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Colocação de pronome oblíquo átono em tempo composto… e mais um pouco

Quase sempre, há dificuldade na colocação de pronomes oblíquos átonos em tempos compostos.

E em locuções verbais.

O assunto pode não interessar tanto, mas seria oportuna a observação de que alguns escreventes, escritores ou redatores não seguem o que determina a Gramática Normativa.

O chamativo para uma análise discutível ou polêmica seria compararmos a frase popular com a culta, analisando-a em diversos aspectos: o pronome intercalado a verbos, o pronome depois do verbo auxiliar e o pronome antes do verbo principal.

Vamos devagar!

Uma pessoa perguntaria: “Manuel, você tem visto Pedro?”

“Não. Eu não tenho visto.”

Mas tem visto quem?

Pedro. Onde está o pronome referente a Pedro? Não foi usado pronome oblíquo átono na resposta, ficando apenas subtendido gramatical e semanticamente: ‘Eu não o tenho visto’.

A linguagem popular não usa essa forma, própria da culta.

E a linguagem culta só a usa em um ou outro momento, talvez, numa escrita (crônica, conto) destinada a leitores de alto padrão linguístico.

Como seria a resposta da linguagem popular?

‘Eu não tenho visto ele em lugar nenhum’. E ‘ele’ é pronome oblíquo átono? Claro que não, mas faz esse papel, quase perfeito, no dia a dia: Eu não vi ele. Nós não encontramos ele. Você encontrou ele por aí?.

E assim se vai a linguagem diária por caminhos sinuosos, que ornam o que se fala, em especial, e muito o que se escreve. Mal algum fazem essas diabruras regionais, já que a colocação pronominal rigorosa é enjoativa e enfadonha, por isso, não seguida à risca a ordem gramatical.

Aceita a colocação popular como forma de linguagem, embora não cumpra a norma gramatical, não há muito o que se condenar quanto ao uso de pronomes oblíquos átonos na frase.

Voltemos, então, e ampliemos o debate, oferecendo algumas colocações, umas corretas e outras nem tanto, para o momento de agora.

Eu não tenho visto-o.

Incorreta, uma vez que não é aceita a colocação pronominal enclítica ao particípio, segundo a exigência gramatical. Essa versão tem aparecido Brasil afora em muitos artigos populares.

Mesmo não sendo tempo composto, o uso em ênclise quando seria próclise se tornou banal em artigos diversos: O criminoso, que evadiu-se do local, ainda não foi encontrado.

‘Que’, pronome relativo, é atrativo, razão por que exige a próclise: O criminoso, que se evadiu do local, ainda não foi encontrado. Por outro lado, a frase correta não é vista com ‘bons olhos’ por alguns. Basta o popular, que é rasgado, e pronto. Ou seria que o autor não tem conhecimento da exigência gramatical? Se a tem, não a segue.

Eu não tenho o visto.

Incorreta, mas também usada. A questão é que o pronome oblíquo está na ‘banguela’: solto entre duas formas verbais. Ficaria enclítico ao verbo auxiliar (Eu não tenho-o visto), mas não é a forma ideal por haver ‘não’, que o torna proclítico: Eu não o tenho visto.

Gramaticalmente, ‘Eu não tenho o visto’ seria ter um visto de viagem, mas não se trata disso.

Então, Eu não tenho-o visto. Enclítico. Nem feia nem bonita, transparecendo dubiedade tanto em linguagem falada ou escrita. Esta é igualzinha à anterior em se tratando de pronúncia.

Vejamos a forma ideal, talvez, não muito usada: Eu não o tenho visto.

Temos, agora, a próclise, correta e ideal, em tempo composto.

‘Não’, advérbio de negação, é atrativo, tanto na linguagem popular como na culta.

Citemos exemplo em tempo simples: Não o vi ultimamente. O popular ‘Não vi ele…’, que predomina no dia a dia.

E agora uma discussão! E se for feita a ‘próclise’ da próclise? Ela existe? Como seria? É usual, aceita e fica bem na frase?

