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‘Termina’ nesta semana as inscrições (…), forma muito comum de alguns iniciarem reportagem sobre concursos públicos

Esse engano linguístico tem sido corriqueiro, deixando uma interrogação: por que motivo a falta de concordância verbal se torna notória em muitos enunciados dessa natureza?

Em não se tratando do exemplo dado, há outros gritantes: ‘Acabou’ de chegar muitos produtos (…), linguagem de carros-volantes. Após isso, cita-se o nome da loja, e vêm mais esquecimentos linguísticos.

A SBW (nome fictício) ‘lhe’ convida para uma visita ao show-room, que fica à avenida… Ela ‘lhe’ aguarda… para ‘lhe’ atender…

Sabe-se que descumprimentos gramaticais existem, mas certa linguagem jornalística, em boa parte, tem deixado muitos lapsos se tornarem fortes.

Por que isso? Não seria o desconhecimento gramatical. Seria mais a despreocupação com a norma ou a improvisação ‘relaxante’ que comanda a redação a partir de uma frase ‘chamativa’?

O exemplo deste título introdutório se dá pelo fato, assim se analisa, de o sujeito posposto ser traiçoeiro.

Normalmente, a frase viria em ordem direta cujo sujeito fica anteposto (Seu Crispim e sua turma acabaram de chegar da Europa), mas se a mesma frase, mesmo sem a intenção do usuário, vier em ordem indireta, o risco de a concordância verbal ser negligenciada é grandinho, como na ênfase de tentar subir As Cordilheiras dos Andes esquecer uma ferramenta fundamental no sopé da montanha.

Acabou‘ de chegar aqui vindo da Europa Seu Crispim e sua turma. (Não leve em conta o acréscimo de uma ou outra palavra.)

E agora? Note, claramente, que a mesma forma verbal surgiu marcante no singular no segundo exemplo a ser comparado, que está na ordem indireta.

O cuidado é que o verbo esteja flexionado de acordo com o tipo do sujeito, não importando a ordem direta ou indireta; mas é fato que, na ordem indireta, o engano é mais evidente.

Seu Crispim e sua turma acabaram de chegar aqui vindo da Europa (ordem direta). Acabaram de chegar aqui vindo da Europa Seu Crispim e sua turma (ordem indireta).

Acabaram de chegar aqui, vindo da Europa, Seu Crispim e sua turma (ordem indireta, com o detalhe de haver a frase intercalada, com as devidas vírgulas).

Vindo da Europa, acabaram de chegar aqui Seu Crispim e sua turma (ordem indireta).

Acabaram de chegar aqui Seu Crispim e sua turma, vindo da Europa (ordem indireta).

Seu Crispim e sua turma acabaram de chegar aqui, vindo da Europa (ordem direta).

Em tempo: cada frase tem uma ordem direta, podendo ter várias indiretas.

Pesque esta: Saio para o trabalho bem cedo (direta). Para o trabalho, bem cedo, saio. Bem cedo, para o trabalho, saio. Para o trabalho, saio bem cedo (indiretas).

A depender da ordem, uma frase pode precisar de uma vírgula: Porque chegou atrasado, não foi atendido (ordem indireta); Não foi atendido porque chegou atrasado (ordem direta).

Numa aula sobre pontuação, incluído o uso da vírgula, testei jovens do terceiro-ano do Curso Médio com frases similares, solicitando que a vírgula fosse eliminada, e não houve acerto. Os testados ficaram pasmos e ainda contestaram a explicação. No entender de uns, bastaria que a frase fosse reescrita sem a vírgula. Nada mais. E a lógica? A frase deveria ser reescrita em certa ordem em que a vírgula seria (fosse) desnecessária ou ilógica. “Nunca vi isso”, alguém disse.

Em tempo: a Gramática Normativa, comumente, explica Sinais de Pontuação, mas acaba incluindo nos ensinamentos a Virgulação, que cuida do uso da vírgula e não, apenas, do ponto, ponto-e-vírgula etc. Engraçado?

