matando milhões de inocentes, como demonstra a menina intelectual: os horrores da guerra ainda assombram o mundo, e devemos ter medo deles.

Diário autobiográfico, tragicômico, terrível só de se pensar em coisas funestas. Seu perfil teatral lembra Shakespeare em descrever personagens que ‘morreram’ ao serem pisoteadas pelo ódio.

Hoje, a Anne da época hodierna seria a Malala do Nobel da Paz. Anne Frank também merece um título assim ‘pós-morte’, há sete décadas. Seria ótimo que a Academia Sueca, com seu poder de vislumbre, com sua riqueza de homens cultos, com seu dinheiro que poderia salvar muita gente, desse um prêmio a Anne Frank House (sediada na Holanda). O Museu Judaico em Frankfurt, na Alemanha, terra de Anne Frank, também teria um quinhão desse ‘prêmio’.

Estou certo ao pensar assim?

Anne Frank narrou uma poesia épica, cujo teor é premonitório – coitada, sabia que iria ser encontrada -, e seria levada ao holocausto, como foi, embora, no fundo, tivesse um pouquinho de esperança de que a guerra terrível pudesse acabar, e ela, ser salva, mas o destino cruel não o quis.

Lendo O Diário de Anne Frank, uma de suas fotos – semblante isolado, pensativo, olhar profundo buscando algo no horizonte – nos conduz a ver que sabemos pouco sobre o comportamento da guerra, ou dos homens ‘bélicos’ na fome pelo poder.

Podemos ver isso? Se soubermos pensar, sim. A morte dela e de muitos é obra de terror, mas a morte de seu pensamento mata a liberdade de todos num momento de crueldade do mundo incivilizado.

Temos infâncias violentadas em todo o mundo, mas a interrupção da vida de Anne Frank ‘pelo simples querer humano’, e não pelos desígnios de Deus, dói muito, e pode doer mais conforme a visão de um ser humano, e pode nada doer conforme a visão de outrem.

Estudiosa, lia muito; quase uma poliglota: estudava Francês e Inglês, além do idioma local, o Holandês. Começaria a ter noções do Latim, mas sua força interna humana e excepcional foi interrompida precoce e cruelmente. Anne foi levada ao holocausto por ordens nazistas, e morreu pouco tempo depois. Só a ida levou três dias de angústia. Se pudesse ter narrado esse trágico caminho, suplantaria sua visão o teor épico de Odisseia.

Eloquência! Pura e perfeita eloquência a linguagem de Anne Frank, jovem judia-alemã, ícone da perseguição nazista. Talvez, se soubessem que ela tinha esse diário dando-lhes uma imagem incompreensível, quem sabe, a poupassem ou a matassem de vez. A primeira alternativa é uma ideia fascinante. Eles a teriam poupado para tê-la como aliada, talvez, apagando a imagem ruim que o Nazismo espalhou, matando simplesmente.

Acredita-se nisso!

Muitas são suas frases marcantes, emblemáticas, imarcescíveis: “Esta é uma fotografia minha, com a qual eu gostaria de me parecer sempre… mas receio ser hoje um dia muito diferente“, e foi. Ou ainda, segundo a versão de outra obra: “Esta é uma fotografia minha de como eu gostaria de ficar para sempre. Então, talvez, eu pudesse ter a chance de ir para Hollywood“, Anne Frank, 10 de outubro de 1942.

Queria ser atriz, queria ser jornalista, queria ser professora, mas foi uma mestra, vítima e mártir do Nazismo brutal, impiedoso, ‘holocáustico‘, como a pior das tendências políticas de então. Felizmente, acabou, e que nada no mundo se assemelhe a regime ditatorial dessa torpe natureza.

Anne Frank nasceu na Alemanha (“… E lembrar-me que também já fui alemã! Hitler tirou-nos a nacionalidade há muito. Entre aquela espécie de alemães – os hitlerianos – e os judeus existe uma inimizade como não pode haver mais forte em todo o mundo!“, 9 de outubro de 1942 (após 1941, tornou-se apátrida). Tendo a família perseguida, emigrou para a Holanda, onde, alguns anos depois, e cerca de dois anos no “Anexo Secreto”, foi descoberta e levada para o holocausto, onde faleceu de tifo após a morte da irmã Margot.

Nome completo: Annelies Marie Frank, 12/06/1929. Morte: fevereiro de 1945.

“Descoberta, foi presa e deportada para o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde foi assassinada. Durante seu refúgio, escreveu um comovente diário publicado em 1947 em holandês sob o título Het achterhuis (Os Fundos da Casa), traduzido para vários idiomas (O Diário de Anne Frank, em português)”, trecho de uma obra sobre sua biografia.

O que quer dizer Bergen-Belsen? Amontoado de gente faminta, violentada, até roída por piolhos, e mortos jogados em vala comum?

São muitas suas frases profundas. Estas, para fechar a triste análise sobre sua vida, mas linda a sua linguagem de adolescente, ora poetisa, ora psicóloga; ora irônica, ora sentimental, mas sempre capaz de conquistar quem lê o que deixou de ‘presente’ para o mundo, podem servir de reflexão.

Vou dizer uma coisa: se quiser conhecer bem uma pessoa, tem que brigar com ela. Só então pode avaliá-la“, 28 de setembro de 1942.

Às vezes, tenho a impressão de não poder suportar mais: ouvir todas estas coisas horríveis, ter as minhas dificuldades e ainda por cima ser o bode-expiatório para tantas coisas que acontecem!“, 20 de novembro de 1942.

O papai anda furioso, mas não sei por quê. Quem me dera estar longe daqui, quem me dera poder fugir! Aquela gente acaba conosco!“, 29 de setembro de 1943.

Sinto-me como um pássaro a quem cortaram as asas e bate contra as grades da gaiola estreita. Em mim soa como que um grito: “para fora!“”, 29 de outubro de 1943.

Estou contemplando esta Anne com serenidade e calma e folheio o livro da minha vida como se fosse pessoa estranha.”, 12 de janeiro de 1944.

O mundo não parará por causa de mim, e eu, pela minha parte, não posso também fazer parar os acontecimentos.“, 3 de fevereiro de 1944.

A minha vida agora é mais bela porque tem de novo um sentido e todos os dias me espera uma alegria“, 18 de fevereiro de 1944.

A última, frase-símbolo do amor que passou a ter por Peter, o holandês. Fica marcado um momento seu de ternura, de adolescente vivendo o amor, mas as ‘forças’ estranhas da Guerra ceifaram toda a sua alegria, o sorriso, a mente lúcida, sua ironia, sua crítica.

Quantas Annes estão sendo ceifadas em todo o mundo tirano nestes últimos anos?

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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