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O que é um dicionário? Para que serve? Qual sua importância?

Seria fácil dizer que o dicionário é um conjunto de palavras. Não um qualquer ou qualquer um, mas aquele organizado em rigorosa ordem alfabética, cujo fim seria manter a cultura linguística viva, guardando bens do passado e falares modernos. Como o idioma é múltiplo e dinâmico, o dicionário vai ganhando contornos outros que não sejam os de outrora.

Esta definição é pessoal. Define-se poesia, amor ou vida etc., e cada pensante tem seu prisma cósmico. Em definição técnica, sob o estrito olhar da Linguística, o que é um dicionário?

Sabemos de sua elevada importância para preservar a linguagem, mantendo-a atuante.

A definição formal, inserida nas linhas do próprio dicionário, está implícita em seu vertiginoso conteúdo. Linhas ou páginas? Se essa coisa ou outra, não importa. Do Latim tardio dictionarium, como consta do Larousse, é a “obra que relaciona, em ordem alfabética, as palavras de uma língua ou de um conjunto de palavras, com informações sobre seu significado ou sua tradução em outra língua” (sic).

Toda palavra deve ser apresentada ao consulente sob o prumo de três faces primordiais: grafia, significado e pronúncia. Esta última fica subtendida caso o vocábulo não esboce dificuldade fonológica.

“Casa”: está clara a grafia (S, entre vogais, com o valor fônico de Z); significado (moradia, lar, residência, ponto comercial etc.), cuja pronúncia, soletrando-a, deve ser ‘ka-za’, mesmo que nada tenha sido mostrado nesse aspecto. Mas se se trata de ‘xérox, máximo, subsídio’, e outras que possam oferecer dúvida, deve haver um item que conduza o neófito a compreendê-las. A prosódia, a ortoépia, a etimologia etc. Não use palavra sem antes conhecê-la.

Ácaro, avaro; Itamaraju, caju; viagem, viajem; corticoide, anzóis, tabloide; peso, obeso; suéter, ureter; ônix, fênix; contenção, suspensão etc.

O mundo linguístico começa a se expandir.

Existem diversos tipos de dicionário. O escolar é bastante simples, com menos vocábulos, aqueles voltados ao nível cultural da rapaziada. Dicionário monolíngue, organizado em apenas um idioma, como os mais comuns usados no Brasil, de Português ou de Inglês. Dicionário bilíngue, em dois idiomas; o trilíngue, em três. E o multilíngue? Este envolve 4, 5, 6 idiomas ou mais, mas são sucintos em se tratando de como se usa cada palavra. O melhor dicionário seria o etimológico, por apresentar os aspectos diversos dos termos que incorpora em seu lastro: origem, significado, fonologia, sinônimo, antônimo, frases e pormenores interessantes?

Há dicionários técnicos, que envolvem certa área de conhecimento, como a Medicina, a Literatura, a História, a Antropologia.

Certamente, jornalistas, escritores, tradutores e profissionais voltados às letras usam o dicionário para dirimir dúvidas e escolher o vocábulo certo cujo embaraço possa queimar mais neurônios que o normal.

O itabirano famoso, Drummond, escreveu em bom momento que “Lutar com as palavras é a luta mais vã“. Poderiam deixar-nos perplexos ou nos tirar a sensatez.

Vamo-nos divertindo com certos causos.

Um cidadão do lugarejo, o sabichão, gostava de falar palavras difíceis para o amigo. Toda palavra estrambótica que passasse a conhecer, falava para o pobre coitado, que não tinha dicionário.

O sem-palavra, de tanto ouvir tais ‘tormentos’, que o aterrorizavam, resolveu comprar um dicionário. Sabe lá que tamanho, que tipo, se continha todas as palavras. Mas passou a ter um, e, confiante, correu para o vizinho para inverter a situação.

“O cumpadi não vai mais me pegá, vai vê que já sou outro; não vai mais me chamá de tolo”, diziam seus simplórios pensamentos.

Outro dia: “Cumpadi, vasmicê sabi o qui é ‘senilidade’?”, perguntou o ‘professô’.

O pobre coitado não respondeu porque, claro, não sabia, mas não se importou com o deboche, pois já tinha sua fonte de consulta.

Na semana seguinte, voltou lá. “É, cumpadi, num achêi sua palavra – a tal sinilidadi. Percurei, percurei, passêi a noiti tôdinha percurando ela, e num achei… Será que o meu não tem? Estou ainda na letra (…), e nada dela”.

O professor riu a se desmanchar, fazendo chacota. Por último, teve que dizer ao desavisado. “Cumpadi, se o sinhô tá na letra B, aí num vai achá mermo, pois nossa palavra cumeça com essi, e o sinhô nein chegou lá ainda”.

“Oh! cumpadi, e tem isso?” (Paremos por aqui; os outros ingredientes você já sabe.)

Dicionário não é uma coisinha à-toa. Quantas famílias têm dicionário? Quantas bancas de revista vendem dicionário? Como está a edição de dicionários novos? Qual sua vendagem?

É obra rara, cara, uma seara de palavras que nos leva(m) ao mar profundo com o risco de não sabermos navegar; se estamos na área pelágica ou na simples beira de praia, a bailar para lá, para cá, se não soubermos um pouco do idioma. O dicionário é a poesia de Dorival Caymmi. “Você Já Foi à Bahia?” “É Doce Morrer no Mar”.

Um deles deixa de registrar deísmo, deísta, e consta dè-jà-vu (Francês, já visto; o batido, o normal). Isso pode? Trata-se de modismo: mostrar aos cultos o que está vindo de fora para nos confundir, e não o que somos ou o que precisamos saber. Um dicionário não é para quem nada sabe, mas para quem já sabe algo que trilha um caminho avesso. A pejoração ‘pai-dos-burros’ não me agrada.

O dicionário tem todas as palavras?

Prefiro este àquele. O dicionário etimológico tem grande valia por nos dar a diretriz básica sobre o mundo de um vocábulo que bate à nossa cabeça; se nossa porta não se abre, ele invade nosso estômago e pode-nos causar piripiri.

O cuidado com a escrita é o dever de manter a língua viva.

“Eu ponhava muito sal na comida.” “Minha tia comprou uma antena paranoica.”

Se não é ‘ponhava’, mas punha; se é estuprar, arrecadar, reivindicar, extraviar, estrear etc., e a antena é parabólica, a paranoica nos deixa a ver navios.

Falta-nos o glossário do saber hi-tech; ao contrário, a cerca que nos cerca impede nossa passagem para o neônio.

O gengibre, não a gengibre; a omoplata, o aipim; a garota fitness, a alface (não o alface); a feira-livre, a vida ultramoderna, o sonho ultrarromântico, a era do plástico (a ONU adverte) pode destruir o Planeta; aditivo vem de adição, que vem de adir (somar) ou aditar; gasolina aditivada é a que recebeu um aditivo, por isso a grafia ADIT, e não ADT; mas se temos admitir, admirar, surge adivinhar. Não confunda os alhos com os bugalhos.

ESA é sigla nova, vinda do Inglês Emotional Support Animals, ou animais de suporte emocional (famosos há que viajam levando pets ou bichos considerados essenciais a não ficarem depressivos, conforme um técnico especializado (lhes) dá o atestado, e a empresa aérea tem dificuldade para dizer não).

O passageiro acorda ao lado de um orangotango. O susto pode matar. “Posso levar minha porquinha de estimação?”

Então, dicionário escolar, etimológico, histórico etc. Mas poucos estão consultando suas páginas; preferem a Net, que pode trazer surpresas. Erro de grafia, erro de significado. O bom dicionário nasce do pensar de um lexicógrafo, etimólogo, filólogo, dicionarista, não exatamente nessa ordem ou todos encravados em um só molde.

Dizem os documentos que Aurélio, autor, o mesmo que dicionário, nome muito usado – anagrama de suado, não era lexicógrafo, mas, dicionarista, produziu grandiosa obra, tanto é que ainda circula, com respeitável apresentação, embora nem todos os escritórios ou bibliotecas o tenham.

O léxico é dicionário especializado: léxico dos advogados.

Sem ele, informações preciosas não perduram.

 

 

João Carlos de Oliveira

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