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Alguém acaba de levar uma sova legal. Isso pode? Apanhar da Lei?

Legal, nesse contexto, não é bom ou excelente, do Português pop. Legal é tudo aquilo que expressa a ressonância da lei, por isso, sova legal nos coloca ante uma metáfora porreta. A personagem dos fatos é que é, estritamente, fictícia.

Isso é salutar. Descumpriu princípios jurídicos e deu com os burros n’água.

Um de meus poemas, maluco, tergiversa:

Hercúleo

Meu ímpeto sinuoso e paquidérmico

no espetáculo de ultrapassar obstáculos e vencer na vida

não é perceptível aos olhares pífios

de meus ilustres inimigos.

Nada aos opositores, tudo aos cúmplices de ideais utópicos.

Ainda assim, sou-lhes grato

por não perceberem que andamos na mesma carruagem.

De um lado, os malfeitores; do outro, o benfeitor anônimo.

O voto deve ser livre.

(Do livro Ansiedade, a ser publicado)

Brincou. Negligenciou. Repudiou e repudia. Agora, expia nas masmorras ocultas sua culpa milenar. Isso é de quem negaceia ou negaceou.

Caro leitor, não confunda negacear com negociar. Não há erro de grafia. Usa uma isca falsa e simula, simula, até atrair o peixe. Simula que não vê a presa, e a tenta distrair, até encontrar o momento certo de abatê-la. Na vida, na política, personagem há que negaceia, negaceia, a si mesma, até morrer na praia, ou morrer fingindo que nada fez, que nunca fez nada.

O fulano sofre de nefrite. Os rins contêm sânie, isto é, matéria fétida. Está doente, estão doentes. Uma dor aqui, outra ali, e tudo corrói, dói e faz sofrer.

Nossas leis são uma miscelânea de confrontos, algumas chegam a contradizer-se, outras sobrevivem porque os preclaros Julgadores (com letra maiúscula) são sensíveis ao apelo coletivo, e buscam uma raiz para o não ao crime, inclusive o hediondo, ao feminicídio doentio de origem cultural, ao peculato, à concussão. Todos os delitos são um punhado de farinha que embolora na mesma mochila.

Alguns incisos deixam brechas, quase do tamanho de uma cratera que persiste, há milênios, em Marte. Nenhum cientista conseguiu provar para que essas escapulidas da Natureza servem. Isso é verdade?

A Justiça não é lenta por culpa do corpo de magistrados, mas pela ‘mea culpa’ do emaranhado de exegeses, da maratona que o intérprete tem que fazer a fim de alcançar o cume do Vade Mecum. Um sacrifício hercúleo para percorrer o caminho em tempo hábil. Ao contrário, o ato irregular prescreve.

No meu outrora-tempo, achava supimpa tomar um copo de baré. Aliás, baré-cola. Baré não é, tão-somente, a bebida. É também, no hipocorístico, o manauense. Também, uma tribo arredia. Bonito nome!

O mundo tem sinfonia de cores, de sons, de luzes, de ideias. Uma lei pode ter uma sinfonia de artigos, de parágrafos, de incisos, de alterações. Assim, sua vida anda, até se encontrar com a senhora Jurisprudência. Quem serve melhor ao Juízo final? O Julgador, a Lei, a Jurisprudência ou o povo que brada?

Este artigo quer extravasar: levar uma sova da lei é tão poético quanto admitir que o mugido de um animal faminto, vindo do deserto, seja ouvido nas salas suntuosas, onde se dão jantares nababescos, ornadas pelas razões de senhores feudais .

Mas o mundo está mudando. Que a lei aprenda a dar a quem merece a chinelada certa, a sovar quem praticou ato delituoso, este sim, o verdadeiro meliante, que quer jogar a culpa no vizinho, que se torna, às vezes, o bode-expiatório! Delação premiada é coisa exótica!