Não é usual, mas existe, e só fica bem em algumas frases da linguagem escrita em texto clássico, erudito ou semierudito. Em texto comum, destinado ao leitor popular, seu uso implicaria deboche ou atitude pejorativa em relação ao nível cultural do outro.

Eu o não tenho visto.

Analise com atenção o pronome ‘o’ antes do advérbio não, e o comum seria depois.

Como se chama essa colocação? E ela tem nome, professor?

O nome é de doer, mas existe: esta é a chamada apossínclise, à qual lhe dei o nome de ‘próclise’ da próclise.

E o que é ou significa?

Palavra formada pelos termos ‘apo+sínclise’, é definida como intercalação de uma ou mais palavras entre o pronome complementar átono e o verbo.

Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, edição exclusiva Melhoramentos e Reader’s Digest. Michaelis 2000.

Ex.: O que lhe não dissemos… em vez de O que não lhe dissemos…

Releia o exemplo citado antes: Eu o não tenho visto… em vez de Eu não o tenho visto.

‘Apo’, prefixo de origem grega, exprime a ideia de distância, afastamento, separação etc. ‘Sínclise’, também vocábulo grego, vem a ser a conhecida colocação dos pronomes oblíquos átonos: próclise, mesóclise e ênclise. Essa ordem não seria didática, pelo fato de, comumente, a Gramática começar pela ênclise. É o que se tem visto.

Lendo, como estou, O Diário de Anne Frank, obra fantástica, encontrei nela a frase “(…) Depois, por não haver nem Sol e por se não poder olhar um pouco pela janela etc. etc.” (Quinta-feira, 27 de abril de 1944). Não importa se a colocação fez parte do original ou se foi do tradutor, mas se considera que a frase contém apossínclise visto o trecho ‘por se não poder olhar’… em vez de ‘por não se poder olhar’, esta a próclise tradicional.

Em dado momento, outra frase com apossínclise: “Talvez, ele me não ache nada de especial e olhe para os outros do mesmo modo simpático” (in Sábado, 19 de fevereiro de 1944).

Trechos colhidos em O Diário de Anne Frank publicado pela Editora Geek, SP.

Não seria comum encontrarmos a apossínclise na maioria das gramáticas.

Uma em mão não fala sobre o assunto. A segunda, também não.

Mas na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, pela Companhia Editora Nacional, edição de 1977, do renomado gramático Domingos Paschoal Cegalla, que explica muito bem a colocação pronominal, encontramos: “Vindo o infinito impessoal regido da preposição para, quase sempre é indiferente a colocação do pronome oblíquo antes ou depois do verbo, mesmo com a presença do advérbio não” (p. 347): “Calei para não contrariá-lo”, que, em segunda redação, aparece “Calei para não o contrariar”.

E acrescenta: “OBS. – Escritores clássicos costumavam intercalar o advérbio não entre o verbo e o pronome proclítico”: “Calei para o não contrariar.” “Há coisas que se não descrevem.” (G. C.) “Já me não lembravam os três primeiros nomes. (M. A.)  Tal colocação é obsoleta” (sic).

Notemos que ele não usa o termo apossínclise; apenas, comenta esse tipo de colocação, e diz que seu uso é obsoleto.

Obsoleto naquela época, e hoje?

Mas se trata de uso clássico, numa linguagem erudita, bastante interessante, que evitaria qualquer dúvida quanto ao sujeito e ao objeto direto ou indireto da frase. Pelo menos, vejo assim.

A frase fica elegante, chamativa, e se encaixa em texto de maior conteúdo cuja linguagem seria mais rigorosa.

Reveja as frases: Eu não tenho feito-o (colocação indevida). Eu não tenho o feito (também estranha, com o pronome na banguela). Eu não o tenho feito (próclise). Eu o não tenho feito (apossínclise).

Se o comentário lhe foi útil, passe-o adiante.

Fiquemos para o próximo artigo.

 

João Carlos de Oliveira

2 Comments

  1. uauuuu…
    João Carlos sempre enfático …
    Professor eficaz…parabéns pelo artigo.
    Prometo que vou ler outros.
    Abraços

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