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Palavras derivadas, ou flexionadas, podem ganhar acento gráfico? Outras podem perdê-lo? Que história é essa, professor?

Bom-dia!

Aqui, no Extremo-Sul da Bahia, nesta manhã de domingo, faz frio (com rima e tudo).

A chuva fina e fria deu uma trégua.

Há, no momento, um estio, uma estiagem. Se prefere o Regionalismo, ‘a chuva deu (fez) uma parada’. Em outro nível, a chuva cessou por um instante, mas, intermitente, vai voltar. Chove e para; dá um tempo e volta mais forte ou mais fraca, mas chove o dia inteiro.

Foi assim nesses últimos cinco dias. E deu uma estiada. Um vento frio sopra manhoso, querendo ‘enrugar’ nossa pele, que fica meio ressecada pedindo proteção. O vento grugulha na folhagem como água que ferve na chaleira. A brisa saltita, e a água fervente está aos pulos.

Neste momento, agora. Agora, neste momento. Que bela redundância!

Diga: Agora, a chuva cessou. Neste momento, a chuva parou. Use um ou outro: neste momento ou agora. Os dois na mesma frase, nunca!

Após essa introdução jocosa, vamos falar de palavras com ou sem acento gráfico, o sinal usado para marcar a sílaba forte ou diferenciá-la de outra, ou mesmo para distinguir a palavra de som fechado de outra de som aberto. Ele pôde fazer isso quando criança (pretérito perfeito do indicativo). Você não pode fazer isso, porque é crime (presente do indicativo). A forma de fazer isso não é assim (a maneira). A fôrma de fazer bolo está amassada (a vasilha, a panela).

Vamos andando. Na dúvida, consulte um compêndio (gramática ou dicionário).

A Fonologia não trata o assunto da mesma maneira como tento mostrar aqui. Cuida da acentuação gráfica de forma explícita, com regras, analisando palavras oxítonas, paroxítonas, proparoxítonas (estas são acentuadas graficamente na antepenúltima sílaba: femeno); relata tipos de ditongos, crescentes e decrescentes; hiatos; palavras terminadas em oo, eem (que perderam o sinal gráfico: eu voo, o voo; eles veem o arco-íris; elas leem Guimarães Rosa). Etc.

A pretensão de hoje é mostrar este exemplo: gás (com acento agudo; regra: todo monossílabo tônico terminado em A, E e O, seguido ou não de S, deve levar acento gráfico).

O derivado gasoso não tem o acento gráfico (por ser palavra paroxítona sem critério gramatical ou fonológico para exigir acento gráfico; parede, vida, pneumonia, regra, morada etc. têm a penúltima silaba como forte, por isso, não levam sinal gráfico). Na dúvida, alguém poderia usar ‘gásoso’ ou ‘gásoduto’, acento que não precisa nem existe nesse caso.

Ao contrário, um primitivo não tem acento gráfico: panorama (palavra paroxítona) gera o derivado panorâmico (acentuado por ser palavra proparoxítona).

Pode um usuário colocar o acento gráfico em palavra que não o exige (pôneiterapia) e deixar de colocá-lo em palavra que o exige: epidemico (derivado de epidemia).

Pônei, mas ao ser formada a palavra composta moderna poneiterapia (um neologismo), não há mais necessidade do acento circunflexo no primeiro ‘elemento’ (vai prevalecer a tônica do segundo elemento). Possíveis combinações: sociopolítico, cranioencefálico (ou crânio-encefálico), numerologia, psicossocial, psicotécnico.

Por outro lado, o derivado de palavra com acento gráfico, comumente, não precisa do sinal gráfico: preferência (acentuada por ser paroxítona terminada por um ditongo crescente: ia; compare: ciência, série, sério, fátuo etc.) faz preferencial (não acentuada por ser oxítona terminada em AL, como manancial, canal, papel, sutil, anzol, azul). Vê-se muito em cartaz ou aviso que alguns usam ‘atendimento preferêncial’, mantendo o circunflexo, por influência da forma primitiva (preferência).