Na Inquisição, ia parar na masmorra purulenta o portador de doença contagiosa, a possível hanseníase, mas hoje devem ser excluídos do convívio social aqueles que praticam pedofilia. Aliás, um dicionário de 1970 define pedófilo como “amigo das crianças, que gosta de crianças” (Dicionário Enciclopédico Ilustrado Formar, vol. 5, p. 3.019). Não se espante: isso está lá. Mas foi outrora.

Por quê? Porque as raízes ou étimos, semanticamente, dizem: ‘pedo’, criança, e ‘filo’, amigo. Respectivamente. Mas as palavras mudam de conceito, de finalidade, até de lugar. A Semântica nos diz que elas podem mudar sua significação, como a vida que muda.

Acredita-se que o caminho da Lei é benéfico para o meio social; sem um ditame, sem uma norma, sem regras, o caos superaria a tudo e deixaria o povaréu atônito. Aí, tudo desabaria. Tanto faz: povaréu, poviléu ou povoléu.

Por isso, esta análise na tentativa de subentender a rica e sonora metáfora ‘levar uma sova legal’, por descumprimento jurídico, é oportuna. Nossas deferências ao Julgador (congruente jurisconsulto) que aplica corretamente a hermenêutica. Viva o povo que aplaude justo o rei que merece aplausos.

Pausa: 1. EPI: Equipamento de Proteção Individual. Plural da abreviatura: EPIs. Não EPI’S nem EPI’s nem EPIS. A mesma coisa: AVC. O cidadão sobrevive, mesmo tendo sofrido vários AVCs. 2. Eles maquiam a moça, o mesmo que ‘maquilam’. Qual é a forma de sua preferência? Maquiagem. Maquilagem. 3. Isso acontece ‘de não muito tempo’, isto é, de pouco tempo. 4. Usamos energia eólica pelo fato poético de ter havido um deus dos ventos na mitologia greco-romana: Éolo, precavido, emprestou-nos seu nome para os tempos modernos. Colaboração de cunho antropológico, visto o Homo Sapiens sob todos os ângulos. 5. O redator ‘inocente’ registra em seu texto, aliás, muito bom, exceto este lapso: Fizemos-o, comunicamos-nos. Essa colocação pronominal está correta, professor? Note as opções. Em próclise: Nós o fizemos, nós nos comunicamos. Em ênclise: Fizemo-lo, comunicamo-nos. A supressão do S final no verbo, nesse caso, é obrigatória. 6. Como nos confundimos com a pronúncia açucarada: Que eles surjam alegres, venham de onde vierem! De tempo em tempo, eles sujam o ambiente onde pisam. A linhagem indica o nível hígido do cidadão, além do cultural, do social etc. Drummond, o nobre itabirano, também mineiro e poeta, disse em uma de suas ilustres crônicas que, pelo tipo do lixo que deixa nos caixotes, nos corredores do prédio onde reside, é possível conhecer o nível cultural de um cidadão. Essas as entrelinhas de seu texto. 7. Quer conhecer um animal híbrido? O mu, ou o mulo. Aquele burrinho forte, próximo do bardoto, que trabalha sem cessar nas fazendas. Mu ou burro, burrico. Por isso, o feminino, a mula, chamada até de besta, que não é: sabe refugar. 8. Escreva: semiaquático (não separado), subaquático, infraestrutura, subespécie, subdelegado etc. 9. O verbo visar, no sentido de ter como finalidade, exige a preposição a: Este projeto visa a proteger as tartarugas da extinção. 10. Palavras novas no meu cabedal: emolir é o mesmo que amolecer, daí emoliente; lenir o mesmo que abrandar, daí palavras lenitivas. E revigorar pode ter as variantes avigorar, avigorentar e vigorar. Que bom!

Gostou do texto anterior? Um pouco extenso. Vou diminuir o tamanho dessas coisas enfadonhas. Meu intuito é ajudar a divulgar as nuanças da Língua Pátria, deixando livre o cidadão que não aprendeu a escrever. Sua linguagem, puramente ágrafa, só merece elogios.

Volte aqui. Abraços.

 

 

João Carlos de Oliveira

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