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O quê explica o desaparecimento de um dinossauro? Que, pronome interrogativo, nessa colocação, teria acento gráfico?

De início, temos que dizer ‘não’, conforme a regra da Gramática Normativa.

A não ser que fosse palavra substantivada, não sendo pronome interrogativo: Um ‘quê’ (ainda não decifrado) explica o desaparecimento de um dinossauro.

Que seria ‘o quê’ nesse caso? Alguma coisa, uma incógnita, que ainda não foi detalhada. Mesmo que essa hipótese seja ilógica, o acento gráfico ora questionado é desnecessário. É um lapso.

Comumente, usamos frases similares: O que você disse? O que aconteceu? O que vamos almoçar hoje? O que ele comprou no supermercado?

Em todas elas, esse quê não tem acento gráfico, por não ser palavra substantivada nem estar no final da frase.

O ‘quê’ explica o uso de vários ‘quês’?

O quê é uma palavra de difícil uso na linguagem culta? Ele disse o quê? Nem sempre sabemos explicar o quê, por ser complexo.

Que, seus valores morfológicos e funções sintáticas.

Substantivo, quando acompanhado de artigo ou palavra que o identifique ou caracterize: Maria tem um quê sublime de dizer não, por isso, é querida.

Nesse caso, leva o acento gráfico, tornando-se monossílabo tônico, porque se torna uma palavra autônoma (deixa de ser pronome ou conectivo). Não pode estar acentuado na frase introdutória, por ser monossílabo átono.

Pronome interrogativo, quando faz parte de questões interrogativas diretas ou indiretas (sem acento gráfico), como na frase introdutória, e estas: Que aconteceu com ele? Eu perguntei o que houve. Maria quis saber o que houve com ela?

Esse pronome interrogativo pode ser adjetivo, se acompanha um substantivo: Que objeto é esse?, ou substantivo, se assume a função típica do substantivo (sujeito, objeto direto, objeto indireto etc.): Que ela fez? (nesta frase tem a função sintática de objeto direto, uma vez que completa o verbo fazer, como transitivo direto). Mudada a ordem das palavras, poderia haver esta: Ela fez o quê? (Nesse caso, por estar no final da frase, leva acento gráfico, o circunflexo, e a função sintática continua a mesma: objeto direto).

Seria muito comum encontrarmos essa explicação classificando ‘que’ como pronome adjetivo interrogativo (ou pronome interrogativo adjetivo) e pronome substantivo interrogativo (ou pronome interrogativo substantivo), respectivamente: Que obra ele fez? Que diz essa obra?

Pronome indefinido, quando se refere de modo vago a uma terceira pessoa (ou coisa): Que saudade! Que moça bonita! Que casa linda!

Nessas três frases, que é pronome indefinido porque tem a semântica de ‘quanto(a), tão, tanto(a)’, e adjetivo porque acompanha o substantivo. Quanta saudade! Quão bonita essa moça! Quanto linda é essa casa! Tão linda essa menina!

Neste momento, peço licença para transcrever da Gramática, Teoria e Exercícios, obra didática, destinada ao segundo grau do Ensino Médio, do excelente professor João Domingues Maia, publicada pela Editora Ática (1994), as seguintes frases: Que orgulho ele tem do pai! (pronome adjetivo); Ele disse não sei o quê (pronome substantivo). Pág. 288. Tanto orgulho ele tem do pai! Quanto orgulho que ele tem do pai!

Advérbio, quando acompanha um adjetivo ou outro advérbio, indicando circunstância de intensidade. Que linda casa! Que nojento! Que distante! (Tão, tanto.)

E vem ainda uma relação de valores morfológicos.

Preposição: Tenho que trabalhar hoje (Tenho de trabalhar hoje).

Interjeição: Quê? Você fez isso? Mandou-a ‘pras oropas’? Ela não merecia tanto!

Conjunção (ou conectivo, coordenativo ou subordinativo), forma ampla de ser usado, que aqui vai resumida.

Conjunção coordenativa aditiva: Vira que vira na cama, acabou acordando muito cedo e se levantou.

Conjunção coordenativa explicativa: Fale pouco, que o tempo é exíguo.

Conjunção subordinativa integrante: Disse que vai viajar hoje.

Conjunção subordinativa consecutiva: Comeu tanto, que ficou enfastiado.

Conjunção subordinativa causal: Triste que ficou, foi embora para nunca mais voltar.

Como conectivo, ainda pode ser partícula expletiva ou de realce, isto é, não exerce função sintática direta e pode ser excluída do enunciado sem prejuízo do seu sentido: Ele é que sabe a dor que está sentindo. Ele (é) que sabe como é difícil conviver com a companheira de atitudes abusivas.

Como pronome relativo, com o valor de o qual, a qual, os quais, as quais, relacionando duas orações, em que a segunda, normalmente, complementa a primeira:

Pessoas que trabalham são felizes (parte sublinhada constitui uma oração subordinada adjetiva restritiva). Esse período composto pode ser transformado em período simples, dando lugar a uma oração absoluta: Pessoas trabalhadoras são felizes (que exercem uma função laborativa). Pessoas trabalhadeiras são felizes (que têm muito denodo e se dedicam com afinco ao que fazem).

Boas mães, que sempre demonstram cuidado com os filhos, são maravilhosas, queridas e realizadas na função materna. (A oração intercalada é subordinada adjetiva explicativa.)

A depender do verbo ou da construção frasal, com base na regência verbal, o pronome relativo que pode vir precedido de preposição, que talvez muitos não usem: A pessoa de que eu falo. O lugar em que trabalha. O tipo de prato de que gosto não é encontrado aqui.

O tópico que envolve valor e função da palavra que é extenso, e as funções sintáticas deixam de ser tratadas no comentário de hoje. Podem surgir a qualquer momento. A Gramatica Normativa confirma que se trata de um vocábulo de múltiplos valores e funções sintáticas (sujeito, objetos direto e indireto, predicativo, complemento nominal, adjunto adverbial, agente da passiva), item estudado nos diversos cursos, do ensino fundamental ao superior, variando tão-somente o nível de aprofundamento.

Uma revisão nesse aspecto não seria perda de tempo.

Variando de pau para cavaco, podemos mostrar um pouco nosso Regionalismo Linguístico. Finquemos o olhar nesta frase ilustrativa, usada por alguém conhecido ou da família para um menino que gosta de furtar as goiabas de seu Expedito, das quais ele cuida com muito zelo. Se um garoto lhe pede uma, não todo dia, ela lha dá com prazer, mas invadir o quintal e surrupiá-las seria uma afronta, para o que ele reage com um grito e sua frase marcante:

Pera aí, seu corno, se eu te pegar, você vai ver!

Pera aí, que você vai bufar de medo, seu corno!

Naquele tempo, frase assim nunca foi agressão ou discriminação. Uma advertência ou algo jocoso.

Fica assim por hoje.

João Carlos de Oliveira

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