Casos similares: substâncioso, substâncial (por influência de substância), Grafias corretas: substancioso, substancial. Analise com atenção: convênio (como incêndio, assíduo, história). Mas convenial (nunca convênial), mesmo que esse vocábulo não esteja no léxico. Dia, diário, mas diarista; dicionário gera dicionarista. Contingente, contingência; inteligente, inteligência; demente, demência.

História, histórico; amigo, amigável; eu debito; o débito; ela medica a criança; a médica; eu medico, o médico. (Nessa mistura de palavras, você percebe cada caso: um verbo, um substantivo etc., por isso, uma sem, outra com acento gráfico). Me-di-co (forma verbal, paroxítona; mé-di-co, substantivo proparoxítona). Próprio, propriedade, proprietário; ânus, anal; anos, anoso; viver, os víveres; ele tinha vivido muito; o menino é muito vívido. Cupido é o deus do amor; o cara está cúpido (apaixonado; arriado por ela, caidinho).

Há, como poderia acontecer, o fato de colocarem acento em palavra terminada em IZ, como raiz, juiz, Luiz etc. Se a palavra termina por IS, havendo hiato, sim, o acento agudo é necessário e exigido pela regra: pa-ís; Lu-ís. Mas buritis. Compare proibi-lo com possuí-lo (este tem o i tônico acentuado por formar hiato).

O plural de palavra terminada em IZ com hiato exige o acento agudo: ju-í-zes, ra-í-zes (o i tônico forma sílaba sozinho), da mesma forma que se usa: eu sa-í, tu sa-ís-te, sa-í-mos, pos-su-í-mos, saíra (verbo ou substantivo) e outros. Até se houver a extrema necessidade, você pode usar ‘Todos os Luíses desta sala de aula são bom alunos, como também os Luízes, as Luísas e as Luízas’, registraria o mestre.

Note claramente: Luís, mas Luisinho; país, mas paisinho; e siga; chafariz, chafarizes; perdiz, perdizes; baú, baús; Jundiaí, as Jundiaís de todo o Brasil (cidades com esse nome).

Anedota, anedótico; pandemia, pandêmico; panorama, panorâmico; propaganda, propagandístico. (Os derivados são vocábulos proparoxítonas, por isso, com acento gráfico.)

Vírus, virótico; prosódia, prosódico; mas série dá seriado; sério, seriedade.

Há ainda aqueles que usam acentos demais, e pintam tudo: amôr (assim, toda palavra terminada em OR seria acentuada graficamente; imagine a quantidade). Outros tascam: jacú, perú, Itamarajú (palavras oxítonas terminadas em U não podem ter acento gráfico; por si sós, já são ‘tônicas’ na última sílaba; a não ser que haja um hiato: Anhangabaú, baú, o mesmo critério para aí, açaí, jataí).

Esquecem o acento de almíscar, e falam ‘al-mis-car‘ (como oxítona). Não confunda mister (É mister que acorde cedo: é necessário) com a grafia similar do Inglês ‘Mister’, que se abrevia Mr. (Mr. Brown foi grande artista.)

Itaú, Macaé, Tambaú e Itajaí levam o acento gráfico por serem terminadas em hiato.

Amoreco teria o agudo para ficar diferente de beco? Ou vice-versa? Nem um caso nem outro. A questão da sonoridade tem origem no Regionalismo: amoreco, termo popular, tem som aberto (mas não se escreve amoréco) e beco, vocábulo com toque popular, tem som fechado (e não se escreve bêco, mas se escreveu ‘o arremêsso’ por ter som fechado, o oposto de ‘eu arremesso’; critério usado até 1971).

Difícil explicar Roraima (de som aberto, como usa uma TV) e Roraima (de som fechado, como se usa em quase todo o Brasil).

Joaima ou Joaíma, cidade mineira? Pela tradição, a segunda forma, cujo gentílico é joaimense (jo-a-i-mense), e mesmo que se escreva JOAIMA, como vem em placa de veículo, a pronúncia deve ser mantida: Jo-a-í-ma.

Pode ser que numa placa de veículo venha IACU-BA (mas a palavra é Iaçu, bonita cidade baiana, à beira do rio Paraguaçu, no começo da Chapada Diamantina, perto de Itaberaba; também, linda cidade, a terra do abacaxi).

Por hoje, fico aqui. (A chuvinha intermitente voltou a cair.)

João Carlos de Oliveira

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