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… a que(m), com que(m), em que(m), de que(m): o bom uso dos pronomes ‘que’ e ‘quem’ precedidos de preposição exige cuidados

Frases em que há conjunção integrante, cujo complemento começa com que, mas não se trata de pronome relativo, não ofereceriam dificuldade de redação: Esperamos que tudo dê certo. Desejo-lhe que faça boa viagem. Penso que vai fazer um bom acordo. Notamos que o chefe estava nervoso.

Orações com verbos transitivos diretos, cujo complemento, objeto direto oracional, constitui oração subordinada substantiva objetiva direta, surgem no dia a dia: Vemos que a Guerra na Ucrânia é fatal. Sabe-se que Putin é um ditador. Dizem que estrelas podem ser cadentes.

No caso, Que conjunção integrante é conectivo que faz ponte entre a oração principal e a subordinada substantiva objetiva direta, que completa a regência de verbo transitivo direto: Notamos (oração principal) que o vento está na direção norte indicada pela biruta (subord. substantiva objetiva direta).

Que pronome relativo pode ser substituído por o qual, a qual, os quais, as quais, conforme o termo que o antecede (masculino singular, feminino singular, masculino plural, feminino plural), que o torna bem distinto dessa conjunção.

Além disso, conforme a regência verbal, em se tratando de verbo transitivo indireto (que exige uma preposição: a, com, de, em etc.), no caso também de verbos intransitivos (morar, trabalhar, atuar etc.), é que surge a dificuldade do uso da respectiva preposição: de que, do qual; em que, no qual; com que(m), com a(o) qual etc.

A pessoa com que falamos ontem é a senhora Maria Filomena Furtado da Silva Moreira, que não pôde comparecer à reunião.

A expressão com que pode desdobrar-se em com quem, com a qual, a depender do estilo do redator ou de sua preferência enfática ou poética. A troca de palavras na construção frasal tem motivo peculiar.

Se observarmos o estilo de um escritor, chegaremos a uma conclusão supostamente simples em análise literária ou estilística. Graciliano Ramos, grande escritor, autor de Vidas Secas, deixou este registro: “Outros pedaços esfriavam recebendo o ar que entrava pelas rachaduras das paredes e pelas gretas das janelas.”

Este belo excerto está na primeira página do capítulo Inverno dessa obra. Se o analista, dissecando a Estilística, fizer uma comparação, poderia ser: Outros pedaços que esfriavam recebiam o ar o qual entrava pelas rachaduras das paredes e pelas gretas das janelas. Ou: Outros pedaços esfriavam quando recebiam o ar e este entrava pelas rachaduras das paredes pelas gretas das janelas.

Adiante, no mesmo capítulo, escreve: “Se o rio chegasse ali, derrubaria apenas os torrões que formavam o enchimento das paredes de taipa.” Se o rio chegasse a esse local, derrubaria apenas os torrões os quais formavam o enchimento das paredes de taipa. (Expressões cujo que não está precedido de preposição.)

Entretanto, esta, no final do capítulo: “Agora precisava dormir, livrar-se das pulgas e daquela vigilância a que a tinham habituado” (trecho que fala de atitudes de Sinhá Vitória), cuja redação poderia ser: Agora, precisava dormir, livrar-se das pulgas e daquela vigilância à qual a tinham habituado.

No dia a dia, podemos usar um verbo transitivo indireto, como este: Convenceu-se de que seu feito fora notável, isto é, Ele se convenceu de que seu feito fora notável (o PM salvou a criança de três messes do engasgo com um pedaço de carne, o qual lhe foi dado pela mamãe incauta). A oração de que seu feito fora notável é subordinada substantiva objetiva indireta, cujo que, o conectivo (conjunção integrante), não pode ser desdobrado em o qual).

Mais um exemplo: Não havia informação de que acontecera alguma morte no acidente (oração subordinada completiva nominal, isto é, completa a regência nominal da palavra informação). Esse que, precedido da preposição de, tem o mesmo valor sintático em ‘Eu gostaria de que você viesse cedo’, oração subordinada substantiva objetiva indireta, que é complemento verbal de gostar, verbo transitivo indireto.

Apontados esses casos, retornemos ao início da introdução.

A casa que ele mora é esta. Faltou nessa redação o uso da preposição em: A casa em que ele mora é esta. Desenvolvida, seria: A casa na qual ele mora é esta. Usando um termo substituto, cabe o advérbio de lugar onde: A casa onde ele mora é esta.

A loja que ele trabalha fica longe daqui. Da mesma forma, a regência não foi cumprida: quem trabalha, trabalha em um lugar. Trabalha na fábrica. Portanto, A loja em que ele trabalha fica longe daqui. A loja na qual trabalha fica longe daqui.

Trabalhar pode ser verbo transitivo direto em outra construção frasal com a semântica de laborar, produzir, lavrar, pôr em obra, executar cuidadosamente em arte: O ourives trabalha o ouro. O oleiro trabalha o barro. A xilogravura trabalha a madeira.

A rua que reside não tem pavimentação. Revisemos: A rua em que (na qual) reside não tem pavimentação.

A pessoa que eu lhe falei foi embora. Não se seguiu a regência verbal: A pessoa de que (da qual) eu lhe falei foi embora. A pessoa com que falamos (com quem falamos, com a qual falamos).

A fruta que eu gosto. Na linguagem popular, trata-se de uma redação aceita, em que há a elipse da preposição de; quem gosta, gosta de alguma coisa. A fruta de que eu gosto é a goiaba. A fruta da qual eu (mais) gosto é a goiaba.

O cemitério que está o corpo é particular. (O corpo fica em algum lugar). O cemitério em que (no qual) está o corpo é particular.

As circunstâncias que ocorreram a prisão. As circunstâncias nas quais ocorreu a prisão. As circunstâncias que ocasionaram (que geraram) a prisão são desconhecidas.

Frases com as expressões da introdução:

A pessoa a que me referi há pouco saiu. A pessoa à qual me referi há pouco saiu.

O homem com que eu falei no estádio é o treinador. O homem com quem eu falei no estádio é o treinador. O homem com o qual eu falei no estádio é o treinador.

A jovem em que confiamos não é a mesma. A jovem em quem confiamos não é a mesma. A jovem na qual confiamos não é a mesma.

O professor de que eu falei, hoje, sabe tudo de Geografia Espacial. O professor de quem eu falei, hoje, sabe tudo de Geografia Espacial. O professor do qual eu falei, hoje, sabe tudo de Geografia Espacial. O assunto de que falamos ontem foi ‘Comportamento Humano’.

Até a próxima.

João Carlos de Oliveira

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