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A linguagem aproxima as pessoas? Em que nível? Qual a importância da gíria nesse caso?

A linguagem, e nem precisa ser explicitado, é o meio de relacionamento humano aproximando-nos, como nos pode afastar.

Se faz a convivência humana, é o elo que segue o caminho do bem, da conquista, da evolução. Em outro momento, em virtude da discriminação, da ofensa, da ojeriza e do palavreado chulo, afasta-nos, e leva os usuários a uma possível contenda. Por que pessoas vão às vias de fato? Porque se desentendem em virtude da linguagem inadequada. Se não há conhecimento com o intermediário, todo cuidado é pouco.

O desavisado que chega ao lugar simples e vai logo dizendo “E aí, Seu Zé, onde mora aqui um homem chamado Marcolino?”

‘Seu Zé’, possivelmente, venha a se chamar Romualdo; está ocupado, não conhece esse chegante, e com esse tratamento deve ficar furioso, e poderia dar o troco.

“Oh! Seu pivete! Eu não me chamo ‘Zé’, meu nome começa com outra letra, estou muito ocupado e não sou obrigado a lhe dar informação”, que seria a resposta adequada a quem se ‘apresentou’ dessa forma, derrubando a Muralha da China com uma só palavra: desconsideração.

Por que não deu um bom-dia? Por que não chegou mais ‘leve’, perguntou o nome do cidadão? Por que não deixou claro que desejaria, se possível, uma informação: Seu Manoel (depois de ter perguntado o nome), o senhor conhece nesta região um homem chamado Daniel? Tem cabelos grisalhos, é marchante.

A conversa muda. Seu Manoel deixaria o machado, com que estaria aparando o moirão da porteira, e iria atendê-lo com a maior boa vontade. A informação seria dada, mesmo que não saiba de quem se trata. O consulente ficaria satisfeito, e teria outra visão das pessoas daquele lugarejo.

Ao contrário, ele é o bruto, o inconsequente, não obtém o que queria, ofende e ainda sai falando mal.

Imagine o momento em que alguém chama na porta (não importa que seja por campainha, toque-toque, ‘Oi de casa’ ou interfone etc.). O intermediário, que estava ocupado, deixa os afazeres e vai atender o estranho e ouve: “Tia, onde mora Dona Filomena?” “Seu Zé-dos-anzóis, onde fica a casa de Dona Gumercinda?” “Vô, quem mora nesta casa?”

Assim, não dá. O visitante não consegue a informação, atrapalha as pessoas, fala mal, ‘bufa’ e diz que não tem culpa. A má-educação é de quem chamou.

A linguagem ruim não serve para nada, senão para desavença ou desinformação.

Essa linguagem na sala de aula é um desastre. Ao contrário, a linguagem escorreita, leve e empática do mestre em introduzir sua aula e convidar os pimpolhos a uma análise é sucesso. A coisa flui. Há bons resultados.

Melhor que este colunista tivesse questionado: A boa linguagem aproxima as pessoas?

A boa linguagem, sim. Para aproximar, a linguagem deve ser adequada, conforme o momento. O momento de carinho da mãe com o bebê; o momento de precaução do filho, ávido por um presente, a fazer o pedido ao pai. O momento de conquista do pretendente com a prenda. Mesmo que ela, antecipadamente, já estivesse ‘interessada’ nesse ‘partido’, com a linguagem grosseira dele, já desistiria.

Certa feita, o cidadão adentra uma loja de produtos de beleza para ambos os sexos. Havia duas portas lado a lado; uma seção para ‘revendedor’ e outra para ‘cliente’, e o cidadão não sabia disso. Entrou na primeira ‘loja’ e, ao consultar a moça se havia loção pós-barba, ouviu em alto e bom som, por duas ou três vezes: “O senhor é revendedor?”, sem que ele ficasse sabendo que a loja ao lado teria esse produto a varejo, e a atendente, com toda a sua ‘grandeza’, não orientou o cidadão e lhe virou as costas. Ele ficou sem entender e saiu.

