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A palavra ‘coronavírus’ tem plural? Ter, tem. Mas como se dá esse processo?

Antes de tudo, pode-se dizer que, ainda, não se encontra o registro desse vocábulo nos léxicos; se há em um ou outro, não estaria com tanta ênfase e nuança dadas à doença, que vem dilacerando vidas.

Substantivo composto, certamente, sua origem é sopesada em termos latinos: corona, adjetivo, e vírus, substantivo simples comum. Visto sob o aspecto semântico, um estrepitoso neologismo.

O ‘bichano’ mete medo!

Um de seus elementos, o segundo radical, vírus, já aportuguesado, é palavra invariável; corona, como demonstra, fica a depender de sua adequação a outros termos, podendo ser variável.

Cabe perguntar: corona vem de que vocábulo? Do próprio Latim (corona, coronae), que ou o que tem formato de coroa. Coronado, coronal. Com boa possibilidade de acerto, é da mesma família de coronária, cada uma das duas artérias que irrigam o coração.

Corona, sem ser a marca de chuveiro, repitamos, pois, pertence a uma família etimológica: coroa, coronal, coronário. Corona, o que é relativo à coroa de uma estrela, como quer a Astrologia.

Numa linguagem não-cientifica nem erudita, coronavírus é ‘o vírus que tem a forma de uma coroa’, exceto melhores dizeres.

Mas, como o escopo maior do viés ora comentado é escrafunchar, perscrutar o plural desta palavra composta, substantivo invariável, vamos a esse objetivo.

Terminado(a) em -us, tem a mesma forma para o singular e o plural.

Vírus, do Latim virus, significa veneno, e o Larousse assim o define: “micro-organismo de estrutura e organização simples, que apresenta um único tipo de ácido nucleico, parasita intracelular obrigatório e agente de várias moléstias infecciosas” (sic).

Adaptados os dois termos, temos composição por justaposição: corona+vírus, coronavírus, em que não houve permuta ou perda de elementos fonéticos. A Gramática Normativa nos registra girassol, guarda-noturno, bem-me-quer, malmequer. Que tal: hipotermia! Vale? Paraquedas, paralamas, passatempo, mandachuva.

Como se sabe, a justaposição é diferente da aglutinação, situação em que dois ou mais elementos sofrem alteração: embora, aguardante, boquiaberto, fidalgo, vinagre.

E vaivém, justaposição ou aglutinação? Sob meu olhar, justaposição: vai, vem.

“Meu filho, vá à casa de seu Pedro e lhe peça o vaivém emprestado”.

“Seu Pedro, pai mandou-lhe pedir o vaivém emprestado”.

“Diga a seu pai que o vaivém não vai; se o vaivém fosse e voltasse, o vaivém iria; como o vaivém vai e não volta, o vaivém não vai”.

Esse texto foi adaptado a uma linguagem relativamente atual, por isso, as flexões verbais ‘fosse, voltasse, iria’ etc. Há outros textos. E o vaivém, o que é? O nosso querido serrote, não a frutinha nordestina, mas a ferramenta do carpinteiro, marceneiro, e outros, que serve para serrar madeiras (tábuas, ripas, caibros etc.).

O pulo serve para repensar, divertir, interferir, discutir, discordar.

Esse coronavírus, como tem mostrado a Literatura médica desses últimos dias, colocando o Mundo de ponta-cabeça, com toda a turbulência que se vê nos noticiários, universalmente, tem ‘fortes poderes’ de matar, talvez ainda desconhecidos.

Nesse caso, é um ultravírus, ultrapoderoso, fortíssimo, cuja letalidade é altíssima.

O vírus, singular; os vírus, plural. O coronavírus, os coronavírus.

A construção frasal é que vai diferenciar cada modelo.

O coronavírus é letal. Os coronavírus são letais.

Coronavírus mata em pouco tempo. Coronavírus matam de um dia para o outro. O coronavírus produz contágio mórbido.

Fujamos dele(s)!

