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Pode haver crase se já existe uma preposição (até, contra) antes de ‘às’? Seria comum encontrarmos: até às (… horas)

Frase que serviria de comparação para a análise da redação até às: Seu Conrado, o senhor deve chegar ao escritório até às 10 horas da manhã.

No enunciado, já existe a preposição até. Cabe mais uma (a), tornando-se obrigatório usar até às?

Substituamos o substantivo horas, que é feminino, por um masculino, que não aceita o artigo a. Chegue até o meio-dia.

Em Chegue até o meio-dia, redação correta, não temos o conjunto até a (duas preposições), e o artigo a em seguida, como consta da frase inicial.

Fica claro que não existe uma segunda preposição (a), porque não é necessária, por isso, não pode haver crase: à (a+a).

Até, preposição tão popular quanto o quibebe mineiro, a paçoca nordestina, o pão-de-ló de todo o País, o hot-dog da turminha transviada, o arroz-doce baiano e a polenta capixaba, que estabelece relação de limite, fim, espaço ou tempo, e outros, já faz o papel da colega a.

Diz-se Andou de casa até o trabalho, e não Andou de casa até ao trabalho. Comeu e bebeu até ficar satisfeito (e não Comeu e bebeu até a ficar satisfeito). A biografia de Martin Luther King Jr. emociona até os adversários (e não A biografia de Martin Luther King Jr. emociona até aos adversários). Seu discurso famoso, I have a dream, impressiona pela mensagem profunda.

Portanto, já que há até, não cabe em seguida a preposição a, razão por que não se justifica até às. Simplesmente, até as (10 horas).

Artigo que usei em sala de aula, há um bom tempo (sou professor jubilado), usava até as em certos trechos, e até às, em muitos. Isso indica que o redator, que deixou bom texto, teve dúvidas, ou lhe passaram despercebidas essas duas formas. O texto redigia sobre o horário das provas do Enem de então.

Não parece obrigatória a redação Chegue até ao meio-dia.

Veja outra construção: Seu Conrado, chegue aqui ao meio-dia. Não existe a preposição até.

Agora, sim. Ao foi suficiente, e eficaz.

Acrescente a preposição até, seguida de ao, mantendo um substantivo masculino: Chegue até ao horário combinado.

Não ficou bem; até ao horário? Mais uma vez, fica claro que a presença da preposição a incomoda. Não é necessária.

Evidente que a boa redação recomenda, apenas, Chegue até o horário combinado.

Outra redação com crase havendo duas preposições (contra e a), encontrada em texto que fala sobre feminicídio: contra à família.

Seria aceitável se dizer Contra a você, em que há duas preposições? Você usaria Ele está contra ao amigo?

Todos são contra o racismo. Somos contra a discriminação. Fique contra o mentiroso. (Note o artigo masculino ou feminino, sem a presença de a.)

Se já existe a preposição contra, não poderá haver mais uma (a), seguida do artigo feminino singular a, para que se chegue à conclusão de que ficaria errado se não houvesse crase.

Se fosse correto assim se redigir, teríamos contra a a família: respectivamente, preposição (contra), preposição (a), artigo (a), substantivo (família). Contra à família.

Pense e anote: Você é contra a família (palavra feminina, mas sem crase). Você é contra o desvio de verba (palavra masculina, e sem crase).

Se usamos Somos contra os atos não-democráticos; Lute contra a corrupção; Foi sempre contra o mau administrador; Hoje, todos os Governos lutam contra a Covid-19, logo contra à não é bem-vinda. Apenas contra a (preposição e artigo, no caso de a sequência conter substantivo feminino) e contra o (preposição e artigo), no caso de haver na sequência substantivo masculino.

Mais uma pérola: A reunião foi marcada para às 18 h.

Se temos a preposição para, por que mais uma (a)?  A reunião foi marcada para as 18 h.

Redija o enunciado usando substantivo masculino: A reunião foi marcada para o dia seguinte. A reunião foi marcada para o mês de maio. A reunião foi marcada para o turno vespertino.

Não se diz marcada para ao dia seguinte, para ao mês de maio, marcada para ao turno vespertino.

Assim, apenas, A reunião foi marcada para as 18 h.

Concluímos, então, que a crase em até às, contra à, para às é, redondamente, inadequada.

Isso basta para esse assunto.

Para conclusão do comentário, estas sequências.

Grafias recomendadas: multipremiada e multirregulada (sem hífen). Note com atenção: se usamos multi-instrumentista (com hífen porque há duas vogais, como em micro-ondas), mas multissecular, assim como antirronco, antissemita.

As grafias multi-premiada e multi-regulada (muito usadas) não atendem aos requisitos da Reforma Ortográfica.

Parabéns ao redator que registrou Vai haver um megarrodízio em SP, assim como se usa cardiorrespiratório e cardiorrenal, grafias já consagradas, há muito tempo, em nossos léxicos.

Megarrodízio seria um termo novo, e deveríamos registrar megassena, como já se escrevem megasshow, megassistema, megarregião, megarreforma e megassalário. Se houver a grafia megarelógio, por exemplo, surge alteração do valor fonético do R, de relógio; com hífen, mega-relógio descumpre a norma ortográfica atual. Mega-sistema está fora; mega-reforma também, e megareforma, como mostrado em outro vocábulo, não segue os valores fonológicos da consonante R.

Muito comum falarem em ‘ferro velho’, que, com fundamento na exigência linguística, teria três aspectos gráficos: 1. Foi encontrado no monturo muito ferro velho. 2. O Ferro-Velho Avenida compra e vende sucatas de ferro. 3. O catador de material reciclável, auxiliando a Natureza, está em busca de ferro-velho para vender.

Dito popular cujo conteúdo merece atenção: O feio bonito lhe parece se você, com ele, se acostuma.

Agora, relembre o seu. Diga-o a alguém a seu lado, e façam um comentário. Há vários, e muito bonitos.

Para avaliar a vertente de famosos, veja estes dizeres:

A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla. David Hume, filósofo, historiador, ensaísta e diplomata escocês.

Quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece. Franz Kafka, escritor austro-húngaro (hoje, seria tcheco), que escrevia em Alemão. Sua obra-prima, A Metamorfose.

A arte de escutar é como uma luz que dissipa a escuridão da ignorância. Dalai Lama, Monge Budista; líder espiritual tibetano.

Obrigado pela visita. Volte aqui no crepúsculo do próximo dia.

João Carlos de Oliveira

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