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“Essa foi a única aula que ela participou”, diz o texto. ‘Que participou’ ou ‘de que participou’?

Qual a diferença entre um caso e outro?

O verbo participar, do Latim participare, tem amplo uso popular. Cotidianamente, ouvimos com abundância frases similares a Você vai participar da festa? Você vai participar da formatura? Você participou da reunião?

Nesse contexto e/ou nessa acepção, qual é a sua regência?

Participar, nesse aspecto, expressa, sob o olhar da semântica, o sentido de ‘tomar parte em’, cuja regência é transitiva indireta.

Esse é apenas um dentre os seus vários significados. Talvez, alguns não notem que participar, cuja versatilidade não se pode desprezar, pode ser usado, e é muito usado, com o significado de informar, comunicar, avisar, anunciar: Participamos que vai haver uma reunião amanhã nesta empresa, e todos estão convidados. Ou, se quiser, desta forma: Participamos a reunião que vai haver amanhã, e todos estão convidados.

Nessa acepção, trata-se de verbo transitivo direto. Não há uso de preposição. Essa seria a regência deixada transparecer na frase do título, deixando certa dúvida semântica, o que pode prejudicar a interpretação.

Seu uso mais comum, tanto na linguagem popular como na culta, falada ou escrita, se dá como verbo transitivo indireto e verbo transitivo direto-indireto: Todos participaram do debate. O diretor participa a todos que vai haver uma nova rodada de demissões. (Respectivamente.)

Fica claro, pois, que na frase-título ocorreu a falta da preposição de. Não se sabe se o autor teve a intenção de torná-la elíptica ou se a esqueceu por completo. Ou melhor: se desconhece seu uso.

Essa frase, na linguagem culta, já que proveio de um repórter, teria uma das seguintes redações: 1. Essa foi a única aula de que ela participou (não participou de qualquer outra). 2. Essa foi a única aula da qual ela participou (não sabia que houve ou haveria outras aulas).

Por que a preposição de não foi usada? Por que a linguagem estritamente culta é chata e enfadonha? Por que não fez falta ao contexto? Ou tanto faz como fez desde que a mensagem tenha sido entendida?

Todas as hipóteses são possíveis e cabíveis, mas o ruim, pelo menos para este escriba, é que a redação acima permite mais de uma análise: a. ‘Participou’ significa que ela, como uma secretária, deu apenas esse aviso, apenas um aviso; nem mais nem menos, e foi-se. Seria uma funcionária relapsa. b. ‘Participou’ seria, admitida a elipse, que ‘assistiu a’ apenas uma aula, que tomou parte de apenas uma aula.

Seria muito pensar assim?

Participar, usado como transitivo direto, como está, corrobora a semântica de avisou, comunicou, transmitiu um recado, e se mandou.

E isso não está correto? Está em outro contexto; na frase, a redação se torna ambígua. Não seria melhor entender, como a priori se entende, que ela participou, apenas, de um evento, de apenas uma aula, e deu o fora? Que não tinha o dever de vir a outras aulas? Que isso não era preciso?

Seria isso.

O grande motivo dessa anfibologia (que nome estrambótico!, mas está na Gramática), é que temos a vetusta e tradicional preguiça de não usar certas preposições exigidas em regências verbais, permitindo, portanto, que as frases fiquem truncadas: Esta é a loja que eu trabalho. A comida que ela mais gosta é macarrão. O apê que você mora é este?

Entendemos, claramente, o que o contexto quer dizer, mas falta um elemento básico: as preposições. Houve elipse? Ou faltou o devido domínio linguístico?

No dia a dia, essa omissão ou esse esquecimento passa(m), mas no texto de jornal, na fala de um âncora, essa ausência pode deixar dúvidas.

Assim, seria melhor o estrito cumprimento gramatical: Essa foi a única aula de que ela participou. Como nestas: Esta é a loja em que eu trabalho (na qual). A comida de que ela mais gosta é macarrão (da qual). O apê em que você mora é este? (no qual).

Como você usa o verbo participar, que, aparentemente, não iria oferecer dúvidas?

Pausa: 1. “46% é contra (…)”. Não. “46% são contra (…)”. Jornais ou redatores se esquecem desse plural obrigatório. 2. “O banco pegou fogo.” Aceita-se, mesmo que tenha havido combustão espontânea. Melhor seria dizer que foi ‘incendiado’, ou que tenha havido ‘curto-circuito’. 3. Falando-se de uma celeuma havida entre um professor e um aluno numa escola pública (CE), o redator usa “estudantes o perguntaram”. Ideal seria dizer ‘estudantes lhe perguntaram sobre…’, ou ‘estudantes o questionaram sobre…’ 4. A reportagem sobre a guerra civil na Síria fala em mortes, que ‘6,l milhões de pessoas’; adiante, usa ‘1,5 milhões’. Ops. Já que foi usado l,5… seria 1,5 milhão (no singular), e não no plural. 5. Conversando com um amigo sobre linguagem, admitida que nossa pronúncia é ‘açucarada’, ouvimos da mesma forma ‘Ossada humana’ como ouvimos ‘A dívida foi orçada em…’. Ossada e orçada! 6. Haviam muitas pessoas no recinto. Nesse contexto, haver é impessoal, portanto: Havia muitas pessoas no recinto. Como verbo auxiliar é que flexiona: Muitas pessoas haviam chegado ao recinto. Ou na tradicional fala de um Português camoniano: Houveram por bem chegar mais cedo ao recinto.

 

Ad sum. I’m here.

João Carlos de Oliveira

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