Mas como saber onde se encontra(m)?! Como saber quem o(s) tem na ‘cacunda, na testa, na mão ou na boca sanguinolenta’?

O singular e o plural ficaram claros? O coronavírus, os coronavírus, porque, dizem, há vários tipos.

Foi bastante?

Completando os dizeres de hoje, jornalistas há, além de famosos outros, que vêm cometendo gafes linguísticas diversas, todas evitáveis se houvesse um pouco mais de cuidado (pensa-se).

O comentário sobre tais redundâncias, até pleonasmos viciosos, não é muito airoso, ou é um pouco desairoso, mas é preciso, no que trata este sítio, de ser dito ou escrito para mostrar os caminhos da linguagem, entre os níveis culto e popular, senão um terceiro, mediando entre o falado e o escrito com a face voltada à Lua da modernidade, a uma viagem espacial de novas tendências.

Existem os assassinavírus, os homicídios, os feminicídios, os assassinatos, os atropelamentos e outros, e, se assim o são, geram mortes, que não podem ser chamadas vítimas fatais.

Letal é o que mata, sinônimo de fatal, mortal; o vírus é fatal, mortal ou letal, conforme a escolha do falante ou redator, nunca a pessoa. Logo, ‘vítima fatal’, como se torna lugar-comum em ser usado a todo o momento, dói um pouco, e muito pelas duas mortes: a da pessoa e a da linguagem.

O acidente foi fatal, porque matou; o coronavírus pode ser fatal, porque mata; uma facada costuma ser fatal, porque tira a vida.

Pode haver vítima de morte.

E vêm mais pérolas.

“Olha só…”, repetida 10, 15, 20 vezes, ou mais, num espaço estreito de dois ou três minutos.

“Tipo assim”, e tomem-nos ‘tipos assim’. Um segundo, ‘tipo assim’. Dois segundos, ‘tipo assim’. Três segundos, ‘tipo assim’. Em uma hora, afundaram nossos tímpanos.

‘Aí’ para tudo. “O governo vem falando aí o que quer”, sem se referir ao governo local, somente um ‘aí’, vicioso, viciado, e não se trata de um foca, mas de alguém com muitos dias frente aos telões da fama, com a riqueza da função: artista, famoso, apresentador, âncora e algo mais.

Vemos alguém que nos diz ‘um previlégio’, e nos surpreendemos boquiabertos. Esqueçamos aquele que não registra em computador o que diz, e que o admiremos.

O outro: “É, entendeu? Sabe?”, e alinha uma lista de anedóticas frases horripilantes, sem usar um termo enfático, flexível.

Linguagem condizente com o ‘Febeapá’, O Festival de Besteira que Assola o País, de nosso saudoso Sérgio Porto, sob os calcanhares do heterônimo Stanislaw Ponte Preta.

Os verbos da primeira conjugação (terminados em -ar) fazem o imperativo da pessoa você em -e: Ame o próximo como a si mesmo. Evite a aproximação excessiva com pessoas gripadas. Coloque as coisas em dia. Lave as mãos com frequência. Tome precaução com o coronavírus. Cuide de quem está em sua casa. Afaste-se de locais fechados.

Mas o redator, ninguém sabe por que motivo (para fazer diferente?), redige “Tira um tempo para cuidar de sua saúde”, ou algo similar. Ora, se acabou de dizer ‘lave, tome’ etc., de lavar, tomar, por que ‘tira’, se vem de tirar?

Tire tempo para si mesmo e estude o presente do subjuntivo e os imperativos afirmativo e negativo.

Tira é mais bonito? Parece com tira de pano! Tem a força de ‘um tira’? Faria parte do humor: saber ler a tira, uma tirinha?

Mesmo caso é o uso de ‘vem’ no lugar de ‘venha’: Vem ver! Vem comprar!

Cada um no seu lugar: O dia está lindo! Venha ver! (você)

Como vai a tua vida, poeta? Vem ver a tua fortuna exposta no teu olhar! (tu)

 

João Carlos de Oliveira

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