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‘Haviam’ pessoas na rua ou ‘Havia’ pessoas na rua? A primeira redação curte sua ‘estada’ em muitos textos e falares. Qual atende à norma culta?

Em primeiro momento, o pensar é que, talvez, usem a infringente por confundir com ‘Pessoas haviam ido ao clube’, ‘Salários haviam sido depositados em contas-fantasma’, em que ‘haviam‘ é verbo auxiliar de tempo composto, que flexiona, por isso, no plural.

Seria a mais provável hipótese.

Nesse caso, não há erro. O verbo haver auxiliar, em locução verbal ou tempo composto, tem o mesmo valor de ter, também auxiliar.

Basta que se pratique, na fala cotidiana ou linguagem culta.

Ele havia chegado cedo. Ele tinha chegado cedo. O tempo pode ser mudado a contento do redator ou falante. Eles haveriam chegado lá. Nesse horário, eles já teriam chegado lá.

Se a preposição ‘de’ aparecer, não há problema: o valor é o mesmo, em todos os aspectos gramaticais. Eles haveriam de comprar um carro novo. Ele haverá de chegar lá. Ele terá de chegar lá.

Nesse conjunto, haver caracteriza hipótese, e ter, certeza ou obrigação.

A Gramática dá inúmeros exemplos similares a este: Ele tinha comprado um carro, que tem o mesmo valor sintático e semântico de Ele havia comprado um carro.

Havendo locução verbal, em geral, surge a presença dos verbos poder ou dever, como auxiliares de haver.

Pode haver gente na rua (hipótese). Deve haver gente na rua (certeza?), e haver pode ser substituído por existir.

Mas cuidado se houver plural: se o principal flexiona, o auxiliar também. Podem existir pessoas na rua. Devem existir pessoas na rua. (Existem pessoas na rua.)

Se ‘poder’ ou ‘dever’ formar locução verbal com haver, a regra é: se o principal não flexiona (caso de haver, por ser impessoal), o auxiliar também não: Pode haver pessoas na rua. Deve haver pessoas na rua. ( pessoas na rua.)

Se o contexto permitir, ou se for do interesse do redator, o tempo verbal de Há pessoas na rua muda para passado ou futuro, fato que ajudaria o indeciso a corrigir algum erro (como na frase introdutória). Havia pessoas na rua. Houve pessoas na rua. Houvera pessoas na rua. Haverá pessoas na rua. Haveria pessoas na rua.

Por tudo isso, jamais se deve usar “Houveram muitos presentes na reunião” (sic), de um texto, ou “Haviam muitos presentes na reunião”. Assim, por diante. Regra imposta pela linguagem culta: haver impessoal, no sentido de existir, não flexiona. Todo livro didático de linguagem, nos diversos níveis, traz essa orientação, que, muitas vezes, é esquecida.

Se podemos usar Há gente na rua ou Existe gente na rua, seguindo a norma culta, a popular se embrenha por ‘Temgente na rua. Não seria problema ante o momento popular, mas no discurso de formatura fica a depender da referência, ou que o usuário saiba diferenciar os momentos para cada uso, e/ou distinga a linguagem culta da popular, e vice-versa. A versão popular Tem gente na rua pode ser resolvida com a redação ‘A rua tem (muita) gente’ (correta e simples).

Como se sabe, os dois primeiros exemplos são da linguagem culta, e o terceiro, da popular. Por isso, e com isso, deve haver cuidados com a redação. Se houver o plural, o verbo existir vai ao plural (repitamos essa regra).

O modelo Há meninos no parque passa a ser Existem meninos no parque. No entanto, se o uso é popular, nada muda: ‘Tem‘ meninos no parque (que se mantém no singular: ‘Tem‘ menino no parque). Se algum redator optar por ‘Têm’ meninos no parque’, que alguns estariam usando, o erro se torna duplo: além do lapso com o verbo, não pode haver acentuação gráfica diacrítica. Têm (forma plural) só deve ser usada quando se trata de texto em que ‘ter’ segue o padrão normal ou culto: João tem um carro. João e Maria têm um sítio. Ele tem saudade de você. Eles têm saudades de vocês.

