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Os verbetes AFRODESCENDENTE, NEGRO e PRETO, adjetivos ou substantivos, merecem destaque: como vêm sendo usados ultimamente?

“E aí, negrão! Como vai?” (sic), disse um amigo ao outro.

Frase desse naipe deve ser usada com cautela. O que diferencia é a proximidade entre as pessoas do colóquio, razão por que ela se torna ‘livre, poética, amigueira’, sem ranço de preconceito.

Os últimos dias têm mostrado que o relacionamento humano está à flor da pele. Tudo é pecado, tudo fere, tudo mancha, tudo ofende. Não há limite?

É ‘dever de casa’ respeitar o outro, considerar, não discriminar, mas, em dado momento, não se pode mais brincar usando antigas frases ‘normais’: ‘Como vai, meu neguinho? Meu crioulo! Preto como um tição! Minha preta! Meu preto!’

Um de meus cunhados, Manoel Henrique de Souza, paraibano arretado, nascido em Aroeiras, mas morador em Nanuque, tem o apelido de Preta, e tudo normal, sem qualquer sentido de ofensa. Sua família, na maioria, tem pele clara, ‘branca’, não chegando a ser loira, e ele veio ao mundo meio moreno, de cor mais chegada em relação à irmandade; cabelos lisos, olhos miúdos, queixo meio afilado, Manoel (não Manuel) é ‘um cabra bom’, como gosta de chamar alguém com quem se afina; companheiro, solícito, com visão filantrópica, e vai vivendo seu mundo vasto, “Vasto mundo, Raimundo” (para plagiar nosso Drummond). Tem ‘pilido’ marcante: Preta!

E isso não o ofende.

Mas se uma senhora, uma pessoa que não seria de nossa intimidade, for chamada de ‘preta’, o termo está ferindo a dignidade humana? Não há exagero? É que essa cidadã é negra, ou preta, isto é, de cor escura.

‘Dona Preta é mulher de raça!’, referindo-se a uma mulher do lugarejo.

Eis certa dificuldade em se usar um dos termos: negro ou preto? Querem dizer afrodescendente? Não estaria havendo com isso um subterfúgio?

Pausa para analisar: pessoas há que pronunciam ‘afroDEScendente, puxando o S, que nesse vocábulo é mudo (não é fonema), como em descer, nascer, crescer; oscilar, prescindir, rescindir, rescisão; cônscio, consciente; descendente, transcendente etc. Nessas palavras, SC forma fonema único; não se trata de pronúncias distintas, como em escada, escorregar, escapulir, fato que alguns desconhecem ou desconsideram. Basta que se observe com atenção o falar de muitos para se notar esse ‘som’, e o fazem sem maldade, como se natural fosse.

Outro item que nos leva a dizer algo é como grafar afrodescendente, que já se conheceu forma diversa: afro descendente (radicais separados, sem hífen) e afro-descendente (separados, com hífen). Lendo-se artigos muitos por aí, encontram-se as duas formas. Agora, é que a obrigação é outra? Afrodescendente, como neossocialista, infantojuvenil, mas temos greco-romano, luso-brasileiro, sino-russo, ítalo-brasileiro. E vemos também infanto-juvenil, como em muitos textos (de outrora e de agora).

Essa discussão surge em momento em que cresce a celeuma social da nossa convivência: nossa etnia fala em três cores ou raças: a negra, a índia, a branca, não nessa ordem exatamente.

Por que colocar, em primeiro plano, a do branco, como está nos livros escolares?

Pretos e brancos, de modo geral, criam muita discussão sobre essa tipificação humana. Seria necessária essa divisão? É correto esse procedimento que nos leva a uma nítida divergência socioeconômica, sociocultural, sociolinguística?

No dicionário, em algum momento, o sinônimo de preto é negro, e vice-versa. É que se entende que a teoria é ‘bonita’, mas a prática é ‘torturante, enigmática, polêmica, indelicada’. Pode-se pensar assim?

Se vemos uma jovem cuja origem vem de pais da cor de ébano, como tratá-la? Negra, preta ou afrodescendente?

Ficamos em dúvida?

Na capital deste Estado, temos população de maioria negra, e poderia ser usado ‘população de maioria preta’? O soteropolitano, como se sabe, e dizem as estatísticas, é negro na maioria.

Como o IBGE vê isso? Como faz essa classificação? Usa um ou outro termo com a mesma naturalidade, com o mesmo aspecto semântico?

Depreende-se que esse Órgão não tem essa preocupação, o que deve ser seguido, mas, ao que parece, muitos não pensam assim, e lá se vai a diferença: negro é um, preto é outro.

Negrume é termo poético, cujo sinônimo pode ser negritude. Temos um conjunto musical chamado Negritude Júnior. A Literatura é rica em falar sobre as histórias do Preto-Velho, imagem que vemos em muitos quadros artísticos e famosos. Negridão ou negrura, tanto faz como fez!

Não vejo ‘blackness’ (em Inglês) com a mesma dimensão de ‘negritude’, em Português. A nossa é melhor em todos os vieses.

Bonito é dizer ‘Meu nego!’, ‘Minha nega!’, com todo carinho!

A música Preta pretinha (Novos Baianos; de Luiz Galvão e Moraes Moreira) é um clássico do Cancioneiro Popular Brasileiro, exemplo de sucesso da MPB. Por que agora, se a população estaria mais civilizada, a distinção entre negro e preto tem-se acentuado, com o uso de afrodescendente como alternativa? Estamos mais ‘civilizados’ e mais exigentes, com pormenores para qualquer coisinha, ou qualquer fato diferente dos tradicionais, na cor do cabelo, da pele, até no olhar para uma pessoa ruiva, morena, branca, preta ou negra?

E o sarará?

Em Cachoeira Grande, meu belo distrito no Município de Jacobina, que, às vezes, cito aqui, temos um conhecido morador tratado sempre como Neguinho, e o termo não o mancha. Lá, morava um coroinha negro, chamado ‘Preto’ do padre. Não havia ofensa.

O modo de usar é que muda. Chamar alguém de ‘neguinho’ insinua racismo? Sua ‘negrinha!’, aí a coisa muda?

Então, vale a intenção. Não há problema com a palavra em si, nua e simples, mas com o tom semântico, com a vontade de se usar desse ou daquele modo.

Há campo minado nesse veio, mas o assunto pode ser suscitado, sem maldade, para que, de modo geral, essa dicotomia não seja praxe.

Não se preocupe com isso, meu caro! Sua amiga é negra, e pronto. Seu amigo é preto, e pronto! Não faça diferença entre a cor da pele e o respeito ao ser humano.

A namorada é ruiva, sarará, branquela, albina, mameluca, cafuza etc., isso não importa. Vale o tamanho do amor que se deve ter pelo vizinho, pelo indivíduo que está a nosso lado.

A questão é que palavras, etimologicamente, semanticamente, socialmente, nos dias de hoje, evidenciam muita PEJORAÇÃO, e ‘se’ aborrecemos com qualquer detalhe.

Sempre, fui chamado de baixinho! Fui muito comparado por ser um professor de pequena estatura. Sou visto como ‘pequeno’, advogado, porque sou baixinho. Já fui confundido com aluno na sala de aula por ser do tamanho dos meninos de 13, 14 anos, na 6a. ou 7a. séries do fundamental de dias que se foram.

Não cresci no esqueleto, somente na parte cerebral. Que desabafo é esse, mestre? “Meu mestre”, como gosta de me chamar um ex-aluno de boa estatura, e tenho que levantar o pescoço para cumprimentá-lo.

Como disse antes, nestes tempos ‘modernos’, a pejoração está invadindo nossa amizade, nosso relacionamento, nosso diálogo, nossa casa, a rua, o trabalho, a loja, o momento de se falar com alguém, e invade nosso cérebro, gerando muito estrago.

A questão não é a palavra, mas o modo como é usada, a intenção como se usa uma expressão. Ou alguém o usa, e não sabe que seu dizer está sendo pejorativo?

‘Oh! dó de Pio, quem manda se a canela não é comprida!’

Fica assim por hoje.

Um abraço.

João Carlos de Oliveira

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