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A grafia ‘rolêzinho’, que se pode ver em textos, quanto ao acento circunflexo, está correta?

O assunto não tange à atual Reforma Ortográfica, que ainda deixa dúvidas, em especial quanto ao emprego do hífen em palavras que circulam em artigos nobres, ora deixando de ser usado, ora colocado sem motivo lógico.

As regras ortográficas, quase sempre, trazem contradições, o que desagrada ao iniciante, até aos usuários conhecedores da linguagem culta.

Assim que passei a conhecer as regras da atual Reforma Ortográfica, minha ‘análise’ entendeu que os ditongos decrescentes ‘ei‘ e ‘oi‘, de som aberto, não teriam mais o acento agudo diferencial para distingui-los de seus congêneres de som fechado.

Entendia de forma ampla: ideia, Neia (nome de pessoa), assembleia como tabloide não seriam mais acentuados. Desavisado, considerei que também seria extinto em ceu, doi, remoi etc., o que foi um lapso.

Mais tarde é que descobri meu ledo engano: somente as palavras paroxítonas com esses ditongos é que não deveriam mais ser acentuadas graficamente. Ideia, plateia, dona Neia, boleia, assembleia, como negroide, celuloide, trapezoide (antes, acentuadas), mas mantida a pronúncia de cada palavra. As que não mudaram são as monossilábicas e oxítonas: dói, céu, rói, escarcéu, mundéu etc.

Surgiram em minha cachola dois questionamentos: já que o acento desse naipe foi extinto, por que não em todos os tipos de palavras (monossílabos, oxítonas e paroxítonas)? (O primeiro.)

E os aprendizes, em especial, crianças e jovens que estariam tomando conhecimento da grafia e pronúncia de certos vocábulos, como iriam diferenciar foi e dói, Néia e veia, até chegar a corticoide?

Para esse grupo, como pronunciar corretamente a palavra Tamoio? Com som fechado ou aberto? Como distinguir a pronúncia de oi em dodoi e comboio? Justo que cada um iria aprender a forma correta em aula, mas o aprendiz, mesmo com bom nível, poderia não distinguir o som fechado de oi em foice e o aberto em xifoide? (O segundo.)

Se o acento foi abolido em um tipo de palavra, deveria sê-lo também em todas para haver a ‘isonomia’ da regra. Mas não foi. Justo que dodói, na linguagem infantil, mesmo sem o sinal gráfico, já teria sua pronúncia aberta.

A aprendizagem tardou um pouco: monossílabos e oxítonas continuam com o acento; as paroxítonas, não. Tireoide perdeu o acento, mas corrói, como está, o mantém.

Um certo conhecido, pessoa culta, tem o hábito de pronunciar ‘protéico’, de som aberto, como se fosse ‘protêico’, de som fechado, que não existe. Escreve-se ‘proteico’, hoje, mas a pronúncia continua aberta.

Outro aspecto da Acentuação Gráfica, que me corroeu alguns neurônios, foi o comentário de um mestre, em obra antiga, que não sei onde se encontra, dizer que o adjetivo ‘boa’ (claro, o feminino de bom), assim como canoa, ensaboa, perdoa, coroa etc. não poderia ser acentuado graficamente com o circunflexo ( ^ ), e todas manteriam a pronúncia fechada; entretanto, o substantivo ‘boa’, nome de uma serpente, deveria ser acentuado: A Bôa é uma serpente. (Essa regra não constaria da Acentuação Gráfica da Gramática Normativa.)

Como adjetivo ou substantivo, a grafia seria igual: Você fez uma coisa boa. A Boa é serpente traiçoeira. Qual a boa de hoje? (a notícia.)

O circunflexo em bôca, o órgão, como o usado em palavras com sentido figurado, a bôca do rio (a foz), a bôca da onça (o enigma) etc., para diferenciar de boca (forma verbal, de bocar, o mesmo que abocanhar), foi um descalabro.

