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Como grafar o adjetivo: semi-aberto, semiaberto ou semi aberto? O que a Gramática Normativa nos preceitua?

Bom-dia, caro visitante.

Hoje, o comentário simples de algo do momento, que tanto se vê no cotidiano, a dúvida sobre a grafia de adjetivo precedido de prefixo.

A Gramática Normativa já ‘labuta’ com essas regras há muito tempo, e sempre nos encontramos diante de dúvidas. O resultado é que as grafias circulantes não são unânimes.

No dia a dia, cartazes existem com vários tons. O que fazer?

De novo, consultar a norma, ter bom senso e comparar o que se escreve com o que se fala (‘pirigo’, ‘disconto’, ‘distaque’ e outros são pronúncia; perigo, desconto e destaque formam a escrita), e isso nós sabemos. Trata-se da luta entre a linguagem popular, informal, com a linguagem culta escrita, formal, o que devemos levar em conta para nos sairmos bem, ou menos pior. Além de tudo, a consulta a um especialista, o redator de jornal, por exemplo, para que uma empresa não cometa a gafe de escrever ‘insenção de taxa’, referindo-se ao desconto na aquisição de automóvel. Claro que foi um engano, mas é forte. Não se trata de simples erro de digitação.

A correção de textos requer cuidados e olhares aprofundados, e temos que repeti-la, porque muita coisa passa ‘batida’, mas nesse caso a consulta ao dicionário resolveria o dilema: isento, bem conhecido, gera isenção. A expressão ‘isenção de impostos’ é muito usada e poderia servir de base para sanar a dúvida. Além disso, temos o verbo isentar. Este trio forma uma família etimológica: isenção, isentar, isento (em ordem alfabética).

Ao ler o artigo no jornal em que estava essa grafia, cheguei a pensar que poderia haver a dúvida com relação ao uso do S e X. Isento vem de exemptus, em Latim, como isenção nasce de exemptio.

A pronúncia da grafia ‘insenção‘ não poderia ajudar a descobrir o engano? Se ouvimos alguém pronunciar ‘indentidade‘, ficamos a analisar. Perdoamos o menininho, na sua legítima simplicidade, ou no seu regionalismo, que pronuncia ‘ingreja‘, e podemos achar bonito. Mas a prosódia ‘adevogado’ por um adulto, se for pessoa culta ou letrada, pode assustar.

O engano na digitação seria comum. Ao fazer um texto, a intenção foi usar o termo carioca, que saiu cariosa, e só vim a descobrir algum tempo depois. O computador não me ajudou, pois cariosa é o feminino do adjetivo carioso, o mesmo que cariado (o dente), e por isso não o sublinhou de verde ou vermelho. Aprendi mais um: o dicionário registra cariado, sinônimo carioso; particularmente, não conheço esse uso na linguagem falada, nem seria comum entre os odontólogos.

No entanto, o registro do computador chamaria atenção para uma grafia estapafúrdia. Exceção, forma correta; caso o digitador grafe excessão, o computador, de imediato, corrige ou sublinha. O redator, nesse momento, deve rever sua escrita. Numa crônica supimpa de grande autor, saiu ‘Ela ele o rei de todos nós’, e seria ‘Era ele o rei de todos’, referindo-se a um objeto que uma mãe usava para ‘educar os pimpolhos rebeldes’, e eles obedeciam tanto a esse ‘senhor’ como à sua querida genitora. Perdoado o erro de digitação, que o contexto ajuda a perceber.

O adjetivo do título, como quer a Reforma Ortográfica atual, deve ser grafado sem hífen em justaposição: semiaberto, motivo por que a última vogal do prefixo (i) não atrapalha a pronúncia da primeira vogal de aberto (a). Esse processo segue em outros casos: semiárido, semianalfabeto, semiautomático. Se houver uma consoante, é que fica claro que o hífen não é necessário: semibreve, semicírculo, semicircular, semicondutor. Se for R, esse é dobrado: semirreta. Suponhamos que um poeta crie a palavra semissexual. Essa grafia está correta como neologismo, seguindo o critério usado para semirreta; não seria semi-sexual, com hífen, ou semi sexual, com os dois termos ‘soltos’.

