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‘Cheguemos mais cedo’, disseram eles (em relação a terem acabado de chegar de viagem). ‘Só pesquemos dois peixes’, outros ao confirmarem o resultado da pescaria

A flexão verbal cheguemos não foi usada para pedir aos viajantes que chegassem mais cedo, na forma imperativa.

Essa maneira de expressar o tempo verbal, indicativa do passado perfeito, está correta? Por que isso acontece? Por que alguns alteram a flexão do verbo quando a intenção é usar o pretérito perfeito do indicativo?

Várias obras analisam a linguagem, inclusive as que costumam comentar a estilística e seus efeitos na Literatura, em que se destacam comparações com o cotidiano, na poesia e no romance.

A linguagem popular, em especial, a coloquialidade, não ‘se preocupa’ com a adequação das desinências verbais modo-temporais para a indicação do tempo do verbo.

Chegamos, presente e passado; cheguemos, presente do subjuntivo e imperativo.

Não ‘se preocuparia’ ou ‘não as conheceria’?

A dedução é que muitos usam os tempos verbais conforme a tradição popular, embasados na reminiscência de tempos idos. Aprendemos isso no dia a dia ao ouvi-las; inclusive, a Literatura de Cordel retrata essa linguagem.

Além da aprendizagem nos diversos cursos de LP, como o de Letras, de Pós-Graduação de Língua Portuguesa, com os momentos de aulas, com toda a consulta aos dicionários e gramáticas, com artigos que escrevi para jornais, e os que li, a boa ‘audição’ nos ensina a aprender um pouco mais o nosso controverso idioma, com suas regras nem todas simpáticas, e tudo isso implica ensinamentos, legítima  literatura popular a céu aberto, ou no colóquio cotidiano.

Em certo momento, pode-se dizer que se aprende mais com a prática que com a teoria, e essa convivência com a linguagem é uma aula nobre, permanente e múltipla, momento em que o falar é mais rico que o escrever.

Se conjugamos os verbos regulares chegar e pescar, notamos, claramente, que a flexão verbal na primeira pessoa do plural, no presente e no pretérito perfeito do indicativo, é a mesma (a mesmíssima), e esse fato, normal para a Gramática Normativa, anômalo para o falante, que pode ser iletrado, é-lhe estranho.

Tudo ‘igual’ se o tempo é diferente? Por isso, para ‘não cometer erro’, resolve, por si mesmo, falar diferente: para ele, chegamos e pescamos são somente do presente (do passado, não!), e para dizer o passado lança mão de seu conhecimento natural, e tasca diferente: cheguemos e pesquemos (essas formas, sim, é que indicam que o fato se deu há algum tempo, e não agora).

Quer recordar essa comparação?

Eu chego, tu chegas, ele chega, nós chegamos, vós chegais, eles chegam. Eu pesco, tu pescas, ele pesca, nós pescamos, vós pescais, eles pescam (no presente do indicativo).

Eu cheguei, tu chegaste, ele chegou, nós chegamos, vós chegastes, eles chegaram. Eu pesquei, tu pescaste, ele pescou, nós pescamos, vós pescastes, eles pescaram (no pretérito perfeito do indicativo).

Releia as flexões e observe com toda acuidade que as formas verbais são iguais para tempos diferentes, e isso intriga alguns usuários, em especial, quando a linguagem é falada. Por isso, eles ‘as alteram’.

A grande maioria dos verbos regulares, na primeira pessoa do plural, tem a mesma flexão nesses dois tempos. Basta que o visitante compare o que fala e o que escreve quando usa verbos populares (amar, comprar, vender): amamos, compramos, vendemos (presente e passado perfeito). Até o verbo sair tem esse aspecto: eu saio, tu sais, ele sai, nós saímos, vós saís, eles saem (presente). Eu saí, tu saíste, ele saiu, nós saímos, vós saístes, eles saíram (passado perfeito).

Razão por que mudam ‘por conta própria’.

E as grafias do título estariam incorretas? As grafias, não. Vale a intenção do usuário, o modo de ele dizer o que quer; os costumes, o regionalismo. Talvez, não conheça, mas essa troca é uma questão de ‘semântica’ (o sentido que damos a um termo). A grafia não importa. O erro está no conjunto: flexão e significado.

