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Qual o plural de mau-caráter? Segue o mesmo princípio de pluralização de pronto-socorro?

Em “Eles são mau-caráter”, a segunda parte não caracteriza o plural. Está, gramaticalmente, incorreto, como em “Eles são boa pessoa”, para efeito comparativo.

O singular Ele é mau-caráter induz, obrigatoriamente, ao plural Eles são maus-caracteres. A pronúncia é que, talvez, não seja tão audível ou aceitável. Costumeira não é, certamente. Pode parecer linguagem exibicionista que esse plural seja proclamado, em alto e bom som, em ambiente simples. A escrita, em texto de nível culto ou erudito, não espanta, mas a entonação, como se deduz, deixa longínqua lacuna do linguajar descontraído, sob o prisma da informalidade.

Nem sempre, a escrita é ovacionada pela fala, fato que se nota no dia a dia.

Certo é que nossa fala ‘rasgada’ ou ‘informal’, livre de normas, tem caráter grandioso quando usada sem ostentação, escorreita mas prudente, com algum deslize mas cautelosa, atingindo o nível de grande maioria. O escrever espartano ‘pode não ser bom para todos os ouvidos’.

Não se fale tão cerimonioso como altissonante é o cume do Himalaia, a imitar o jurisconsulto Rui Barbosa no Parlamento, nem tão ínfimo como subterrâneo é o linguajar sem estrutura.

Nosso falar ou escrever ‘meão’ se encaixa em todos os eixos, excluído algum momento, digamos, do teor jurídico. Por outra via, cada um de nós temos uma faceta, melindrosa, que se fere com certo palavreado exótico.

O diamante é gema preciosa, mas, popular, pelo bom-senso, não desejaria superar o rubi, que vai bem em anéis do nosso cosmopolitismo nacional.

Optemos por dizer que as dúvidas é que nos maltratam.

Mau-caráter, substantivo composto formado por adjetivo e substantivo simples. O plural de mau, maus; o de caráter, caracteres, estas  paroxítonas com pronúncia suave, deslocada a sílaba tônica e acrescida uma consoante muda (‘c’), justificando o grupo de palavras da mesma família (cognatos): caracterizar, caracterização, caracterizado, característica, caracterial, característico, caracterologia, caractere etc. (não estritamente nessa ordem).

Os dois termos juntos, maus e caracteres, formam maus-caracteres.

E daí? Basta que aprendamos a usá-los, o que não vem acontecendo: raramente, a escrita no plural aparece e, muito menos, o plural em linguagem falada. É o que se nota ouvindo debates, lendo textos de vários níveis. Prefere-se o uso desse substantivo composto no singular (O sujeito é mau-caráter) ao uso no plural, deixando o risco de erro para outrem. “E se eu errar?”, eis a pergunta que provoca silêncio.

No caso do segundo substantivo composto do título, o que se vê, comumente, é que aparece sem o hífen, e, quando pluralizado, só o segundo elemento vem flexionado: os pronto socorros; às vezes, os pronto-socorros. Isso não é bom para a linguagem. Evidente que houve um deslize, e o correto (os prontos-socorros) pouco tem sido marcante nas calçadas da fama.

Havendo substantivo composto formado por adjetivo e substantivo, respectivamente, ambos os termos vão ao plural, sem qualquer dúvida: os prontos-socorros, como os conhecidos ‘os primeiros-ministros, os gentis-homens, as obras-primas’, e nomes dos dias da semana, formados por numerais e substantivos: as segundas-feiras, as terças-feiras etc.

A regra é a mesma para a pluralização de substantivo composto formado por substantivo simples e adjetivo: coletes-amarelos, caras-pálidas, amores-perfeitos.

Há pouco, em artigo sobre a ‘revolução parisiense’, que vem acontecendo em todos os sábados, desde o início deste ano, o redator optou por ‘os coletes amarelos‘, sem o hífen, grafia correta se fosse o caso da referência ao objeto (um colete amarelo), mas, em se tratando de qualificação de pessoas, passa a ser substantivo composto (o colete-amarelo), como a cabra-cega (brincadeira infantil), o barriga-verde (o catarinense, no aspecto popular).

