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‘Moradora da rua’ versus ‘moradora de rua’, eis que um artigo diferencia a semântica de frases

São detalhes, explícitos ou implícitos, que diferenciam o significado de enunciados. A presença ou não de artigo emoldura a semântica; cada expressão tem seu viés.

Esse modelo redacional precisa ser visto e revisto, a fim de a clareza da mensagem ser evidenciada.

Tolos seriam aqueles que discordam desse prumo ou o não sabem observar?

Uma reportagem sobre sinistro, falando em deslizamento de terra pela intensidade das chuvas, em quase todo o País, neste final de Verão, diz que moradora da rua presenciou o desabamento de casas.

‘Moradora da rua’, senhora que mora nessa via pública, que conhece o local, pelo qual passa frequentemente.

A primeira expressão se diferencia da segunda pelo simples fato de conter o artigo definido feminino singular ‘a‘ (da rua), que não há na segunda (de rua).

O texto não faz referência a essa segunda pessoa; este comentarista é que tenta traçar as possíveis diferenças entre uma frase e outra, com o intuito de confirmar que a linguagem, falada ou expressamente, requer cuidados, e ai de quem não observar esse norte, certeiro do bom-dizer ou do mal-falar.

‘Moradora de rua’, mulher sem-teto, ou ‘em situação de rua’, como também o dizem. Vive em situação de risco; não tem morada própria (melhor moradia?); esgueira-se sob marquises, viadutos, ou ali constrói seu palacete com caixotes e papelões. Estaria feliz por ter escolhido essa opção, livre, a céu aberto? Ou vive ali em virtude da falta de alternativa ou ter sido despejada não-se-sabe-por-quem de seu lar anterior?

Eis parte do mundo moderno, e não só no terceiro-mundismo outro, como em nossos rincões (a bela Capital dos soteropolitanos, SP Capital, BH, a Terra dos Cariocas, e muitas cidades por aí afora). Talvez, não se imaginasse antes que a Cidade poetizada por Vinicius de Morais, Toquinho, Noel Rosa, e tantos poetas da música, como esta Teixeira de Freitas, teria moradores sem-teto, pessoas que viessem a viver esses traumas urbanos!

Os tempos mudam, e com eles vêm as intempéries sociais, se não avalanchas (alguém prefere avalanches?), mas transtornos sociais, desmoronamentos ou tetos desabados.

Já que nos veio o verbete sem-teto (ou sem-moradia), bom caminho é dizer que esse tipo de vocábulo, precedido de preposição pequenina e plena de significados (anti?), não tem plural pelo acréscimo da desinência de número -s, como suporia outrem, quiçá, sem o devido conhecimento gramatical. Por isso, ‘quem avisa amigo é’.

Sem-teto, como sem-morada, sem-terra, sem-sapato, sem-casa, sem-amparo, e os que quiserem (crie o seu!), são substantivos que não flexionam no plural pelo uso da desinência de número (s).

Para indicar o mais de um, é necessário o uso de artigo no plural: os (as) sem-teto, ou que o verbo, indicativo da ação, esteja no plural: Sem-teto invadem propriedade alheia.

O neologismo de um amante da Flor do Lácio colocado no prisma do mais de um. O pluralismo atual é jovem!

Sem-terra invade fazenda (um único elemento).

Sem-terra invadem fazenda (o mais de um elemento).

Em ‘Os sem-terra invadem fazenda’ há o plural dos que já seriam conhecidos de quem relata os fatos, ou seriam costumeiros na região, um grupo ali pré-estabelecido, linguagem jornalística que esboça expressão com ampla visão: (O) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

O momento não é o de avaliar sua ‘política e penetração sociais’, o porquê da existência dessa Entidade que busca amparo no Campo, com visão produtiva, embora haja o que viole a determinação legal com a tendência de ultrapassar o Código da Terra, leis vigentes voltadas a essa jurisdição, até a Carta Magna ou o CC. Certo é que a desigualdade social deveria ser, pelo menos, amenizada; considera-se que ‘erradicada’ é termo forte, sem razão de ser, porque seria impossível sua aplicabilidade.

Dói a invasão a propriedades produtivas com a destruição de recursos naturais, produtos agrícolas e implementos de trabalhos, como é horripilante gente graúda invadir áreas de proteção ambiental, mangues, reservas. APA e APP viram ‘sítios’.

Foi-lhes concedida essa regalia? Invasores que surrupiam o bem público, o erário, e se dizem inocentes!

Fica-se a pensar: se querem tanta liberdade, como motorista de veículo qualquer (com duas ou quatro rodas), a sair louco por vias públicas, como se estivesse sozinho, por que não se diria isto a esse contraventor?

“Vá fazer isso, meu filho, no deserto saariano! Lá existe espaço amplo. Junte-se a um beduíno ou tuaregue e pratique suas peripécias.”

Por que ser tão notório ou notado? Por que quer ser tão notável? Ideal é que fosse notificado, mas nem sempre o é!

(Estou perto de acabar o lenga-lenga de hoje!)

O não-hífen faz muita diferença semântica. Ele saiu sem camisa.

Já o hífen em si, imponente, marca presença, é solene em dizer isso ou aquilo. O sem-camisa chegou arrogante.

Ele está sem casa. O sem-casa vive debaixo do viaduto.

O lavrador está sem terra para trabalhar. O sem-terra enfrenta os ditames da lei.

Este sem-vergonha é um pilantra. Saiu sem rumo. O sem-rumo vive ao-deus-dará.

Sem, preposição rica, vem do Latim sine, que nos leva a entender ‘aquilo ou aquele que não tem certo recurso’, desprovido; com a ausência ou a exclusão de. Sem-cerimônia. Afora (fora): Sem você!

Sine qua non é expressão jurídica, soante e plena de significado. Se o fato é duvidoso, se não há prova, (conditio) sine qua non: não há crime.

Um crime precisa de flagrante ou de materialidade para se comprovar a ilicitude. Sine qua non, não há delito.

Finalmente: frases que nos aborrecem e magoam, e assassinam o idioma, paridas por quem conhece o abecê.

“O suspeito parou o veículo da empresa que trabalha em frente (…)”, sic, de uma reportagem.

Trabalha na empresa; para o veículo em frente da empresa em que trabalha; em frente da casa da vítima.

“Morre vítima fatal”, texto que se refere a uma vítima do novo coronavírus. (Vixe-maria! Morre mais de uma vez! Morreu! Foi vítima! E foi fatal! (matou a si mesma).

Morre vítima de coronavírus.

“Meu amigo você precisa conhecer a boa escrita”, de alguém que divulga ‘critérios’ gramaticais. O vocativo, obrigatoriamente, é separado por vírgula no início ou no fim da frase: “Meu amigo, você precisa conhecer a boa escrita. Você precisa conhecer a boa escrita, meu amigo”. Ou por duas, se estiver intercalado: “Você precisa, meu amigo, conhecer a boa escrita”. (Entende-se que o divulgador das regras, apenas, copia texto de outrem.)

“Também por conta das chuvas!” Por que não ‘por causa das chuvas‘?

“Há dez anos atrás!” (Melhor Há dez anos ou Dez anos atrás, uma vez que não se tem Há dez anos na frente.)

O vício é vicejador!

Acabou por hoje! Amanhã, ‘tem’ um quilinho de bobagens a serem ditas. Um quilinho de bobagens a ser dito!

 

João Carlos de Oliveira

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