Se o usuário pretender, ou tiver dons de variação de linguagem, poderá usar o verbo existir como paralelo ou substituto viável. A diferença é que existir flexiona obrigatoriamente (repitamos isso).

Valeu essa explicação?

Nosso popular é curioso. Analise o comentário a seguir.

“O sordado marvado sarta a carçada com as ‘carça’ na mão” (sic), dizia o caboclo, usando a aliteração (mesmo sem conhecê-la?) do jeito que lhe convém, o que é bom. Essa repetição de sons consonantais iguais ou semelhantes se assemelha ao sotaque do R gutural em certas regiões da Nação, como o fazem paulistas e paranaenses, salvo engano. A pergunta: continua esse caboclo a fazer uso de sua ‘linguagem’, sem imitar outros? Talvez, não, por vergonha de dizerem que está falando errado, o que não é bom. A cultura perde sua originalidade. O caboclo ou camponês que assim se expressa poderá mudar, sem ser prejudicado, se for à escola, e daí teria duas ‘linguagens’, a sua de caboclo e a norma culta aprendida nos cursos, para usar perante outros, de maneira formal e profissional. Importante esse novo aspecto, sem perder seu rastro de originalidade.

A propósito, lendo sobre a música forrozeira (se cabe o termo), e ouvindo-a com deleite, encanta a história de vida do cantor baiano Edigar Mão Branca. Conta que, jamais, abandonará seu chapéu de couro (e de baeta). Sempre, de chapéu. Deputado federal que foi, teve entrevero com a chefia da Câmara dos Deputados por estar sempre usando-o, que não abandonou. Fato curioso, e ele, autêntico.

As dançarinas que acompanham esse bom ‘vaqueiro, caatingueiro, forrozeiro’, ele de Itarantim (BA), são magistrais; uma delas cuja franja cai sobre o lado esquerdo da fronte, então, dá show por bailar tão bonito e elegante, e se parece simples. Ei-la superior a muitas em programas de TV.

A performance desse cantor de forró é que deve ser mantida: o homem de qualquer cantão deste País não pode perder sua originalidade para atender a desejos alheios, o que seria ‘um açoite em tempo de pelourinho’.

Para terminar: o que espanta é “Dispara casos de Covid-19” (sic), diz uma manchete cujo teor on-line ‘acaba’ matando a Flor do Lácio. A observação é que sujeito posposto (colocado após o verbo, caso acima) engana muita gente. A ordem direta (Casos de Covid-19 disparam) evidenciaria, mais facilmente, a concordância correta. Quem usa ‘Chegou muitos produtos (Chegou produtos novos?’) perceberia o engano: Muitos produtos CHEGARAM (Produtos novos chegaram?), em que fica claro o sujeito anteposto, tradicional na linguagem, citado abundantemente pela Gramática.

E compare:

Meu pensamento é um rio subterrâneo”, Fernando Pessoa. Sujeito anteposto. Mudemos para posposto por mera comparação: É um rio subterrâneo meu pensamento (o poeta não redigiu dessa forma).

“Lá vai a procissão da igreja do Rosário“, Carlos Drummond de Andrade. Sujeito posposto. Mudemos para anteposto por mera comparação: A procissão da igreja do Rosário lá vai (o poeta não redigiu dessa forma).

Respeitados os direitos autorais, não fica permitido alterar a opção de cada poeta, e a beleza da linguagem não estaria mantida. Este blogueiro, como outrem, não deve interferir.

O comum no dia a dia é a ordem direta, cujo sujeito é anteposto: Nós estivemos lá. O carro do lixo já passou? O comércio está aberto hoje?

Os escritores, de modo geral, também usam a ordem direta: “Seu Ribeiro enraizou-se na capital”, Graciliano Ramos.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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