A diferenciação surge no contexto: Ela tem uma bonita boca. A boca do rio está assoreada. O cão boca o pedaço de carne e foge.

O uso de acento gráfico nesse caso ou em similar se torna regra ineficaz ou ilógica por se desprezar o critério do contexto: vale a escrita e não a palavra solta. Sua boca está suja. A boca do rio São Francisco se dá no Oceano Atlântico. Coitado, caiu na boca da onça. O cachorro faminto boca a carne no prato da criança.

Até uma palavra vinda de outro idioma pode deixar dúvida.

Montreal, cidade canadense, em Francês, deve ser Montréal, mas a escrita em Português do Brasil tem surgido de três formas (Montreal, aportuguesada; Montrêal, cujo acento é desnecessário, e Montréal, forma não-aportuguesada), grafias que se destacam com a pronúncia fechada da vogal ‘e‘, a considerada correta. Entretanto, pode-se ouvi-la com a vogal aberta mesmo sem o sinal gráfico. Não seria um modo estranho?

Sim, rolezinho, como dendezinho, purezinho, de som fechado, e pezinho, de som aberto, não devem ser acentuados graficamente, isto é, perderam o acento circunflexo e grave, respectivamente. Não existe nem existiu pézinho.

A dúvida ocasionou a grafia ‘rolêzinho’, que em outro artigo estava correta, rolezinho (mantido o som fechado da vogal ‘e‘).

Usava-se pèzinho, como sòmente, fèzinha, para designar o derivado; o acento grave se justificava por se tratar de sílaba subtônica. Entenda pela ordem a classificação das sílabas: pè-zi-nho; pè, subtônica (antes, tônica); zi, a nova tônica, e nho, átona, uma postônica.

Esse critério continua, embora o acento gráfico tenha sido abolido. Em somente: so, subtônica; men, tônica, e te, átona (postônica). Em cafezinho: ca, pretônica; fe, subtônica; zi, tônica, e nho, postônica.

Essa forma de analisar as sílabas não é adotada no âmbito escolar até o segundo grau, pelo que se sabe.

Algumas palavras, respectivamente, antes e depois da Lei Federal de n. 5.765, de 18 de dezembro de 1971, cujo objetivo foi abolir o acento diferencial, o acento grave da sílaba subtônica e o trema: “Aprova alterações na Ortografia da Língua Portuguesa e dá outras providências” (sic).

Aboliu o trema nos hiatos átonos: a grafia saüdade indicaria que esta palavra teve a contagem de 4 sílabas, e não de três, o padrão, isso na métrica. Saiu o trema, mas ficou a possibilidade da contagem, se o escritor o quisesse. O trema tradicional, como em seqüela, é que foi extinto na recente Reforma Ortográfica.

O acerto diferencial em e e o foi extinto (medo, vogal tônica aberta, sem acento, é o indivíduo da Idade Média; em mêdo, vogal tônica fechada, por isso, o acento; sinônimo de receio, pavor). Foi usado em govêrno, s. m., para diferenciar de governo (eu), forma verbal. Eu dobro; o dôbro. Permaneceu, entretanto, como até hoje, embora nem todos usem, em pôde, terceira pessoa do singular no pretérito perfeito do indicativo para diferenciar de pode, mesma pessoa, no presente do indicativo, do verbo poder. Ontem, ele não pôde vir até sua casa; hoje, ele pode.

Pèzinho, antes; pezinho, hoje.

Sapèzinho e sapezinho; Manèzinho e Manezinho; pòzinho e pozinho; fèzinha e fezinha; cocôzinho e cocozinho; capôzinho e capozinho; Sinhôzinho e Sinhozinho; bangalôzinho e bangalozinho; sòmente e somente; sòzinho e sozinho; filèzinho e filezinho; chapèuzinho e chapeuzinho; àrvorezinha e arvorezinha; purêzinho e purezinho; por isso, rolêzinho, antes da Lei, e rolezinho, hoje.

Abraços.

 

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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