Estariam usando os verbos no imperativo afirmativo, vindo do presente do subjuntivo, e não no ‘passado perfeito do indicativo’, como o contexto demonstra: cheguemos mais cedo (porque acabaram de chegar; se fosse uma pessoa, teria dito ‘cheguei mais cedo’); como em pesquemos dois peixes (porque acabaram de chegar da pescaria com dois grandes bagres na cesta, mostrando-os; uma pessoa teria dito: ‘pesquei dois …’).

Conjuguemos os dois verbos no presente do subjuntivo: que eu chegue, que tu chegues, que ele chegue, que nós cheguemos, que vós chegueis, que eles cheguem; que eu pesque, que tu pesques, que ele pesque, que nós pesquemos, que vós pesqueis, que eles pesquem.  Cheguemos cedo (pedindo para chegar); pesquemos muitos peixes (pedindo que a pescaria seja boa).

O presente do subjuntivo, de modo geral, não é usado corretamente na fala popular. Seria comum alguém dizer ‘ele pediu que eu vou falar com ele’. ‘Que eu vou‘ destoa da norma. Pediu que eu vá!

Lembre-se: nunca use Eu tinha chego. Eu tinha compro.

Que eu vá, que tu vás, que ele vá, que nós vamos, que vós vades, que eles vão. Presente do subjuntivo, um tempo enjoado, de uso não muito fácil. Assim como o pretérito mais-que-perfeito, vem caindo em desuso. Ficou impopular. Da mesma forma, o imperativo afirmativo de muitos verbos. Ainda há formas iguais entre o presente do indicativo e o do subjuntivo: vamos, vão. Vades parece estranho, há até quem questione se não seria uma forma ‘errada’.

A linguagem apelativa usa na maioria de suas mensagens o presente do indicativo como se fosse imperativo afirmativo: vem para cá, compra agora, liga para nós, chama no interfone.

Já que o nosso tratamento popular é ‘o você’, as flexões acima devem ser: venha, compre, ligue, chame (flexões necessárias porque existe a prova robusta: na sequência do texto, aparece o termo você, usado no dia a dia).

Vem para cá é forma correta se o tratamento é a pessoa tu, que costumam não usar. Em outro aspecto, misturam a forma de tratamento: começam com você, mudam para o tu. Se começam com o tu, mudam para você.

Não estão seguindo a uniformidade de tratamento, e além do ‘erro de flexão’, é um descaso. Imagine um texto em que o redator se dirige a uma pessoa usando, ao mesmo tempo, as formas de tratamento você, tu, vós, vocês. Um descalabro, bagunça que empobrece a linguagem. Reclama-se muito do ‘Nóis vai’, mas o ‘Vem pra cá para nos visitar e fazer suas compras aqui com nós’ é um intrincado de linguagem, tão ‘incorreto’ quanto o outro.

Vem para cá para nos visitares e fazeres tuas compras aqui conosco (que nos alegramos em te receber em nossa empresa). A forma de expressão da linguagem culta deve seguir o mesmo tratamento gramatical, o que não fazem.

Numa audiência de separação judicial (quando ainda não havia o divórcio direto), como advogado da esposa, o MM. questionou o porquê do motivo do pedido (o juiz tenta conciliar as partes), e o homem respondeu: “Não sei, porque nós nos ‘amemo’ muito.”

Se se amam tanto, por que iriam se separar? (O pedido era dela.) E ele ao flexionar o verbo amar, usou amemo para ‘amemos’, que seria Nós nos amamos muito.

Amemos, do presente do subjuntivo. Amamos, do presente do indicativo. Mas nem todos fazem a diferença.

Em certo momento, a Gramática Lusófona já diferencia esse caso assim: amamos, compramos, chegamos, pescamos (presente) sem acento gráfico, e amámos, comprámos, chegámos, pescámos (passado perfeito). O acento agudo distingue um tempo do outro; a pronúncia é a mesma. O Português de Portugal segue esse sistema; o Português do Brasil, não.

Interessante para um leigo no idioma como este escriba, como gostava de dizer nosso saudoso acadêmico, escritor, jornalista e radialista Ramiro Guedes (recentemente, falecido): tu em Espanhol tem o valor de teu, tua; tus (que não usamos em Português) corresponde a teus, tuas. E quando querem dizer o mesmo que o nosso tu, usam .

Saudações literárias.

João Carlos de Oliveira

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