Um pensa que seria ‘criolo’, mas o outro, que critica o anterior, admite que é ‘crioulo’. E agora, meu caro?
Talvez, o crítico não saiba que o ‘errado’ está ‘certo’, e vice-versa. Vamos lá: o idioma, além de múltiplo e diversificado, é valente e tem espaço para todos.
Ambos estão certos. Crioulo, do Espanhol criollo, com vários significados, gera o popular criolo, cujo fundamento gráfico estaria embasado na pronúncia.
Termo importado, crioulo, dizem os compêndios, é o negro nascido na Colônia, e mais: 1. Pessoa de ascendência europeia nascida nas antigas colônias (também europeias). 2. Diz-se de uma galinha comum. 3. Por resistência a pragas e intempéries, tipo de cana de açúcar. 4. Raça de bovinos e outras espécies das Américas, provenientes de animais importados pelos portugueses e espanhóis, isso há anos, que ainda sobrevivem na Caatinga e no Cerrado. 5. Cigarro feito de palha e fumo de rolo. 6. Por extensão, o negro. 7. Carneiro crioulo, raça brasileira de carneiros (no popular, o pé-duro). 8. Cavalo crioulo (rústico, mas dócil e resistente), raça brasileira de cavalos para montaria e serviços gerais. 9. Dialeto português falado em Cabo Verde e outras possessões portuguesas da África.
Poderiam, ainda, ser juntados outros conceitos semânticos, que aguçariam nossa curiosidade.
O lado adverso é que a grafia criolo nem sempre é aceita, mas circula pelo Brasil afora. A significação é ampla.
Compulsei o dicionário escolar Larousse, que registra apenas ‘crioulo’.
Meu avô materno montava um cavalo crioulo queimado de picadinho formidável, em que ficava tranquilo e viajava de Cachoeira Grande a Itapeipu (onde fui batizado) e muitas vezes a Jacobina, Serrolândia, Várzea do Poço, Caém, Gonçalo, e lugarejos de toda a região. Crioulo por ser originário da própria fazenda, resultado da monta de égua também crioula com cavalo meio-sangue, ou vice-versa.
Ambos tinham resistência ‘crioula’, própria do Sertão deste Brasil miscigenado. Quanta maravilha!
E agora, quais as variantes gráficas curiosas, professor? Ora, meu jovem, não se apoquente, porque vai ser mostrado o fogo seguido do estouro da bomba. Elas persistem e são interessantes, além de enriquecedoras.
Quer uma lista? Não são todas, mas servem para se tomar um café matinal de cultura e linguagem interiorana, adocicada com o melaço (ou melado) de seus saberes, qualquer que seja o seu nível cultural. Atente-se para o que diz o homem do campo ao se expor sem criticá-lo ou ofendê-lo.
Acari e cari, peixe também chamado cascudo (nomes conhecidos em todo o Brasil). Guacari, cuiú.
Alísio e elísio, vento leve, suave; brisa. Os ventos elísios trazem bom presságio e amenizam o ardor. “Amor é fogo que arde sem se ver”, como quis o grandioso Camões.
Autopse e autópsia (a não-acentuada é menos usada e requer um pouco de cuidado na sua pronúncia: au-top-se).
Biopse e biópsia (palavras técnicas, a segunda é a mais usada em documentos e similares).
Chola e cholo (nomes populares do cachorro de rua, que seja vira-lata, rasga-sacola ou tomba-lata). “Chola, venha cá!”, e ele abana o rabo consciente de que não pode focinhar o malfeito. Cholinho.
Choina e chona, panela velha. Homem que dorme. Lábia.
Coité e cuité, fruto da cuieira. Cuia.
Cota e quota, assim como cotista e quotista. Compare: cotidiano e quotidiano.
Emanar ou manar, isto é, surgir de um lugar ou base. Tanto o ser como a ideia. “Sua dor emana de seus dissabores.”
Entretenimento e entretimento (parece que o segundo seria mais da linguagem falada, e o outro, da escrita, em textos de ilustres redatores de jornais de grande circulação). O popular diz ‘intertimento’.
Epa e opa, interjeições já radicalizadas em todos os falares. Se você usa epa!, o colega, opa! Hoje, há quem prefira a inovadora ‘ops!”, cuja origem não teria muito embasamento, a não ser no caráter onomatopaico. Qual é a sua versão?
Epiléptico e epilético. Tanto o jerimu como o jerimum. Ambos são aceitos.
Escuma e espuma, cujos verbos são escumar e espumar. Não se assuste: o dicionário registra a ambos sem fazer restrições.
Espadongado e espandongado, desengonçado, malalinhado. Compare espadaúdo com espaduado. Um com espáduas largas, e o outro as tem atrofiadas, aquelas fora do padrão aceito pela Anatomia pré-concebida.
Guaiamu, guaiamum, goiamum. Ninguém rejeita o crustáceo, muito menos qualquer termo. O praiano sabe disso e fica à vontade.
Insosso, do popular, e insulso, da linguagem erudita. Ambos indicam o sem-sal. “Você é insosso”, disse ela.
Intento e intuito. Sem frase ou comentário.
Ledor e leitor. O primeiro parece feio, mas é correto, embora não seja tão usado na linguagem culta.
Loiro e louro. Ambos circulam, cujo destaque é dado a esse ou àquele ser. O papagaio é (o) louro, os cabelos são loiros, a mulher linda é loira, e loura é a menina ruiva charmosa entre as amorenadas. Daí, aloirado e alourado. Seu Louro já chegou? Qual o de sua preferência?
Motoneta e motocicleta. Ouça o falar regional e vai entender. Não diga isso ou aquilo.
Nanar e ninar. Vale o cuidar bem do rebento, que requer cuidados dóceis. Pais que surram bebês de poucos meses, parece, perderam a noção do direito e do dever, das coisas que nos rodeiam, que estão no convívio da família.
Omeleta e omelete. Ambas as grafias são derivadas da forma francesa omelette. Tente pedir a sua numa cafeteria chique falando em bom som: “Sirva-me uma omeleta bem quentinha!”, meu caro garçom. Poderá ver reação estranha ou ter que dar explicação de que se trata.
Radicar e radicalizar, com ligeira diferença semântica, ambos os termos se encaixam no dia a dia da linguagem culta ou popular. Enraizar, fixar-se, ser intransigente. Use à vontade.
Sílvio e silvo, o apito do guarda ou da sirene.
Sirena e sirene. Basta que uma ou outra cumpra sua função de advertir ou avisar sem o abuso sonoro dos altos decibéis. Abra-se passagem sem exageros ou fobias. Em frente ao próprio hospital, a sirena da ambulância não deve ser acionada.
Tapa, masculino, e tapa, feminino. Na casa de taipa, em pleno sertão baiano, o menino chora, e o pai pergunta ao maior: “O que foi, meu filho?” E ele responde: “Eu di uma tapa nele”, sic. “Por quê? Por você deu um tapa nele?” “Porque ele me inticou”.
Tatarana e taturana, lagarta venenosa. Não a pegue, nem ao menos tocá-la de leve. Seu veneno pode ser letal.
Toicinho e toucinho, termos que circulam à vontade regionalmente. O gosto pelo nome seria similar ao gosto pela pururuca ou o torresmo, com farinha ou biju, ou no tutu à mineira. Vai um beiju de tapioca?
Xibio e xibiu, vulva (chulo), diamante para cortar vidro, jogo de cartas, doce caseiro, bala-doce.
Outros exemplos ficam por conta do visitante, que também conhece o regionalismo.
‘Limo não dá em água salgada‘.