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Certas frases com mau e mal (palavras que têm sofrido muitos atropelamentos) e outras com suas respectivas flexões

Tão usadas, mas, nem sempre, devidamente empregadas e flexionadas como determina a Gramática Normativa.

Pelo que se ouve, e muito se lê, a dúvida sobre o uso de mau e mal seria generalizada, e até pessoas com bom nível cultural têm cometido enganos.

O primeiro princípio seria a comparação entre esses termos, considerando o significado, já que pela pronúncia a distinção se torna pífia, ou pouca diferença faz: nosso falar não leva em conta o L final de palavras, como Portugal, animal, braçal, ficando a sonoridade idêntica à de palavras terminadas em U, como bacurau, mingau, sarau. Daí para a frente, ‘mau’ e ‘mal’ estão no mesmo braseiro para assar o milho, e a lona do circo vem abaixo, deixando a plateia em descoberto.

O macete supimpa seria este: onde couber mau, cabe bom, e vice-versa; onde couber mal, cabe bem, e vice-versa, salvo alguma exceção rara.

Literalmente, não se levaria em conta a flexão de mal no plural, que seria ‘mais‘, porque vocábulos terminados em AL, EL, OL e UL seguem o padrão: perdem L e ganham IS, o que não é o caso de mal; ‘mais‘, na escrita e na pronúncia, iria confundir-se com seu homônimo, o mais advérbio, o que não seria de bom tamanho, além do possível prejuízo semântico em certas frases.

Para assegurar o conteúdo de mal, fugindo à regra, seu plural faz males, assim como mel, meles, mesmo que seja aceito o tradicional méis, que não tem homônimo escrito e/ou pronunciado.

A relação de vocábulos desse tipo seria fácil, e todos somos capazes de citá-los e flexioná-los: animal, animais; cordel, cordéis; caracol, caracóis; azul, azuis. E bom lembrar que fica excluído desse critério todo vocábulo terminado em IL: sendo oxítona, ou monossílabo, perde L e ganha somente S (funil, funis; ardil, ardis; covil, covis; vil, vis); se paroxítona, perde IL e ganha EIS (difícil, difíceis; projétil, projéteis; versátil, versáteis).

A questão é saber se a maioria teria condição de fazer essa comparação; parece que sim, mas, talvez, não queira se dar a esse trabalho, ou nunca o teria feito.

No caso de se admitir que ‘mal’ teria o plural ‘mais’, a confusão seria maior ainda. O enunciado O mal domina o ambiente (uma doença, o rancor, o ódio etc.), no plural, Os mais dominam o ambiente deixariam a entender Outras pessoas dominam o ambiente (os mais, isto é, os outros, indivíduos não citados antes). Pois, pois, seu Manuel, sua frase teria, oportunamente, outra conotação.

Os mais, os outros, ou os maiorais. Os meninos vão pela direita; os mais pela esquerda (frase cuja versão ou lógica fica a depender do contexto).

Além disso, temos a flexão de gênero: mau e má, e seu oposto, bom, boa. Mal não tem feminino. Ficaria fácil, mas justamente nesse aspecto é que surgem os lapsos, muitíssimos, deixando o bom usuário de queixo caído quando se trata de texto que deveria seguir o padrão culto da linguagem.

Por isso, a citação aqui de algumas frases, e que sirvam para apaziguar essa celeuma e melhorar o nível de conhecimento de quem preciso for, como dizia meu amigo professor Nelsinho, lá em Nanuque, nos tempos idos.

Quem tem mau hábito ou mau costume deve corrigir suas falhas (hábito e costume são palavras masculinas).

Quem tem má atitude e má aptidão deve corrigir suas falhas (atitude e aptidão são palavras femininas).

Os maus hábitos, como os maus costumes, podem ocasionar entreveros entre as pessoas.

As más atitudes geram dissabores entre os membros de uma sociedade, e as más aptidões no trabalho criam justa causa para a demissão, como se pode entender (pelo fato de o responsável por um setor não saber manusear uma motosserra).

Ele chegou num mau momento. Ele chegou num bom momento (frases no singular). Eles sempre chegam em maus momentos (frase no plural). Eles sempre aparecem em bons momentos (no plural e em sentido oposto à primeira frase).

As más línguas cortam como navalhas afiadas. Ops! Isso é verdade, professor?

Ele é um mau motorista ou ‘mal’ motorista? Qual o contrário de mau? Bom. Se cabe bom, logo, cabe mau. ‘Mal motorista’ não faz sentido, assim como ‘Ele sofreu um mau súbito’ (frase quase corriqueira por aí). Cabe bom nessa frase no lugar de mau (súbito)? Não. Logo, a resposta é ‘mal’ súbito (uma síncope, um ataque, uma tonteira).

Em Ele sofreu um mal súbito não cabe um bem súbito, mas se pode dizer Ele passou mal, Ele passa bem.

Ela chegou numa má hora. Ela convive com má companhia (frases no singular). Passemo-las para o plural: Elas sempre chegam em más horas. As brigonas vivem em más companhias.

As más ideias são um trampolim para o destrambelho. As más notícias atordoam e amedrontam. As más leis prejudicam sempre as pessoas menos protegidas.

O bom motorista guia com segurança seu veículo. O mau motorista é afoito e imprudente e pode causar transtornos no trânsito, haja vista o que tem acontecido nas estradas em todo o País.

Se resumirmos tudo, fica assim: bom, mau; boa, má; bons, maus; boas, más. Mal, males.

E se pensarmos um pouco adiante, que não confundamos mas, mais e más.

Ela saiu agora, mas não avisou para onde iria (mas é conjunção coordenativa adversativa, com o mesmo valor de porém, entretanto, no entanto, todavia, contudo).

Observação necessária é que nunca se deve usar ‘mas porém’, como uns fazem. Ou uma, ou outra. Ou Isto ou Aquilo, obra sublime de nossa querida Cecília Meireles.

Frase inadequada, que soa mal (não soa bem), é dita com afinco: “Conversei muito com ele, mas porém não concordou com meus conselhos”, disse o pai sobre o filho rebelde.

Conversamos muito, mas nada deu certo. Conversamos muito, porém, nada deu certo. Todavia, o erro persiste. No entanto, a vida continua. Entretanto, a luta não pode ser abandonada.

O portentoso Carlos Drummond de Andrade, em momento poético, no lugar de ‘no entanto’, como costumeiro é e diz a Gramática, no uso de conjunções coordenativas adversativas sinônimas entre si, para economizar e ser mais versátil nos seus dizeres de imensa criatividade, tascou lá com maestria: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto lutamos/ mal rompe a manhã./ São muitas, eu pouco./ Algumas, tão fortes/ como o javali./ (…), in O lutador.

Apoiado no mestre, ‘mal’, nesse contexto, não se trata de substantivo (doença, câncer), ou o oposto de bem, mas de conjunção subordinativa adverbial temporal: mal rompe a manhã (assim que, logo que, quando). Mal o dia nasce, o galo canta forte, e os primeiros raios de luz surgem no Horizonte poético e alvissareiro, iluminado pelo arco-íris sonolento.

(A propósito, o bem-querer é meu companheiro de luta. E abominemos seu antônimo, o malquerer, cujos plurais são os bem-quereres e os malquereres.)

Fiquemos por aqui. Em futuro não remoto, surgirão alguns gentílicos curiosos.

João Carlos de Oliveira

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