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Super rico, super-rico ou superrico? Qual grafia condiz com a norma culta? Por quê?

A Reforma Ortográfica está em vigor, mas não aceita ou entendida por todos, ou o usuário desconhece regras? Erros é que continuam, e entre eles o uso do prefixo em virtude de muitas dúvidas.

São muitos os casos.

O comentário recai sobre o prefixo super, muito popular, e seu ‘primo’, em primeiro-grau, hiper; ambos têm causado embaraços. Ou o usuário considera que os derivados com esses prefixos dispensariam o uso de hífen?

Antes da Reforma, a regra determinava a escrita ‘anti-rugas’; agora, não; em razão de o vocábulo seguinte iniciar-se pela consoante R, e o prefixo terminar por uma vogal, a grafia cria o dígrafo rr: antirrugas, antirrábico, assim como são grafadas palavras prefixais cujo radical se inicia por S, em que o dígrafo ss passa a ter destaque: mini-saia, mini-série, anti-social, e outros, passaram a ser minissaia, minissérie, antissocial.

Se a regra opta por hiper-realista, e se um dos objetivos da Reforma Ortográfica seria diminuir o uso do hífen, uma vez que a pronúncia não fica prejudicada, por que não vale a grafia ‘hiperrealista’? Essa forma de grafar implica uma palavra mais bonita e corpórea.

Considera que não?

Nesse caso, se antes era anti-social, e agora, antissocial, super-rico deveria ser, hoje, superrico, como temos interromper, embora seja citada sua origem latina em interrompere.

Com base na Gramática Normativa, se o verbo romper recebe o prefixo inter, formando derivado prefixal (inter+romper=interromper, registrado no dicionário), assim, com base na Reforma Ortográfica, o adjetivo rico, ao receber o prefixo super, deveria ficar ‘superrico’, para que o sistema ortográfico tenha coerência. Uma nova forma de escrever, separando os dois elementos mórficos por hífen, como está determinado, a grafia ‘super-rico‘ gera inconsistência. Com tal discrepância, imposta por tecnocratas (da Academia Brasileira de Letras?), o idioma se torna um recheio de regras e conceitos, o que não favorece a aprendizagem, em especial de usuários afeitos à prática e não a teorias gramaticais diversas.

Esse mesmo verbo (interromper), na sua sequência de cognatos, traz a família interrompido (prefixo e adjetivo), interrupção e interrompimento (prefixo e substantivo), o que comprova que não importa o tipo de vocábulo que está sendo formado. E uma vez que a mesma Reforma exige um padrão, antirrábico, não deveria ser hiper-requintado, super-realista, mesmo que o prefixo seja diferente e o vocábulo a seguir termine por letra diversa, mas hiperrequintado, superrealista, por isso, superrico.

Não concorda? Ainda se observa que superrealista, além da semelhança de grafia, tem o mesmo significado de ‘surrealista’.

Se a Reforma Ortográfica insinua que o objetivo de ela mesma existir é diminuir o número volumoso de palavras hifenizadas e acentuadas, que atinge a mais de um por cento de nosso acervo linguístico, qual a razão dessa diferença? Para que serve a regra se ‘super-rico’ e ‘superrico’ têm a mesma pronúncia e mantêm o mesmo aspecto semântico? Para gerar mais dúvida ou erro?

Estabelecido o critério para a grafia ‘super-rico’, a própria Reforma se contradiz ao exigir grafias como intrarrenal, hiper-relaxante, hiper-requisitado etc. Por que não hiperrelaxante ou superracional? Se a grafia parece estranha ou inusitada (feia?), por outro lado, não há dificuldade de pronúncia.

Se houve inter-salarial, hiper-salário, inter-sexo, como há ‘supersônico’, e hoje se usa, como manda a Reforma, intersalarial, hipersalário, supersinal, intersexo, mantém-se a mesma inquietação: por que não superrrico?, como se tem infrassom.

Seria comum encontrarem-se as grafias super amigo, super familiar, no popular, descumprindo a regra. Antes, super-amigo, super-familiar; hoje, superamigo, superfamiliar, por isso, ‘superriqueza’, se o poeta quiser fazer uso de neologismo.

Se o hífen foi extinto, como o acento agudo, em pára-brisa (parabrisa), pára-quedas (paraquedas), pára-lamas (paralamas), por que as grafias ‘anti-inflamatório, micro-ondas’?

O cidadão culto, com diversos graus de formatura, afeito à leitura de obras clássicas, sim, teria mais condição de se adaptar a mudanças ortográficas; o que não se diz, talvez, de outrem com outros níveis culturais. Já que o idioma é amplo, múltiplo, pertencente ‘a todos’, não pode estar limitado, por essas regras, a alguns. Regras que muito dificultam e pouco facilitam?

Trata-se de um parecer, da mesma forma que o especialista fala de leis, que o douto analisa um conteúdo bíblico ou jurídico com fundamento na exegese.

A Reforma Ortográfica, para bem dizer, deveria ser espontânea; jamais, imposta; deveria seguir tendência natural, se o termo couber, e deixar tudo acontecer, a transcorrer de anos, até, secularmente, ter novo aspecto, da mesma forma que surgem, com o andar de novos caminhos, vocábulos da linguagem coloquial.

Tiraram o trema: liqüido é liquido, e arguido? Tiraram o acento agudo de atéia, que virou ateia, e a pronúncia? Cuidado! O aprendiz precisa de orientação escolar, na praticidade. E que não se confunda ‘ele ateia’, som fechado, de atear (eu ateio, tu ateias, ele ateia, nós ateamos, vós ateais, eles ateiam), com ela é ateia, e o final sufixal de assembleia, plateia, panaceia, Coreia, hebreia; e ainda: boia, claraboia, paranoia, jiboia, apoio (eu), heroico, paranoico, todos com som aberto, e daí, humanoide, trapezoide, celuloide etc. Se algum vocábulo perdeu o acento diacrítico, por que outro não dispensaria o hífen ‘enjoadinho’ e dificultoso?

Claro que vale o contexto, mas a criança vem tendo dificuldade de pronunciar e escrever tudo que seria ‘novo’. Só aprenderá quando estiver saturada de estudar o idioma?

Razão por que não se pode condenar o apedeuta usuário de ‘dificulidade’, e o jovem do segundo grau costumeiro em grafar ‘difícieis’.

Temos enorme gama de regras, e pouca leitura. Se o impostor não tivesse obrigado o uso do Português arcaico na nossa ‘descoberta’, teríamos um idioma nato, amplo e bonito, somente nosso, que seria orgulho nacional: o tupi-guarani, com suas ramificações, e uma Nação rica em muitos idiomas indígenas (mais de 600?), comparados que seríamos à Índia, com seus variadíssimos dialetos.

Aliás, o letrado pronuncia ‘indígina’, quando a grafia é indígena, por isso, indigenista. Ninguém diz ‘indiginista’, mas se diz ‘indígina’, e assim se escreve. Volta e meia, acham-se grafias estrambóticas: mexirica, mixirica, coquitel, muqueca, muchila.

Indígena, indigenista, mexerica, coquetel, destaque, moqueca, mochila.

Podem ser acrescentados no debate ‘mega’, ‘anti’, ‘inter’, ‘trans’, para enfeitar mais o derrame hemorrágico de palavras que nos cercam no dia a dia.

Intersexo é grafia nova, novo termo. Não exatamente, um neologismo, mas virou charme usá-lo quando fica comprovado que um ente humano não tem sexo definido, ou teria, conforme a ciência médica, sinais de ambos os sexos. E um precisa, pela via cirúrgica, ser eliminado, para permanecer o outro. Não seria a mesma coisa que hermafrodita?, palavra charmosa e abrangente, de grafia mais fácil e pronúncia elegante, que caiu em desuso.

Eis, pelo menos, um dos motivos de que o idioma não pode ser imposto.

Este artigo se constitui uma discussão coerente ou um desabafo ilógico? Como você o analisa?

João Carlos de Oliveira

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