O processo de formação de substantivos compostos é chamado composição, por justaposição (sem que nenhum elemento sofra alteração: obra-prima, peixe-espada) ou aglutinação (em que ocorre supressão de fonema(s): aguardente, fidalgo, mancheia).

Essa mesma alteração pode ocorrer com adjetivos: agridoce (agro-doce), boquiaberto (boca-aberta).

Há compostos de substantivo com substantivo: couve-flor, homem-bomba, bomba-relógio, efeito-relâmpago, efeito-estufa, meio-ambiente, palavra-chave, em que ambos os elementos vão ao plural: couves-flores, bombas-relógios. bananas-maçãs, navios-escolas, canetas-tinteiros; mas, se houver preferência do redator, apenas o primeiro elemento é flexionado, caracterizado que é pelo segundo: navios-escola, homens-bomba, canetas-tinteiro, flexão que soa bem e parece poética até.

A propósito, vale lembrar substantivos formados com o acréscimo de letras extras, as conhecidas vogais e consoantes de ligação, por questão de eufonia.

Vogais: brasiliense, gasômetro, inseticida, parisiense, pluviômetro, tecnocracia.

Consoantes: cafeteira, chaleira, escolaridade, fezinha, paulada, pezinho, pobretão, robozinho.

Para fechar e variar o menu de hoje, abramos um leque:

‘Que’, no meio da frase, pode estar acentuado com circunflexo? “O quê ele disse me assusta!”

Pela sã regra gramatical, não; sim, se estiver substantivado: “Ele disse o quê?”, ou sozinho: “Quê?”

A frase ‘Não se tem o quê celebrar’ contém, pois, erro de acentuação gráfica, o circunflexo indevido, assim como deixou de ser usado em “Atos praticados pelos coletes-amarelos, que vem ocorrendo em todos os sábados em Paris”.

Atos, os quais… vêm ocorrendo.

Ele vem, eles vêm.

A palavra ‘bíblia’, s. f., como termo gramatical, é coletivo de livros. Sua origem remonta ao Grego ‘biblia‘, plural de ‘biblion‘, como consta em dicionários. Estudiosos fazem longo estudo de sua etimologia, pela sua relevante importância.

Certo é que esse radical está presente em muitos vocábulos de nossa linguagem: biblioteca, biblioclepta, bibliátrica, bibliógrafo, biblioteconomia, bibliófilo etc. Biblioclasta, destruidor de livros por ódio ao que neles se contém, ou por mera aversão à cultura. Biblicista, o que se dedica ao estudo da Bíblia, em sua extrema profundidade.

Grafado com letra maiúscula, como se entende, passa a ser nome próprio, a Bíblia, o Livro Sagrado, ou as Sagradas Escrituras.

Vulgata (cognato de vulgatus, isto é, divulgado), tradução latina da Bíblia, feita por São Jerônimo (imaginemos seu esforço para concluir sua árdua tarefa, por conviver com o Grego, o Hebraico, chegando ao Latim), em que, segundo a História, corrigiu textos, e gerou a versão, hoje, aceita pela Igreja Católica.

Mais tarde, fora trasladada para outros idiomas. Os Livros Sagrados do Velho e Novo Testamento se publicam em Português, Francês, Inglês, Espanhol. Possivelmente, em Sânscrito, Hindu, Esperanto, Nipônico, Russo e línguas eslavas, até no Braille. Fala-se que está traduzida para cerca de 563 idiomas.

Vimos aqui para fazer uma proposta ou Vimos aqui para fazermos uma proposta?

Ambas, preferível a primeira, como se usa: Estamos aqui para trabalhar. Saímos para fazer compras. Desejamos ir embora.

Já houve quem usasse: Queremos sermos os primeiros da fila! Pensamos irmos agora cedo!

‘Desejo à você’ (com crase) não procede. O pronome de tratamento você não aceita artigo feminino. Seria possível o uso do artigo masculino (‘o’), na hipótese de derivação imprópria, em que o pronome se torna substantivo. ‘O você é um pronome versátil e popular’.

Fiquemos por aqui. Vamos passar por aqui. Vamos pôr nossos conceitos em dia.

Até mais ver, caro visitante.

João Carlos de Oliveira

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