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Em algum momento, a clareza linguística é necessária. O leitor pode não conhecer facetas outras de uma palavra ou expressão

Cada um teria seu modo de ver o que nos rodeia.

O feijão, que pode estar associado ao arroz, se é que continua nosso prato nacional, tem seu jeito de ser. Um pouco de sal a mais, uma gordurinha a menor, um pedaço de toucinho, uns dentes de alho antes ‘apertados na banha de porco’ para dar mais gosto, e a variedade de costumes que ocorrem em todos os cantos de nosso torrão; cada qual no seu lugar, no momento certo.

Em alguns restaurantes, não se veria que esse seja o prato preferido de cada ‘comilão’; a comilança varia, e os ingredientes são outros; pega muito se houver uma novidade estrangeira ou um prato criado por chef famoso.

Se até o feijão-fradinho varia, nossa linguagem pode ter o cardápio diferente quanto ao nosso falar e escrever, motivo por que algum termo precisa ser explanado, ou uma expressão nova deve ser sublinhada (sub-li-nha-da) para ficar esclarecida.

O pin pode não ter sido bem explicitado. Ouvindo certos expertos dos trâmites da Informática, explicando/analisando o funcionamento de uma coisa ou outra, há quem diga que se trata de uma senha criada pelo usuário para ter acesso ao computador, ao celular, à conta bancária, ao  famigerado ‘zap’, onomatopeia chique para o universal WhatsApp etc.

Mas o pin, que pode ser numérico ou alfanumérico, não é exatamente a senha em si. Um se diferencia do outro. Pedro da Jurema usa 70070700, que pode ser uma senha, para abrir seu aparelho laptop, e Josefa da Aroeira, 70ABBA07, que pode ser um pin.

Fui informado de que o pin seria, apenas, numérico. Cheguei a criar um exemplo e anotar o critério num caderno.

A senha alfanumérica é charmosa: tem seu momento de letras e números, mas não fica claro se seriam apenas nessa ordem, ou se podem vir (em primeiro plano) os números e, no sopé da ladeira, as letras, isso o que nem sempre os doutos ‘explica pra nóis’, porque eles não dizem onde o parafuso deve ser colocado. Só falam que se deve usar um parafuso, mas quando isso for necessário, um deles deve ser chamado e cobrar mais caro, ou o cliente fica na fila de espera (porque o especialista estaria atendendo em lugar ermo e não sabido). Balela: estaria dormindo, no bar tomando a gelada, batendo papo com ela no zap, ou zanzando na rua à procura do que não lhe cabe.

Sim, para receber uma pecúnia a mais, encarecendo o serviço prestado, nem sempre bom, ou inflacionando a tecnologia.

Antes, tínhamos uma ficha e íamos ao orelhão (que hoje estaria contaminado pelo vírus do intruso Corona) e mantínhamos uma pilhéria com o amigo ou parente, e tudo estava certo. Ninguém ficava prejudicado. A morte por suicídio de um ídolo, um acidente interplanetário, o choque de petroleiros no Oceano Índico, a tempestade de areia no deserto saariano, tudo, tudinho, a gente sabia, embora pudesse demorar um pouco. Hoje, porém, vivemos outras situações, com tantas nuances, que o iniciante se perde. Que boa revista lemos?

Por que o vexame do mundo atual? Por que essa pressa de fazer ou saber de modo tão rápido? Essa ‘informação’ se torna a desenfreada desinformação; o mito se torna verdade, e a verdade pode tornar-se um mentira cabeluda, recheada de termos novos do Inglês ou do linguajar de um grupo que quer mandar no pedaço.

Não passamos mais telegramas! Não enviamos mais um cartão postal para a namorada! Não temos mais um pôster tirado da Torre Eiffel. Há inovação, que já está ficando arcaica, como a tal selfie (e não precisa explicar que é a foto tirada pela própria pessoa) na cabeça de um despenhadeiro com o risco de cair ladeira abaixo, e alguns caíram.

Em algumas passagens do texto, o esclarecimento é necessário. Por que o cronista que se destaca no mundo midiático escreve ‘analises’ no lugar de ‘análises’? Mas isso é a mesma coisa, teria dito o defensor do indefensável.

Não é, não será, nunca seria, nunca foi.