Essa mesma loja envia, hoje, para esse mesmo cidadão e-mails oferecendo produtos, e ele não sabe como foi descoberto nem a loja deve saber que ele foi espezinhado um dia por uma funcionária.

Linguagem nesse patamar não serve nem para prender boi bravo no curral!

Este comentário, que poderia ter aspectos mais amplos, foi motivado pelo artigo que diz que o sotaque mineiro, no momento, é o mais ‘atraente’ do Brasil. Bom artigo, interessante; de fato, o sotaque, o jeitinho de falar, conquista e atrai. E uma doutora em linguagem, como a neurolinguagem ou a neurociência, afirma que a linguagem aproxima as pessoas (e conquista). Mas faltou, mestra, completar ‘a boa linguagem’. O sotaque, por si só, pela sua espontaneidade, é atraente, mas em todo o Brasil temos sotaques maravilhosos, e cada usuário gosta do seu, com o dever de respeitar o do outro. Mesmo que se diga que, entre tantos, um foi o escolhido, o vencedor não deve ‘mangar’ dos outros colocados.

São todos bonitos: o mineiro, o baiano, o carioca, o pernambucano, o maranhense, o piauiense (veja como moradores de Teresina e do Estado pronunciam esse belo adjetivo gentílico). Todos! Vamos convir que o sotaque nordestino tem o seu charme, e quem diz isso ou aquilo, que em algum lugar seria ‘feio’, vai depender da visão de quem está do outro lado, e o ofendido não iria dizer que o bonito é aquele que fala mal do outro. Por que encontramos pessoas na cidade usando roupas tão diferentes? A camisa mais bonita é a sua ou a dele? Fique ao parapeito de uma janela, no andar de cima de um prédio, e analise o modo de caminhar de cada pessoa que passa na calçada. Pode-se espantar.

Tudo é o reflexo dos costumes, em que se inclui a linguagem.

É bom ainda que se diga que o ‘momento’ é que faz o negócio. Que a fala tem sua aura para certo caso e ocasião. Como falar sobre uma pessoa em um velório? Como falar de uma jovem na hora de sua formatura? Como falar do casal no momento do enlace matrimonial?

A linguagem tem sua grandeza. No momento da piada, na brincadeira com o amigo, na compra de um objeto que não teria valor para um e seria ‘ouro’ para outro que precisa dele! ‘Eu quero esse treco!”

O nível erudito: o bom livro, que o registra, deve ficar para a posteridade. Não seria a linguagem fácil de ser memorizada, agrada a uns e a outros, não. Textos de Padre Vieira, nesse nível, mesmo que tenham um toque regional e empático, ficaram na História, não na memória popular.

O nível culto: o bom texto, que o contenha, como na posse de um magistrado no Tribunal, é bonito e marcante, chamando a atenção pela grandeza do ato solene, mas pode deixar boquiaberto o não-enfronhado com o metiê jurídico, como poderia ser o discurso de posse de um imortal na ABL, ou do cientista numa instituição.

O nível popular: interessante, desde que gostoso de se ouvir, sem aquele erro crasso nem o deboche que venha ofender a uma classe. Ouvir um feirante, falar com o repentista, ler a obra de um cordelista, conhecer as crônicas de Câmara Cascudo, nosso maior folclorista, assim como ler a obra de Guimarães Rosa.

O nível coloquial: uma graça! “Meu cheiro, minha linda! Como você está bonita”, e surgem aqueles ‘torpedos’ arretados que aproximam as pessoas, ‘aprochegam’ pela intimidade. Isso é ótimo. Não precisamos relatar termos regionais. Basta que entendamos, como apreciar a linguagem do vaqueiro ao tocar a boiada.

A gíria: a ruim fica fora; estamos falando da gíria saudável, que tem sua valia e vai longe, além de marcar terreno e época, motivo de ser aceita.

O sotaque: abrange muita gente, e não podemos dizer que seria exclusivo de uma região. A mescla, ‘o cosmopolitismo’ dentro do Brasil é um fenômeno, e um termo que seria de um lugar passa a ser de outro também. (Oxente, cara!) O individual se torna regional, e este, nacional.

Voltarei na próxima.

João Carlos de Oliveira

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