0

Poderia alguém escrever certo e falar errado? Pode acontecer, eis por que o artigo de hoje. Por que as pronúncias ‘restorante’ e ‘adevogado’?

No dia a dia, ‘confirmando’ essas hipóteses, vemos um locutor de carro-volante que pronuncia, em bom som, ‘restorante‘, e manda a ver os dados da empresa, repetindo várias vezes ‘restorante‘ (sic).

Se lhe fosse dada a oportunidade de escrever essa palavra, como o faria, em boa grafia portuguesa?

Certamente, escreveria restaurante, grafia correta, como está no dicionário (que restaura; estabelecimento comercial que prepara e serve comidas; casa de pasto; refeitório), seguindo, como seria evidente, o que aprendeu na escola, além de estar com algum ‘escripte’ em mão, em que conste a grafia RESTAURANTE, nome de fantasia (Restaurante Bom-Apetite, fictício), hoje, o local que serve comida à la carte ou self-service (o que se tornou tradição em todo o País).

O que é pasto, nesse aspecto? Um restaurante barato ou popular. Nada tem a ver com o terreno em que animais se alimentam de capim, gramínea (o pasto, propriedade em que se alimentam; bovinos e outros ‘pastam’).

Da mesma forma, vemos um causídico em debate; estudou Direito, escreve seus textos de cunho jurídico e exerce sua profissão. Trata-se de um ‘advogado’, defensor do cliente, mas muitos ainda pronunciam ‘adevogado’, como um em pleno Júri, defendendo o réu, que não escapou dos álibis, dele mesmo e do seu patrono; esse buscou a tese ‘negativa de autoria’, quase um padrão quando se trata de acusado do art. 121 do nosso Código Penal.

Não adiantou; foi condenado a mais de 27 anos de reclusão. Será que o fato de o advogado ter usado essa pronúncia influenciou o corpo de jurados negativamente?

Pessoas há que consideram falta de competência um profissional liberal falar e/ou escrever errado. Algo a se pensar.

Como é visto um profissional pronunciar errado sua própria ‘qualificação‘? O viés é que se trate de vício de linguagem, forte, enraizado em datas anteriores, e ainda estudante; agora, na praticidade, isto é, no seu metiê como defensor da lei, esse costume vem à tona.

Um procedimento, não muito agradável, que pode, na visão de muitos, desqualificá-lo.

Se a referência fosse a uma pessoa que não tem escolaridade, ficaríamos quietos? Diríamos que seria ‘culpa’ da falta de conhecimento linguístico? O bom caminho seria pensar que se deve considerar como ‘certo’ esse contexto da linguagem regional falada, eivada de vícios comuns ao nosso regionalismo ou ao nosso brasileirismo, se o falante não tem formação acadêmica.

Se vemos em texto jornalístico erro de grafia (“à todos”, “transsexuais” etc.), pode-se aceitar que certo erro gramatical passe a erro específico da Fonologia, incorrendo em erros de Ortoépia e Prosódia. São muitos desses casos em vários níveis profissionais.

Um médico tinha como certo escrever ‘encino’; um professor de Direito não abria mão de ‘excessão’, até ‘excecivo’; um produto da homeopatia registra ‘anticéptico’, adjetivo que existe, mas significaria ‘incrédulo’, não se tratando de ‘antisséptico’. Em embalagens de industrializados, às vezes, aparece a grafia ‘glútem’, que não existe. O correto, glúten, por ser paroxítona terminada em N, é que é acentuado com agudo. Se terminasse em M (totem, homem, item, falem, digam etc., adjetivos, substantivos ou formas verbais), não teria o sinal gráfico.

Ouvimos ‘arrecardar, degladiar, previlégio, estreiou’ etc., chegando à conclusão de que ‘restorante‘ é café-pequeno, mas assombra quando se trata de pessoa letrada, costumeira no seu exercício (comerciante, empresário, balconista, e tome-lhe ‘pelo preço de à vista’), além de alguns serem locutores de voz possante e boa dicção.

