0

Qual o feminino de saúva, a formiga-cortadeira? E o de monstro pode ser ‘monstra’?

Antes do comentário, uma expressão que se costuma ouvir no dia a dia: “Minha avó é uma carrasca” (sic), usada por algumas pessoas.

O momento, paralelamente, permite rever o que são ‘palavra feminina’ e ‘feminino’, no tocante a vocábulos.

Dissecando a frase sobre a avó, durona ou intransigente, se a chamam de ‘monstro’, poderiam usar ‘Minha avó é mostrenga’?

Como o adjetivo mostrengo seria pouco usado, e, em se tratando do feminino, pelo acréscimo da desinência nominal de gênero -a, ficaria mais distante usá-lo? Soa mal, teria sentido animalesco. Não caberia porque vovó, apesar de sua rigidez disciplinar, o que seria fácil entender, é amável e compreensiva. Mostrenga é tão esquisito quanto chamar alguém de criatura soberba, ente não-querido, ser humano orgulhoso, indivíduo estapafúrdio, horripilante.

E a resposta? Saúva já não é o feminino? Não, mas uma espécie, com nomes regionais diversos: formiga de mandioca, formiga-cabeçuda, formiga da roça, formiga roceira, cabeçuda, carregadeira, maniuara, taioca, e outros, além do nome tradicional usado no título.

É preciso paciência para se entender cada nome, e o porquê. A saúva, no formigueiro, é diligente, no seu vaivém, trabalhando, na maioria das vezes, à noite, e fazendo a ‘sesta’ durante o dia. Elas entram e saem vertiginosamente, conscientes de seu trabalho profícuo. Não há lugar para as preguiçosas. São perfeitas operárias.

E a rainha? Está lá no seu canto, só botando ovos;  filhotes às pampas, até encher o nicho. O negócio é povoar para todas sobreviverem e cumprirem sua função social. De que ela se alimenta? De algum néctar? Há um fungo alimentício apetitoso, e todas enchem a barriga, apesar de a formiga ter espectro corporal esquelético. Há coração ali dentro, rim e outros órgãos que mantêm seu esqueleto vivo? Como defecam? Como ‘mijam’? O fungo contém porção de água?

As respostas não estão aqui por razões diversas, pouco importantes e não-comentadas em aulas de Biologia, ao que se sabe. Salva a exceção, não se dá valor a isso, senão a alguns tipos de abelhas, em suas colmeias, insetos laboriosos da mais alta importância para o meio-ambiente; vulneráveis, algumas correm risco de extinção.

A mandaçaia da Bahia é espetacular, como o é a jataí, tão minúscula (o jataí é árvore). Um enxame numa caixa de energia deixa-nos boquiabertos ante seu perfeito labor. São grandiosas.

A formiga-corredeira, que adivinha até chuva, tem uma picada forte, e vêm todas ao mesmo tempo em defesa do seu ninho. O local da mordida fica dolorido, cujo veneno pode causar febre.

Uma parada para ‘butar’ um punhado de farinha na boca do faminto, um naco de rapadura, para encher o surrão.

Agora, direto ao assunto; ao contrário, o visitante vai dizer que este blogueiro é chato, cheio de lorotas e conversas para boi dormir.

Gostaria de ver numa fazenda a prática do-fazer-boi-dormir, hipnotizando-o para lhe aplicar uma vacina! Muito se fala dessa história, mas nunca praticada neste Brasil de meu Deus, tão grande quanto as historietas fantasmagóricas.

A formiga macho, a formiga fêmea. O macho da formiga, a fêmea da formiga. Assim, a saúva macho, a saúva fêmea. O macho da saúva, a fêmea da saúva.

Esse gênero gramatical acata a ordem dos Epicenos, como diz a dona Gramática.

Mesa é palavra feminina, como rapadura, panela, farinha, carne-seca; o sexo não sabemos; mas é visível? Trata-se do imaginário, utópico. O que tem o garfo para ser macho, e a faca para ser fêmea? A centena, s. f.; o milhar, s. m.

Feminina não de meiga, de amável ou dócil, mas durona como a avó, pessoa delicada, feminina pelo seu gênero. A palavra ‘femenina’, doce feito mangaba. Quem inventou isso?

Porta é feminina, mas quando fica grande, o portão, vem o masculino, o macho. Navio é masculino, mas quando fica grande, torna-se fêmea, a naviarra. Por isso, não se entende bem o que determinam os doutos gramaticistas!?

A linguagem muda. Por que batata-baroa? Se barão, não seria baronesa? O cortador de cana usa facoa, feminino de facão? Se dizemos zangão, ou zângão, o macho da abelha, poder-se-á usar zangoa? A leoa, a pavoa. Minha avó é uma peoa; minha tia, sarará e bonita, é alemoa. O capiau casou-se com a capioa. Nada mais bonito! A faisoa, logo, no lugar de ladra, a ladroa; o tabaréu, a tabaroa. Tecelã, teceloa; daí, tabeliã, tabelioa. E vamos em frente, que atrás ‘tem’ gente proseando palavras inovadoras, que mudam de forma ou de sexo. São palavras trans, que seriam bissexuais, transexuais, termos tão em voga!

O ídolo, para ele ou ela, mas há quem use ‘Ela é minha ‘ídola’, não uma expressão tola, mas pessoal, quanto falar que o bode tem uma companheira chamada ‘boda’, até que chamam a cabrita de ‘bodinha’.

O regionalismo aprova esse metiê linguístico.

Vovô é carrasco, vovó é carrasco. Pedro é algoz, e sicrana, o algoz do grupo escravista.

O gorila macho, o gorila fêmea. Estão mudando: o gorila, a gorila.

O tigre, a tigresa.

O cônsul, a consulesa.

O poeta, a poetisa. ‘A poeta’, modismo atual. Por que não usar, então, o ninfeto, para o rapazola? Se vale um (a poeta), vale o outro (o ninfeto). Se dizem a poeta, por que não ‘a profeta’ no lugar de a profetisa?

O conde, a condessa; o bacharel, a bacharela; o embaixador, a embaixadora (a que exerce função na Embaixada); o tutor, a tutora.

O chefe, a chefe, mas temos a chefa, como temos a presidenta, a lavadeira, a mestra, a maestrina, a elefanta (aliá é a fêmea do elefante indiano, como dizem os livros); o tzar, a tzarina; o marajá, a marani. O grou, a grua.

Faça sua lista. Se existe a ladra, poderá vir ao mundo ‘o ladro’. Tão grandioso inovar!

Bonito Ela é minha freguesa, e o ambientalista afirma ‘o jaguar fêmea carrega os filhotes na boca’.

O selvagem, a alienista, a amante. E por que não o concubino? É correto: a concubina, a amante do homem casado; o concubino, o amante da mulher casada.

São nomes visíveis!

Cuidado com ‘a porca da sua mãe’, ‘a égua da vizinha’, ‘o cavalo do seu pai’.

A barata fêmea passou por aqui.

A rainha da formiga-carregadeira põe ovos. Os graúdos, bem cuidados, dão origem a formigas aladas, as tanajuras. “Cai, cai, tanajura, na panela da gordura”, petisco de outrora, e de hoje, alimento para graúdos e miúdos. Tanajura de hoje estaria contaminada por agrotóxicos?

Os ovos malcuidados, pequenos?, assim como a ave descarta o filhote franzino?, são chamados bitus, tanajuros sem bunda e chochos, que ninguém pega para fritar.

O feminino de saúva é a içá, que não precisa ser chamada de içá-fêmea, a não ser que se chame bitu de içá-macho.

Obrigado.

 

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *