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Você conhece bem a palavra ‘até’? Como a usa? Versátil, a depender do contexto, pode ser sua amiga ou inimiga

Até nisso ele é bom!

Esse tipo de frase teria dupla conotação: afirma que o cara, de fato, é bom em tudo, como no fato: consertou o pé da cadeira, que iria para o fogão a lenha, em 10 minutos. Numa segunda versão, implica baita ironia: o cara é bom de nada, porque, num piscar de olhos, enganou todos em volta. É um grande farsante.

Venha até ‘eu’, meu filho!

Houve uma espécie de solecismo: mau uso da regência nominal. Até, nesse caso, tem valor de preposição, e eu passa a ser pronome oblíquo: Venha até mim, meu filho!

Por outro lado, torna-se redundante quando se usa Venha até a mim, aqui bem pertinho, e fale tudo que deseja. Essa, também popular, vem girando por aí, mas nela há duas preposições seguidas, o que não deve acontecer: até a. Eliminemos uma delas: Venha até mim, aqui bem pertinho, e fale tudo que deseja. Venha a mim, aqui bem pertinho, e fale tudo que deseja.

O redator deve escolher uma opção para que haja melhor clareza, e o contexto fique mais dinâmico.

Similar a essa construção frasal, usam Falemos perante a Deus, para que nos ouça os pedidos.

Perante é uma tradicional preposição, com o valor de ante, diante de, em frente a etc.

Falemos ante Deus, para que nos ouça os pedidos.

Falemos a Deus, para que nos ouça os pedidos. (Falemos com Deus. Falemos para Deus.)

Falemos perante Deus, para que nos ouça os pedidos.

São muitos os casos em que encontramos a repetição de uma palavra com o mesmo valor semântico de seu ‘par’: Ele disse que iria, mas porém, até agora, não apareceu. (Ou mas ou porém: Disse que iria, mas até agora não apareceu. Disse que iria, porém, até agora, não apareceu.)

Uma mãe, a sorrir, e muito pensativa, teria dito sobre o próprio filho: Até de mim ele fala mal!

A frase implica entender que o falastrão, mentiroso que é, tão ilógico nas suas ‘pregações’, que fala mal até de sua senhora mãe, uma santa. Ele, de fato, mente muito. Fala por falar.

Até, preposição com alta versatilidade, estabelece relações de limite e fim, ou extensão de um termo para outro, no espaço e no tempo.

Andou de lá até aqui sem descansar. Deu duro até mais tarde, e depois foi curtir um som. Dançou, comeu e bebeu até ficar farto, com a pança estourando de cheia. Este veículo suporta até 5.000 quilos de peso.

Como advérbio, tem o valor de ainda, também, mesmo.

A história do menino soterrado no Marrocos, que foi resgatado, mas, infelizmente, não sobreviveu, emocionou até as pessoas mais frias.

As preposições se classificam entre essenciais e acidentais.

As essenciais (que normalmente já teriam a função de ligar palavras) estão em torno de 17: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás (trás os montes),

Uma Gramática Normativa pode divergir de outra e trazer uma relação um pouco menor ou maior.

Trás tem o valor de atrás, detrás, razão de uma listagem ser maior ou menor, conforme a citação do autor. O Sol se põe trás o monte. O Sol se põe por detrás do monte. O Sol se põe detrás do monte. O Sol se põe atrás do monte.

Traz é forma verbal, de trazer. Ele traz consigo grande preocupação. A diferença maior entre preposição (que liga palavras) e conjunção, é que esta liga orações. Essa definição é útil em muitos momentos.

O livro é para você (preposição). O livro é para você ler (conjunção).

Venha até aqui (preposição). Fale até cansar (conjunção).

