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O que é pisadura? Pisar é verbo polissêmico, e tanto o é, que dizem ‘Ele pisou em mim’ se nem juntos os dois estiveram

Antes do bojo do artigo de hoje, uma pausa.

Semana anterior, falamos de ‘até’, palavrinha mágica com muitas facetas. No vaivém, foi esquecida a frase ‘Até tu, Brutus?’, famosa em todo o mundo, tida como de autoria de Júlio César, o então Imperador Romano, no momento em que foi esfaqueado por inimigos em cujo grupo estaria seu filho adotado, Marcus Brutus. Curioso é que o fato de Bruto estar ali, segundo a própria Historiografia, nunca foi explicado: por que o filho adotado, bem cuidado, em palácio real, em plena Roma festiva e em fase áurea, esfaqueou o pai adotivo, que dele cuidava bem?

Estaria a mando de alguém?

O Imperador Júlio César, tão badalado que era, como foi, veio a falecer. E o que fizeram com o assassino? A História se preocupou com o porquê desse crime? Será que hoje seria visto por outro viés? Foi uma tragédia?

O jovem coautor do assassínio não estaria sozinho nesse ato. Praticou-o por motivo pessoal? Ou a mando de outrem? Por que já estaria, no momento de uma sessão no Palácio, com uma faca?

A partir de agora, comecemos a falar de pisar, para chegarmos a pisadura e sua família etimológica, pisada, pisadinha, pisado, pisão etc.

Pisar, do Latim pisare, que por sua vez vem de pinsare, não seria somente colocar os pés no chão, andar, fazer caminhada, dar passos para se locomover. O léxico suscita que pisar é colocar os pés sobre, calcar, esmagar com os pés. Moer (no pilão), triturar, achatar.

Você diz café pisado (no pilão) ou café pilado (que foi descascado no pilão)?

Pisar é causar pisadura. Alguém pisou em algo e houve uma mancha. Pisadura é a contusão que deixa uma marca azulada, que fica roxa, que depois pode virar ferida ou necrosar. E dói.

Pisadura é a mancha em uma fruta que foi apertada. O pobre do homem vende um pouco de tomate na feira-livre; chega um e pergunta o preço do tomate. Até esse momento, tudo normal. E vem alguém. Pega mais um, aperta e o deixa lá. Ao final do dia, o pobre camponês vende quase nada, e seus tomates foram ‘pisados’ por supostos compradores insensatos.

Outro tem um pouco de farinha. Vem um e pergunta o preço do produto. Enfia a mão no saco de boca escancarada, revira a branquinha e põe um punhado na boca, e vai embora. Ao final do dia, o pobre homem vende um pouco, e seu produto se esvaiu no ar, no chão e na boca de pessoas com pouca higiene, pisando no pobre coitado.

Esse é o maior defeito de pisar, por si só, um verbo feio, polissêmico: tratar com desprezo, magoar, maltratar, ofender, humilhar.

Bonito é o pisar da jovem que passa faceira, o andar bamboleante de outra que já é assim por sua natureza ou daquela que quer mostrar modernidade e se destacar na mídia.

Pisar é ofender, machucar, ferir, menosprezar, discriminar, fazer de alguém um traste, como se esse, ao gosto do agressor, fosse um mero objeto, sem ainda lhe dar direito de defesa.

Quem ofende também costuma não permitir que o ofendido expresse sua defesa. E ainda grita: “Fique calado. Você não presta!”, sem ao menos justificar o porquê de ser tão agressivo.

Há fatos horrendos nesse aspecto. Uma mulher ofendeu a moça que lhe prestava serviços pelo fato de esta ter deixado alguns ovos terem caído ao chão.

