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O que é linguagem? Como é a sua? E a tradicional? Nesses falares, seria fácil identificar o que é diferente?

Não falamos da tipologia conhecida linguagem falada e linguagem escrita, mas do modo como se fala e se escreve, expressando-se com sotaque, usando-se a semântica natural (denotação) ou figurada (conotação) com o modo sui generis de cada um, ainda sob o olhar do traslado de muitos vocábulos de origem indígena para o nosso Português.

Um exemplo marcante: caboronga. O que é? Caboclo, capiau, pessoa de pouca cultura?

Esse nome tem vida em nosso interior, em muitos locais da Bahia e de outros Estados da região nordestina, onde é muito conhecido. Dizem os textos que o termo tem origem na história dos índios Paiaiá, habitantes pacíficos do Centro-Norte baiano, além de outras regiões do Nordeste, e significa ‘água fresca‘.

Em nossa linda Cachoeira Grande de Jacobina ainda existe, encravado na área rural, no meio do cipoal caatingueiro, o lugar chamado Caboronga, em que cidadãos antigos usavam ‘calça curta’ (por falta de recursos para adquirir o pano da calça inteira), que gerou a expressão homem calça-curta, usada em sentido crítico, não pejorativo exatamente, como se fosse o simplório, o tolo, o tabaréu.

Não buscamos na Gramática Normativa a denominação Funções da Linguagem, incluídas a poética, que nos interessa (usada por Manuel Bandeira na obra Estrela da Vida Inteira), e a apelativa ou conativa, repetida pelo marketing comercial ou televisivo, que em algum momento deixa dúvidas quanto à sua originalidade, eficácia e importância. Para os marqueteiros, seria fácil ‘convencer’ alguém de que o certo não é ‘isso’ mas ‘aquilo’, com slogans, charges e outros, capazes de eleger candidatos a cargos políticos relevantes.

Como isso incomoda!

Certo é que a linguagem é rica, e temos um painel assombroso de falares linguísticos, que, a nosso ver, nem os mais distintos linguistas se deram conta de classificá-los ou agrupá-los, inda mais se esse estudo pouco poderia trazer a mais.

Vemos a grandeza da linguagem intimista da escritora Clarice Lispector, que não nasceu brasileira, mas ucraniana, e depois se torna a brasiliana autêntica, tanto isso comprova, que ficaram suas obras sublimes.

Intimista é a linguagem que vem do íntimo, que revela, profundamente, o interior e o exterior do escritor, e Clarice soube usar esse trunfo com maestria.

Sabemos um pouco do grandioso Guimarães Rosa com sua linguagem interiorana, bucólica, campestre, inovadora, plena de neologismos, como o fez em Sagarana e Grande Sertão: Veredas, suas obras-primas, salvo engano.

Temos a grandeza de João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina, que nos compraz com a riqueza de um Brasil gigante, mas desconhecido e desprezado, o Nordeste, obra retratada cinematograficamente por valiosos atores brasileiros, como se sabe também de Ariano Suassuna.

Tomamos conhecimento do que disse a cearense Rachel de Queiroz, ou Raquel de Queirós, registro abrasileirado, cuja linguagem traz o sotaque misto no falar de Padim Ciço, o Padre Cícero, que glorifica os nordestinos e, em especial, os cearenses, e o dela próprio e de seus personagens. O Quinze é a poesia da seca, da puberdade, ou a exuberância da paisagem nordestina. (Ainda menino, ficava boquiaberto a ouvir meu pai falar em Quixeramobim, cidade dessa terra, nome pomposo que significa ‘carne gorda‘, acredite!, e me inspirou a escrever um poemeto.) Essa linguagem merece tese de doutorado, que, se não usada, inda há tempo para dar destaque a essa riqueza. Melhor assim que, em outro momento, seja usado tema que não lembre um grão de areia de nossas origens ou raízes. O dicionário tupi-guarani diz, ainda, que ‘quixadá’, outro nome cearense de destaque, tem o significado poético de ‘pedra da ponta curvada’, e que alguns chegaram a usar ‘curral de pedra’. Quixadá, cidade bonita, justifica seu nome!