Esse fundamento se baseia em que uma palavra pode mudar de função. A preposição se torna conjunção a depender do tipo de frase. Passe por aqui (preposição). Fez isso por não ter outra opção (conjunção subordinativa adverbial causal: porque não tinha outra opção (porque não teve). E por se torna verbo: Vamos pôr a casa em ordem. (Se o redator esquecer o acento agudo em por, entendemos a frase, mas não se trata mais de preposição; agora, verbo, por isso, com acento gráfico (pôr).

Cada frase tem sua nuance, e o que seria simples para um, para outro, não. O gato está sob a mesa (debaixo dela, bem à vontade). O gato está sobre a mesa (sentado, em pé, deitado na mesa, para em seguida praticar um ato). Sob e sobre podem confundir. Ex.: Ela está sobre minha responsabilidade (nesse caso, seria superior ao falante). Ela está sob minha responsabilidade (ele é o tutor dela).

As preposições acidentais, como fica claro pela aspecto semântico deste nome, são palavras que normalmente têm outra função, mas fazem as vezes de preposição em outro momento.

Anotamos tudo conforme ele disse (conjunção conformativa, com o valor de explicação; função normal ou comum da palavra conforme). Nesta frase passa a ser preposição: Conforme você, a Rússia vai perder a guerra (horrenda) contra a Ucrânia, pelo menos, moralmente, perante o Mundo. (War never more!)

A gramática diz que preposição acidental é a palavra que, em certa frase, é preposição; em outra, não. E seria bom o exemplo de algumas frases para cada caso, mas costumam não fazer isso. Apenas, citam as palavras: afora, conforme, consoante, durante, exceto, fora, mediante, não obstante, salvo, segundo, senão, tirante, visto etc.

Tentemos entender esses aspectos usando a palavra consoante:

A consoante S é de difícil uso no dia a dia (substantivo).

Consoante você, certo programa televisivo usa vício de linguagem, mas fala mal da linguagem cotidiana (preposição).

O Mundo pode acabar em guerra de uma hora para outra, consoante dizem sociólogos e antropólogos (conjunção).

Não sou gramático nem gramaticista, mas gramatiqueiro (por isso, os exemplos).

Mais comum algumas delas explicarem que certa conjunção varia na função dentro da oração. Em parte, isso ajuda a entender essa mirabolante função da conjunção no texto.

Como:

Neste momento, olhamos um para o outro, como se nos consultamos (conjunção comparativa).

A Festa do Divino é tradicional em Goiás, como todos sabemos disso (conjunção conformativa).

O pensamento brilhava como se umedecido pela fé (conjunção comparativa).

Como não restassem trabalhadores a recrutar na região, exigia-se de todos um esforço maior (conjunção causal). (Carlos Drummond de Andrade)

Outras palavras têm essa mesma versatilidade: para. 1. O carro para na pista (forma verbal; antes, escrita com acento diferencial: pára). 2. Para você, ela seria uma mentirosa (preposição). Isso é para você (preposição). Este livro é para você ler (para que você leia; conjunção).

Ainda: pra (não use prá), uma redução, muito usada na linguagem coloquial. Pra mim, você não passa de um charlatão.

Analise com atenção cada frase, que lhe poderá ser útil.

Um dicionário, dos que me acompanham, diz que até, de origem latina, vem de ad+tenus, e expressa relações de: 1. Limitação de espaço: chegar até a porta (que poderia ser chegar até à porta) A água chegou até à cabeça da ponte. 2. Limitação de tempo: até 28 de fevereiro. 3. Limitação: até 1.000 dólares; vai até o fim; comer até fartar-se. Comeram até ficarem de barriga inchada.

Advérbio de inclusão: o mesmo. Até você, Joãozinho, fazendo isso! Respiravam e até suavam.

Fechando o de hoje.

Grafia moderna: ultrarrápido, e não ultra rápido nem ultra-rápido.

A Justiça pode prorrogar os prazos que lhe são necessários (frase correta gramaticalmente, mas necessários à Justiça ou ao demandante?).

Obrigado.

João Carlos de Oliveira

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