Teste, ainda, estas: Na rua, muitas pessoas. O dinheiro, guarda-o no banco. Quando você saiu, ela chegou. (A resposta está no final, mas não se antecipe.) E ainda: O dinheiro, guarde-o no banco. O dinheiro, ele o guarda no banco. O dinheiro, ele guarda-o no banco.

Fica claro que a ordem das palavras na frase pode enganar o redator, como alguém que vai por uma estrada costumeiramente, sabendo como é o relevo do lugar, mas, após uma chuva, surpreende-se com o que vê. Terá que usar a criatividade para transpor os obstáculos. No dia em que a cacimba tinha pouca água, o camponês teve que pensar: esperar a chuva, cavar um buraco ao lado ou limpar a lama que estaria impedindo a saída de um fluxo maior de água?

Acabaram de chegar muitos produtos à loja (ordem indireta). Muitos produtos acabaram de chegar à loja (ordem direta). O uso da ordem direta ou indireta é preferencial, ficando sob o prisma do estilo de cada redator ou do momento.

Reveja as frases anteriores, agora corretas, que descumpriram a regência verbal.

A SBW convida-o para a inauguração de sua nova filial. A SBW o convida… que fica na avenida Minnesota. (A moradia fica no bairro, e não ao bairro.) E mais: aguarda-o. A loja SBW o aguarda para atendê-lo com prazer. A SBW aguarda-o para o atender com muita atenção.

Até certo artigo jurídico, usando o verbo implicar, que é transitivo direto, usou-o como indireto, fato que está se tornando tradicional. ‘Isso implica em descumprimento da lei’, algo similar. Isso implica descumprimento da lei (forma correta gramaticalmente, sem o uso da preposição em).

Para fechar (antes da resposta do treinamento do uso da vírgula), estas observações: recenseador, e não rescenceador, rescenseador, recenceador. De censo, recenseador, da família de censor, censura, censurador. De senso, sensível, sensitivo, sensibilidade, sensor.

Uma inusitada: Eu me protejo. Você se proteje (aviso sobre o uso da máscara em uma repartição pública).

O verbo proteger, em virtude da pronúncia, adapta-se fonologicamente na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo, por isso, grafado com jota, mas na sua sequência (na pessoa você, singular, do mesmo tempo e modo), volta à normalidade: protege. Eu me protejo, tu te proteges, ele (você) se protege, nós nos protegemos, vós vos protegeis, eles (vocês) se protegem.

Costuma-se usar Fica com a gente em certos enunciados propagandísticos. Se o tratamento anterior a essa frase foi você, o correto é Fique com a gente. O uso de Fica com a gente implica que o tratamento tenha sido, antes, tu e vai continuar (Tu és meu amigo, tu foste cliente desta loja, tu estás convidado a nos visitar para conheceres nossas novidades).

Essa é a exigência da norma culta, mas muitos não a seguem. A Uniformidade de Tratamento (o uso do mesmo critério de concordância verbal no texto, conforme as regras, para os pronomes você, tu, nós, vós etc.) não vem sendo adotada, deixando a linguagem como caramelo que rodopia na boca banguela para todos os lados. O que é feio? ‘Na boca banguela’ ou o hábito de maltratar o idioma?

Resposta da brincadeirinha anterior: Muitas pessoas na rua. Guarda o dinheiro no banco. Ela chegou quando você saiu. Guarde o dinheiro no banco. Ele guarda o dinheiro no banco (para as duas últimas).

Crie, agora, suas frases com vírgula e, depois, elimine-a. Ou sem vírgula e, depois, coloque-a. Os motivos do uso ou do não-uso são diversos, e você aprenderia estudando com afinco as regras do uso da vírgula, se isso for preciso.

Abraços.

 

 

João Carlos de Oliveira

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