O cordel tem um manejo mirabolante de palavras, e, nesse vaivém, o que importa é a rima, nem sempre o aspecto semântico do vocábulo, que pode ganhar nova conotação.

O poeta pode rimar ‘penedio’, no lugar de penedia, com ‘pastoril’, talvez, com o mesmo tom de campestre, que rima com agreste, e campesino, que rima com ‘Seu menino’, e na vivência cotidiana surge uma gama de termos regionais de assombrar quem não se dá ao deleite de rever nossas origens ibero-portuguesas, árabe-persas, ítalo-espanholas, afro-indígenas, e mais um mundo de povos que nos deram, cada um e cada qual, um punhado de farinha, um milho vermelho, a tapioca de primeira, uma rapadura fresca, um beiju macio, e até uma vestimenta similar ao saiote, que não é o sueco, num período em que o camponês nem podia comprar um metro de brim, e comprava meio, para fazer ‘uma calça curta’, que lhe servia no corpo franzino, trabalhando a macaco na roça alheia, ou na sua própria. No Piemonte da Chapada Diamantina, depois de Jacobina, está a bela Cidade das Flores, Miguel Calmon, cujo munícipe tem o apelido de ‘calça-curta’, embora o gentílico seja calmonense. No momento hilário, calça-curta se sobressai a outras denominações.

Lembrando outros autores, Nelson Rodrigues, com sua elevada dramaturgia, escreveu Bonitinha, mas Ordinária, que virou filme, e a expressão não se tornou pejorativa: teve o condão de chamar a atenção para problemas conjugais de pessoas da alta sociedade (com casamento comprado). Esse campo é minado, e não é preciso aprofundamento, para não gerar desencontros de interpretação.

Athylla Borborema, cá entre nós, nosso novo presidente da ATL (Academia Teixeirense de Letras), por que não ler uma de suas obras? Sugerimos A menina do céu cor de rosa e Folia das palavras. O deleite poético será imenso, guardado para toda a vida.

O palavreado do advogado de defesa é ‘descriminar’, com o objetivo de não criminalizar seu cliente, porque, até prova em contrário, como diz o jargão forense, todo acusado é inocente.

Ao contrário de outro uso, que registra e repete o termo discriminar, isto é, ofender (confundido com descriminar), porque os atos discriminatórios têm vida em um Brasil preconceituoso. Há aquele que olha por baixo para um idoso, para um cidadão de baixa estatura, e sabemos muito disso, por estar no meio do certame: septuagenário e baixote, mas de consciência plena e tranquila, nada nos conduz a temer atitudes ofensivas e termos discriminatórios (“Oh! tio, você vai fazer o quê?”, na fila da casa lotérica). E o que fazer? Agir de modo que não se dê vazão a comportamento desse naipe, com o risco de vias de fato, e ainda pelo fato de um BO nem sempre trazer bons resultados.

Até a linguagem jornalística repete um padrão desaconselhável:

“Olha só. A covid-19, ela tá matando muita gente. Veja bem… O que acontece? Muitas pessoas não usam máscara. O povo, ele corre risco de vida quando não usa máscara” (sic).

O uso do advérbio soa, ressoa, e bate o tambor como num canto de guerra: em pouco mais de dois minutos, o termo foi usado cerca de seis vezes por jovem repórter.

Tornou-se refrão? Virou slogan? Por que gostam tanto dessa palavrinha, que ganhou mil e um significados?

“Cumpade, nóis chegou atrasado pro adjutório, mas cum vontade e saúde pra ajudar. Estamo aqui pra isso. Primeiro, vosmecê podi nus servir uma branquinha?”

Qual delas é a melhor?

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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