Antes, foi semi-aberto, mas nunca semi aberto. Vemos seminovos, semi-novos e semi novos (com referência a veículos): a primeira grafia, correta; a segunda é a antiga; a última, um disparate, sem motivo: dois termos, ao formarem novo vocábulo, não devem vir separados (sequer, sem o hífen).

Fica assim.

Venho responder ao comentário de visitantes. No caso, enviei resposta para o e-mail da pessoa, mas voltou.

Uma visitante, chamada aqui de A. (seu nome começa com essa vogal), questiona sobre o dicionário, e pergunta: “Qual a importância?” (sic). Sim, porque comentei que o dicionário é importante. Evidenciei que poucos têm um dicionário num escritório, mas têm um litro de uísque como troféu.

O bom dicionário registra a grafia correta dos principais vocábulos do idioma, como do nosso. Seu autor pode ser chamado de filólogo, estudioso do idioma, e não somente de dicionarista ou lexicógrafo.

Esse livro é um acervo linguístico, e além da ordem alfabética dos termos, que dá certo trabalho, contém, em primeiro plano, a definição costumeira do vocábulo, sua vida consuetudinária, que é o aspecto denotativo: sentido normal do termo. A mesa da cozinha está velha. E em seguida, se houver, o aspecto figurado, chamado conotativo. A mesa-redonda, em assembleia, não chegou a um consenso sobre a eficácia de certas vacinas para os mais jovens (como se pode entender neste momento de pandemia). Além de tudo, o dicionário pode registrar regionalismos. Por exemplo, bergamota (do Turco beg armûdi, pera do príncipe, via Italiano), corresponde à designação da mexerica no RS, o mesmo que mimosa no PR, tangerina no RJ, e laranja-cravo em outras regiões, como na Bahia. Mas laranja-cravo seria uma espécie de tangerina. Mexerica é termo mais comum em todo o País hoje. Ruim é quando um supermercado grafa ‘mixirica’ (ou mexirica). Essa não é uma grafia; poderá ser uma pronúncia, com o devido sotaque regional. Mexerica vem de mexer, que deriva também mexerico. Confuso o fato de alguns chamarem a poncã, espécie de laranja de enxertia, de mexerica ou mexerica-pocã.

Obs.: adoto o critério de registar turco em se tratando do cidadão; quanto ao idioma, prefiro Turco. Por isso, português o homem, e Português, o idioma. Etc.

Além desses e de outros aspectos, o dicionário registra a grafia do vocábulo e seu significado, ficando subentendida a pronúncia correta (porque não precisaria explicitar como se pronuncia cama, mesa, casa, banho, embora, em algum momento, precisa haver esclarecimento sobre a pronúncia de subsídio (com som de S e não de Z), de inexorável, aceitável de duas formas; de anexo, êxito etc. Obeso: de timbre aberto ou fechado? O almoço? Os almoços? O sogro? Os sogros? O jogo? Os jogos? (som aberto ou fechado?)

Há quem diga ‘míster’. Mas para nós é ‘mister’ (oxítona). É mister que você comece a estudar desde cedo (é necessário). Esse termo nada tem a ver com ‘Mr.’ em Inglês, que, por extenso, é grafado mister, de pronúncia paroxítona.

Eis, pois, ‘a importância do dicionário’.

Outra visitante elogia o comentário sobre os pronomes te e ti, se e si (a que agradeço). E o devido uso de suicídio e suicidar. Ele suicidou. Não se justifica Ele se suicidou, porque ninguém suicida o outro.

Reveja estas frases: Veio aqui para te ver. Ela te ofereceu um presente. Ele gosta de ti. Falamos a ti (mas falamos contigo, e não com ti). Isto é para ti (não Parati, a cidade). Este livro é para ti; aquele é para tu levares a teu amigo. Quero-te falar. Preciso falar-te. Falo a ti e não te peço ordem prévia. Falo com tu, minha amiga! (Aceitável pela coloquialidade e por ser uma licença poética.)

Abraços a todos.

 

João Carlos de Oliveira

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