Caberia o inciso ‘Fala bonito, mas fala errado’, num momento em que criticamos essa linguagem?

Se o idioma francês dá a origem da palavra ‘restaurant’, cuja pronúncia aproximada seria ‘restorrã’, não temos que dizer que esse som seja o mesmo em nosso idioma, uma vez que o vocábulo foi aportuguesado! E ainda por termos palavras da mesma família etimológica, não necessariamente com o mesmo norte semântico: restaurar, restaurável, restaurado(r), restauração, restauracionista, daí a famigerada pronúncia de restaurante. Registro tem saído ‘resisto‘, daí ‘resistado com carteira assinada’.

O etimologista poderia intervir e dizer que algumas dessas palavras têm origem no Latim, e outra(s) no Francês, mas isso não importa, porque a grafia tem a mesma ‘aparência’: restaurar, que vem de ‘restaurare’, do Latim. Além disso, o Francês é língua neolatina, como o Português. ‘Essas duas irmãs’, coirmãs na Historiografia da Gramática, têm aspectos semelhantes, pelo menos os gráficos, não abordados neste momento. Lembre garage, em Francês; garagem, em Português).

Por que ‘escrever certo e falar errado’?

O grande professor Luiz Antônio Sacconi (Luís é ordem da Gramática, que pode variar no registro de nascimento; o sobrenome, Sacconi, deve ser de origem italiana, por isso, essa grafia e sem acento gráfico), excelente gramático (gramaticista na Linguística atual?), preconiza, e nos ensina, que o Português do Brasil tem muitos desvios de pronúncia. Cita exemplos marcantes: gratuíto, récem, joanéte, róbo, intéro, cavóco (no lugar de gra-tui-to; re-cém; jo-a-ne-te (^); rou-bo; in-tei-ro; ca-vou-co).

Ouve-se muito Nóbel e récorde, mas a norma fonológica diz No-bel e re-cor-de. “E agora, José?” Drummond, se vivo, daria resposta poética.

O erro de pronúncia é chamado Silabada. Maquinaria, ômega, fluido, rubrica e chávena, por exemplo, não devem ser ‘maquiria, omega, fluído, brica e chavena’.

Momentos em que teço comentários e faço perguntas ao leitor, não se trata exatamente de não saber o assunto, mas de questionar, deixar uma linha para o visitante, que também tem conhecimento linguístico e outros, acrescentar suas versões e exemplos, dizendo o que sabe, uma vez que não seja um só o único ‘informante-sabedor’ do que se comenta. Fica para especialistas, se forem sabedores do que diz este analista-caboclo, se o quiserem, dizer algo (“Professor, você está certo; a vertente linguística não é essa; a etimologia não diz isso” etc.).

De bom alvitre questionar que o idioma não pertence a ninguém, nem a mim, nem aos doutos, nem a um grandioso professor, como os baluartes Ismael de Lima Coutinho e Serafim da Silva Neto, historiadores da Língua Pátria, aos quais devemos louvores, conhecendo-lhes algumas obras, e outras do nosso grandioso Alpheu Tersariol, que, também, merece nosso destaque.

Fica o registro.

Para fechar e variar, no lugar do ‘eslôgan’ Não corra, não mate, não morra, este: Motorista, vá devagar, que você chega, em virtude do grande número de acidentes em todo o Brasil, a maioria por imprudência. A alta velocidade assusta; a alegação de que ‘o veículo é possante’ ou de que o motorista ‘tem pressa’ não convence.

Pressa não faz chegar. “Tem pressa, amigo?” Saia cedo, vá devagar, que você chega.

Fatos comprovam que parentes a caminho de um velório não chegam, em virtude da alta velocidade, daí os acidentes.

Falta, também, ao motorista dar sinal para seus atos. Como se vê nas cidades (cada morador tem seu exemplo), nem todo motorista dá sinal para chegar, entrar, sair, virar à esquerda, à direita, parar etc.; não diz o que vai fazer ou está fazendo. Quem vai adivinhar? O pedestre fica atônito, ocorrendo batidas, abalroamentos e atropelamentos de todos os tipos.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *