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Metáforas desgastadas, as reutilizadas por mero capricho do usuário

A metáfora é a mãe das figuras, como nos ensinam as obras didáticas da Flor do Lácio (epíteto de autoria do parnasiano Olavo Bilac). Maria é uma rosa. A cantora é um rouxinol.

O usuário do idioma deve ter em vista, em primeiro plano, evitar que a linguagem caia no lugar-comum, empobrecendo o texto.

Criar uma frase nova, esplendorosa, que embeleze o conteúdo de forma sublime, é interessante, e passa a ser parte da poesia. A metáfora engrandece o texto, e nada melhor que isso para reforçar o eu-íntimo do poeta.

Mas copiar metáforas, repeti-las (até cansar nosso olhar) torna-se um ato desmerecedor, inválido. Oradores há, palestrantes há, e outros, que fazem uso da metáfora alheia. Por que não criar a sua?

Repetir metáforas alheias, por isso, desgastadas, é regar planta tenra com água fervente; mata-a, e enfeia a linguagem; fere-a, tacape de índio bravio.

Eita! Nasceu uma metáfora. Que glória!

O repeteco de “Isso é só uma ponta do iceberg” (‘aicebergue’?), quando o orador quer destacar-se ou dar conteúdo ao que fala, às vezes, ultrafantasioso, pode ser inoportuno. Esse modus vivendi da linguagem não é de bom alvitre.

Muitas as frases esplêndidas nascidas do cérebro pensante de seu criador: “O’ flor que sorriste ao passante…” (Ribeiro Couto). “Um peso enorme para carregar” (Mário Quintana). “Abri meus braços para alcançar-te” (Cecília Meireles). “Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto” (Olavo Bilac). “Minh’alma é trêmula da revoada dos Arcanjos./ Eu escancaro amplamente as janelas./ Tu vens montada no claro touro da aurora./ Os clarins de ouro dos teus cabelos cantam na luz!” (Mário Quintana, in Poesias, 1972).

Metáforas, que metáforas!, grandiosas, encantam-nos, virtudes da linguagem, pertencem aos seus criadores e não podem virar referência a quem as plagia para ‘enfeitar’ o jardim de palavras vazias.

Mesmo que tenham caído no domínio público, repeti-las sem o crédito à sua autoria não encaixa no contexto de um usuário autêntico. Melhor seu feijão com arroz que lançar mão da preciosidade alheia. O Português enxuto e original não deve pular a cerca do vizinho e alegar que o terreno é seu. Apropriação indébita, pirataria, plágio? O que seja, isso ofusca o brilho de quem inventou o espelho. Não se pode pintar o sobrado com a tinta do vizinho!

Até a passagem bíblica “Mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha” vem-se tornando PRD: Prosa Ruim Demorada, bordão usado em alguns cantões quando os presentes ojerizam um visitante persona non grata.

Fulano “perdeu o fio da meada”, que vovó usou, para indicar que o sabido caiu na barafunda, e a encruzilhada atravessou seu caminho, o pensamento se foi e não mais deu conta de como redescobrir o que dizia, buscando a saída vitoriosa, torna-se desgraciosa. Não exagere, professor!

Muito inoportuno o palestrante dizer que os presentes fazem parte do contexto ao qual se refere, esboçando sorriso capcioso: “A sociedade como um todo faz parte do que narro aqui”. Dá para se acreditar no que diz? A frase seria mera linguagem de quem cria borrasca, e seria apenas uma brisa suave.

Melhor “A sociedade em que vivemos passa por dificuldades extremas; no dia a dia, no trabalho, no clube, na feira-livre, vemos tudo com olhar preocupante”. Qual é a sua criação, caro leitor? Diga-a em voz solene e a registre em seu caderno para o seu próximo discurso.

Ofendem o outro, coitado!, bode-expiatório, mas quem faz e esconde o instrumento malfeitor é quem o é!, o que esconde a ferramenta assassina (linguagem desvirtuosa, navalha que tem dois gumes; fere de um lado, mata do outro, esquarteja sem o ferido sentir dor).

Usuário que não domina o próprio falar, enganador, falsário de si mesmo. Além da falsidade ideológica, faz uso da falsificação de documentos. Isso dói!

Mas o que é ‘metáfora desgastada’? Aquela frase batida, repetida, costumeira no dia a dia, mas de outrem, não do usuário que a cita em momento pomposo e quer evidenciar grandeza fosse ele o autor da pérola. Isso não vale.

Linguagem desse naipe deve ser evitada. Se o usuário cita o autor da frase e coloca tudo no seu devido lugar, entre aspas, dizendo quem é quem, melhor fica a frase porreta, mas omitindo a autoria, não.

Concluintes há do ensino fundamental e/ou médio que ostentam camisetas com frase notória, ou alterada (ao lado da logomarca da escola), sem dizer o autor. A escola que isso permite está evidenciando plágio ou desrespeito aos direitos autorais, agindo contra o reconhecimento a alguém que deixou um legado cultural.

“A Pátria somos todos nós”. E agora? Não a relegue a segundo plano. Cite o autor (o jurisconsulto baiano, advogado, político, escritor, Rui Barbosa).

Uma orientação nos guia a entender que metáfora desgastada é catacrese. Não só ela, por falta de palavra própria. Catacrese implica, claramente, o uso de expressão figurada por falta de nome apropriado: o dente de alho está podre; a perna da cadeira quebrou; o braço do sofá está roto; o pé da cama ruiu; o jovem embarcou no avião; o cão embarcou no trem.

(‘Embarcar’ seria apenas entrar no barco.)

Metáfora desgastada é, também, fazer uso de um ditado popular com ares de quem só ele o conhece: o palestrante conta a história de um jovem empreendedor, que persistiu, que manteve vivo seu objetivo e chegou ao topo do Himalaia. Isso é bom (meu bordão). Mas, para arrematar o pensamento e empolgar a plateia, fala como se fosse sua a expressão “Água mole, em pedra dura, bate tanto, até que fura”. Dizer que se trata de um dito popular, que tem sua lógica ou dizer que ‘a persistência leva o homem aos píncaros do sucesso’.

Pode surgir sua metáfora! O outro lado, apenas, pode ser puro desgaste linguístico!

Quando o amor platônico nos invade o coração, e o menino romântico quer conquistar a ‘mina’, sua colega de sala, diz com os olhos marejados “Você é o Sol de minha vida”. Linda metáfora, mas citá-la, se ela já existe, é querer que ‘o famoso deixe sua marca na calçada da fama’ como se sua fosse, o que torna a metáfora desgastante.

A poesia alheia diz “Teu corpo, mulher, é a brasa que queima minha pobre celulite”. Metáfora ruim? Melhor que a alheia.

Meu abraço metafórico!

Pausa: 1. Forquilha, ‘correia de sandália’. Essa me encantou. A primeira vez que ouvi isso. Forquilha é instrumento de estilingue, ou aquele usado em animal roceiro, impedindo-o de adentrar o recinto impróprio; o cambão. 2. ‘Detetizador‘, como alguns combatentes de insetos usam, mas não é; ‘dedetizador‘, o certo, é nascido do DDT, poderoso inseticida de outrora.

 

João Carlos de Oliveira

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