O verbo analisar é derivado de análise com o acréscimo do sufixo verbal -ar: análise+ar=analisar, pelo chamado processo de formação de palavras, a derivação sufixal ou sufixação.

O substantivo análise é um vocábulo proparoxítono, cuja acentuação gráfica e tônica ocorre simultaneamente no mesmo lugarzinho: a terceira sílaba, a contar da direita para a esquerda (de trás para a frente), a tônica, que deve ter um acento gráfico, agudo ou circunflexo.

Matetica, simlico, náufrago, rítmico, efago, glóbulo, lânguido, simplicíssimo, nite, Flórida e Ágata, exemplos de proparoxítonas, entre adjetivos, nomes comuns e próprios.

Se ‘analises‘, como substantivo, não recebeu o acento gráfico, um agudo, na sílaba tônica -na, passamos a ter uma forma verbal, e não adianta discutir que houve esquecimento, que fulano não sabia ou quis ousar pelo fato de ser contra regra gramatical. O cara faz como lhe dá na telha, e pronto?

Eu analiso, tu analisas, ele analisa, nós analisamos, vós analisais, eles analisam. Presente do indicativo.

Que eu analise, que tu analises, que ele analise, que nós analisemos, que vós analiseis, que eles analisem. Presente do subjuntivo.

Eis, de forma clara, a diferença entre o substantivo análises (plural de análise) e a forma verbal analises (2a. pessoa do singular), no presente do subjuntivo.

Mas não ‘tem problema nenhum’ deixar o substantivo sem acento, teria dito o usuário defensor da façanha. E completaria: para bom entendedor, meia palavra basta, ou que o contexto nos ensina o caminho certo!

Papo-furado. Vale o que está escrito. O que deixou de existir pode prejudicar o entendimento do intérprete.

Pedro de Alcântara da Silva não é Pedro Alcântara da Silva nem Pedro Alcântara Silva. Pessoas homônimas têm sofrido danos morais e materiais em todo o Brasil quando alguém pratica um crime e outrem, injustamente, é que é o incriminado por causa de um acento, de uma vírgula ou de uma preposição.

Lembro-me de que, há anos, pessoa dizia ‘Pode deixar que eu ‘datigrafo’ o texto’ (uma prova seria datilografada no estêncil e passada no mimeógrafo).

Eu datilografo, eu medico, eu mimeografo; tu datilografas, tu medicas, tu mimeografas; ele datilografa, ele medica, ele mimeografa.

Pense um pouco e soletre as formas verbais acima: alguém teria dificuldade de falá-las corretamente, à primeira vista, e de supetão, por confundir com os respectivos substantivos: datilógrafo, datilógrafa, médico, médica, mimeógrafo.

Nem todo mundo distingue estes dois casos: eu da-ti-lo-gra-fo (forma verbal paroxítona) e da-ti--gra-fo (substantivo comum proparoxítona).

Na pressa, há quem possa confundir florida com Flórida; adica com ela medica; eu designo com o desígnio. Os desígnios de Deus são incontestáveis. (Leia com o devido destaque às sílabas tônicas.)

Meio triste vermos uma atendente ter dificuldade de ler Dona Cipriana, Seu Clarêncio; Dona Clemência, Seu Fulgêncio.

“O problema é que o Governo não ‘de-si-gui-na’ o número certo de professores” (sic), pronúncia que se pode ouvir em reuniões pedagógicas (e já a ouvi muitas vezes).

Eu de-sig-no (ele é dig-no), ele de-sig-na (o tumor é ma-lig-no). Compare as grafias e pronuncie as palavras em voz alta (será bom para uma possível leitura pública um dia).

Fechando o debate de hoje.

O DIA QUE NUNCA ACABA, minha recente obra de poemas, está à venda na Scortecci Editora (São Paulo), na banca Sete de Setembro (de Gustavo) em Teixeira de Freitas, e com o grande jornalista Ademir Rodrigues, em Nanuque.  Além de muitos amigos e parentes fazerem a divulgação e terem já ‘empurrado’ essa coisa linda para a frente.

A última estrofe do poema Raízes, pág. 22:

                                                                                sinistro cotidiano

                                                                                o homem moderno

                                                                                morre afogado

                                                                                na lágrima doentia

                                                                                de seu próprio manguezal.

 

“Aquele abraço!”, conforme nos ensinou Gilberto Gil.

João Carlos de Oliveira

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