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Vamos fazer uma compra na ‘quitanda’? O ‘quitandeiro’ vende barato, e até fiado

O quê? Fazer compra ‘na quitanda’? O que é isso?

Supostamente, a reação ao uso de quitanda seria de alguém mais jovem nos dias de hoje, salvo melhor juízo.

Desse vocábulo, temos ‘quitandeiro’, também um nome no esquecimento. Se não o é ainda, vai tornar-se termo desusado, ou arcaico, excluído pelos novos costumes.

A quitanda, praticamente, deixou de existir.

Agora, no seu lugar, minimercearia? Mercadinho? Uma barraca de frutas, verduras e doces das mais variadas espécies? Alguns usam fazer mercado no lugar de ir à quitanda? Seria mais chique?

Os tempos mudam, e o pensar de cada um vai alterando a linguagem.

Interessante, e parece que em todo o País, é que estão usando nova denominação para quitanda: coisas da roça.

E lá se vão os nomes. Cada visitante vai dar sua versão e contar sua história, e novas palavras surgirão conforme a região de quem comenta.

Podemos defender que certos Estados mantêm a tradição, e quitanda continua sendo ‘doces e gulodices da culinária doméstica, geralmente, de massa’ (MG, GO, SP); ‘legumes e hortaliças’ (RJ), entre aspas simples o que diz uma obra.

Como variante semântica, na região Norte, quitanda (ainda) é o lugar onde se vendia prata, conforme um dicionário que retrata o regionalismo vocabular.

A conclusão é que a denominação e o significado não mudaram: mercado, praça, lugar onde se compra e se vende (estabelecimento); a lojinha (inclusive ambulante); local onde se vendem frutas, verduras, ovos etc.; miudezas diversas, quinquilharias, ‘coisas gostosas’, ‘trecos comestíveis’ (mercadorias), mas o nome em si tem caído no esquecimento.

Surge, somente, ao se falar da cultura (antiga) de uma região ou quando o mais vivido da família lembra a época de sua infância ou juventude.

Até o tabuleiro no qual o quitandeiro expunha sua mercadoria foi chamado de quitanda.

Vemos, atualmente, pessoas com produtos desse tipo, regionais ou não, expostos nas feiras-livres, em praças e ruas, mas não denominam essa mercadoria de ‘quitanda’.

Ficou feio falar assim? O uso seria demonstração de um nível cultural ‘do interior’, razão de o nome ter sido alijado, preterido? E outro em voga banca o seu lugar?

Certo é que a cultura se traduz com usos e costumes, incluídos os falares de pessoas mais velhas, e como muitos se ‘modernizaram’, e a família ganhou membros novos (em virtude de os ancestrais terem falecido), os jovens preferem palavras modernas, condizentes com os seus olhares.

Bom lembrar que, na relação alfabética dos vocábulos, surge quitandê (parecido com quitanda), mas se trata de palavra vinda do quimbundo (idioma africano), definindo ‘feijão miúdo e verde que se usa em sopas e outros pratos, tirando-se-lhe a casca’ (por ser muito dura?).

Termos caem no esquecimento ou desuso.

Escambo. Troca de bens ou serviços sem o uso do dinheiro.

Seixo rolante (muito poético). Pedrinha arredondada no leito de riachos e córregos.

Belzebu. A maldição, o diabo, o capeta, Satanás, que seria capaz de atanazar (atazanar) a vida de alguém.

Rasputim (grafia aportuguesada). Um devasso, curandeiro, depravado, assim teria sido um russo de tempos idos. Esse o título de uma música, grandiosamente, cantada e interpretada por Boney M., cantor e dançarino americano (muito bom!), ele ‘and his three sisters’, que se tornaram, universalmente, conhecidos com a música Rivers of Babylon, one of greatest universal hits, com milhões de acessos na Internet.

Na minha idade tenra, quando um garoto usava esse termo seria para chamar o outro de o louco, o doido, o maluco.

Safanão. Uma tapa no pé do ouvido (como diz o nordestino). Empurrão. O ato de dar um tranco no inimigo.

Catrevagem. Variante de catervagem. Um bando de moleques. A chusma. A malandragem. No seu lugar, mais suave, caterva. Fiquemos calados! A caterva está chegando!

Bestunta (pronúncia bistunta). Um cálculo, previsão, que nasceu do pejorativo ‘bestunto’, cabeça de juízo acanhado; entendimento curto (como se fosse coisa de uma besta).

Besuntar. Melar, untar, passar óleo ou azeite em. Dar uma besuntadela nessa garota e dar-lhe uns amassos!, diria o caboclo atrevido.

Pinto pedrês. Um pequeno frangote carijó, empinando o pescoço, futuro galo do terreiro.

Mula xucra. Uma besta ainda não-domada, não-pronta para a montaria. Mansa, é animal de estimação, com picadinho que agrada ao cavaleiro exigente.

Vaca craúna. Fêmea do touro, (ela) de pele avermelhada, úbere e peito pretos, mansa e boa de leite.

Charqueada. Lugar onde se faz o charque, hoje, chamado carne-do-sertão. Em Nanuque, antes do frigorifico que lá está imponente, à margem do rio Mucuri, havia a charqueada, onde se comprava carne de segunda (que dormia ao relento no varal) de ‘boa qualidade’ e mais barata. Na linha-férrea Bahia-Minas, que saía de Caravelas (BA) para Montes Claros (MG), entre Nanuque e Carlos Chagas, depois do distrito de Mairink (ou Mairinque, hoje), havia a ‘Xarqueada’, cuja estação, histórica, pode ainda estar por lá.

Égua quatralva. A fêmea do cavalo, (ela) animal dócil, boa de campo e montaria, cujas patas, na parte inferior, eram brancas (quatro+alvo=quatralvo), e todo o restante dos membros de cor caramelada ou alazã. Muito bonita.

Empório. Loja de secos e molhados (entre outras definições), que deixou de existir. Compravam-se o açúcar natural (meio escuro, sem qualquer aditivo, do jeitinho que vinha do engenho), o feijão, a farinha, a banha de porco, o toucinho e outros víveres, o suficiente para o sustento de uma família grande por bom tempo. Arroz seria raro e produto de luxo, que poucos consumiam.

Quermesse. Uma festa da paróquia, com sorteio de bolos, frangos assados ou vivos, produtos regionais, e até um capado ou uma cabrita (chamada boda (´) por alguns). As prendas variavam como as pessoas: de todas as idades. A alegria era geral, e o padre agradecia. Todo o lugarejo estaria ali reunido, festejando-se. Um costume salutar que pouco se vê hoje; se surge, vem com mudança de comportamento e produtos.

Para concluirmos, proponhamos nova concordância, nominal e verbal, já que neofalantes circulam por aí à vontade. Há quem adote que a linguagem tem redação própria, e vão-se criando diversas vertentes. O sotaque, então, varia como se troca de roupa vinda da Ásia, muito colorida e chamativa.

“E aí eu se escondi. E depois novamente eu se escondeu no porão do pardieiro, e eles não me achastes. Após, se ele, o mais atrevido, não me acharam, de novo, eles procurou eu e eu nem estavas aí para elas, essas pessoas que ficam bisbilhotando a vida de nós, muito chata, que quer mandarem em mi. Foi assim que eu sumíeis no escuro, de uma hora para outra, e ninguém mim localizaram“, disse o neofalante, cujo conhecimento gramatical seria aceito se não tivéssemos aprendido as normas impostas pela Gramática Normativa.

 

 

João Carlos de Oliveira

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