Nós todos temos um momento em que um objeto ‘escorrega’ de nossas mãos, e se torna o nada sem valor. Um copo de café, uma xícara de leite que derrama, a banana madura que cai ao ser descascada, a chave do carro que parece voar e não sabemos onde teria ‘se escondido’. E vem um batalhão à sua procura quando o dono do objeto é famoso, inclusive o funcionário deixando de atender outros clientes para ‘ajudar’ o desafortunado, que estava em pé impassível, e muitos se mexendo em prol de sua ‘azarada’ situação. Foi um vexame, e ele nada teria dito a agradecer.

Que nada, rapaz! Caiu, abaixe-se e vá procurar a sua prenda sem queixas, e considere como normal, similar ao fato de se esquecer um objeto em cima do balcão de uma loja.

A outra parte é balela, um pouco de frescura, que deveria ser o momento de se ter uma brisa agradável ao rosto, e não a reclamação sem pé nem cabeça (se é que uma birra tenha esses membros tão importantes ao corpo de um ser), para pensar e se locomover.

Texto assim, como este autor quer dizer indiretamente, tem o objetivo de ‘expor a linguagem, aquela escorreita dentro do conceito gramatical, talvez não a mais comunicativa, mas que atende aos ditames da mamãe-gramática, rígida por si mesma, que não lhe dá muitos prêmios e pode mais atrapalhar a grandeza do idioma, que fazê-lo crescer’.

Não concorda?

É aborrecente, ou melhor, agressivo, quando criticam o senhor de linguagem ágrafa que diz ‘Nós chegou, e eles saiu daqui agora’, em que apenas a concordância verbal foi ‘olvidada’ por desconhecimento da mesma norma gramatical. E o que condena o senhor analfabeto, o condenador que escracha o condenado, fala “Muitas coisas acontece” ou “Acontece muitas coisas”, no momento da linguagem falada, como a daquele senhor.

No momento da fala, esquecemo-nos de algum ponto, e o caroço de feijão caiu exatamente no buraquinho em que não deveria ter caído, ficando difícil encontrá-lo.

Se em Nós chegou e Eles saiu daqui agora não houve a desinência verbal exigida pela regra (chegamos, saíram), mas se trata de uso natural, faltoso do conhecimento gramatical, também em Muitas coisas acontece a desinência verbal -m, indicativa da terceira pessoa do plural, não veio a lume, mas a frase foi cria de alguém que sabe, ou deveria saber, que não houve a devida concordância verbal entre o sujeito, no plural, e o verbo, que também deveria estar no plural.

Quem cometeu ‘erro’ maior?

Indo e vindo, eis um pouco do pisar humano, que machuca, que dói, que trasvaza a sensatez.

Pisa é pisada. Pisa é uma sova, surra, como se usa no Nordeste, até hoje, embora seja mais por falar para advertir. A pisa da uva, macerando-a aos pés para se obter o suco, e nós o tomarmos como ‘produto natural’ (?).

Pisada é a andadura do cavalo, da mula alazã de bom picado, que não machuca o cavalheiro.

Um ritmo moderno é a pisadinha, que toca suave, e se samba a se derreterem os calos dos pés antes adormecidos, como se baila uma nortenha mexicana, a chamada cúmbia, de bailado encantador.

Pisão é uma máquina com que se bate no tecido para se lhe dar maior consistência, tal qual se prepara o blue jeans. Pisão é o ato covarde de se pisar no pé de alguém, exceto o descuido ao andar em meio à multidão.

Alguém perdeu a vida por causa de um pisão inocente, sem nenhuma intenção, apenas um lapso.

A pisadura no lombo do cavalo lhe criou um obstáculo: doía muito e ele não andava bem, mas o seu dono, desavisado, só o chicoteava, chicoteava, até o dia em que o alazão, maltratado, foi encontrado morto, e alguém disse que não sabia por quê. O estresse no animal pode levá-lo à morte.

O pisar ruim é um ato ofensivo, que machuca, como pisotear.

O povo ucraniano, neste momento, sofre um pisoteio histórico inimaginável.

João Carlos de Oliveira

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