0

Verbos que se parecem, mas cada um tem seu aspecto semântico, que pode ser analisado: arraigar, enraizar, erradicar, radicar, radicalizar

Arraigar, o mesmo que enraizar, radicar(-se), firmar-se, fixar residência.

Enraizar, criar raízes, arraigar, fixar pelas raízes.

Erradicar, literalmente, arrancar pela raiz. Em se tratando de endemia, epidemia e pandemia, autoridades usam esse verbo com o sentido de ‘exterminar, extinguir, acabar, extirpar’ o mal. Na Agricultura, quando uma planta daninha invade uma área, ou acontece uma praga que atinge uma lavoura, especialistas, agrônomos e outros usam-no com o sentido de ‘excluir uma moléstia vegetal da área onde se estabeleceu pelo arrancamento e queima das plantas contaminadas ou suspeitas de contaminação’, como preceitua um compêndio consultado. Um sinônimo da linguagem culta seria ‘desarraigar’, cuja pronúncia requer cuidados, e o popular diria ‘desenraizar’, o mesmo que extinguir, arrancar pela raiz.

Radicar, fincar raiz num lugar, passar a ser comum ali, dizer que o indivíduo veio a se fixar na região como morador ou profissional. Estabelecer-se com moradia ou profissão. Arraigar. Esse verbo também é da família do vocábulo raiz, razão de termos enraizar, e um bem popular, ‘raizar‘, este não registrado no léxico, que contém ‘raizame’, um emaranhado de raízes. Estranho: raizame, pode; raizar, coitado, fica de fora. O diminutivo erudito de raiz, no lugar de ser raizinha, é radicela ou radícula, que tem o mesmo radical. Note a repetição: raiz, radicar, arraigar, radical, radicela, radícula, enraizado, radicado etc.

Radicalizar, tornar(-se) radical. Toma o sentido de ‘aceitar a coisa pela raiz, ao pé da letra, de não abrir mão de seu princípio’, visto como se único fosse. Daí se dizer que fulano é duro na queda, intransigente, radical. Tem uma raiz forte?

Finalmente, analise-os pela semelhança da grafia e, depois, a significação.

Isso basta.

Para fechar, uma frase folclórica: ‘Teje’ preso.

A forma antiga de dar voz de prisão a um infrator, e seria muitas vezes por motivo banal. Exemplo aconteceu no então povoado de Cachoeira Grande (hoje, distrito), no Município de Jacobina, BA. O ‘preso’, um jovem negro e pobre, que ainda apanhou de pirata, levando muitas chicotadas nas costas, posto de joelhos, dadas pelo ‘delegado’ local (um fazendeiro, que não teria méritos para o cargo, mas foi indicado por político ou coronel; inclusive, era muito ‘bruto’, como o povo o classificava), porque o menino-moço teria escrito uma frase de louvor a uma moça, na parede branca de um muro, que nem era na casa do delegado. Escreveu-a, a frase romântica, com insinuações amorosas, no muro de sua própria casa. Foi levado à Delegacia de Polícia da Cidade (parece que no lombo de um animal em pelo para castigá-lo já de início). Não havia meio de transporte motorizado na época, no local, e lá ficou por dois ou três meses. Solto, e muito ‘ferido moralmente’, mudou-se com a mãe, que seria viúva, para outra região. Poucos sabiam onde eles passaram a morar no Sertão baiano. Foi um descalabro o ato do senhor ‘delegado’, que continuou no cargo por muito tempo, ‘fanfando’ (ostentando, no regionalismo local de então), e se dizendo poderoso: queria ver se alguém se atreveria a fazer algo similar. Odiado por uns, querido por outros, quando perdeu o cargo, vendeu algumas propriedades e mudou-se para um estado sulino, onde veio a falecer. Outro item de destaque na história macabra é que o rapaz, pacato e simples, com raios de poesia na sua mente de poucas leituras, mas um grande observador do cotidiano e da Natureza, rabiscou a frase com pétalas de flores: macerava as pétalas de rosas vermelhas, e de outras com a mesma cor carmim (como rosa-graxa), esfregando-as na parede, até que conseguiu escrever sua frase poética. Outro fato é que a havia escrito à noite (não se sabe o horário; o lugarejo dormia cedo; teria usado a luz de uma lamparina para alumiar o lugar). Pela manhã, apareceu a bela frase, e um fuxiqueiro, como era chamado o alcaguete, um xis-nove de meia-tigela, correu a avisar ‘a desgraceira’ ao portentoso delegado, que de imediato veio ao encontro do jovem, sentado à porta de sua casa. E o levou ao lado para mostrar a ‘prova ocular’ do crime, e lhe perguntou: “Foi você, Florentino, que escreveu essa imoralidade?”, e ao receber a confirmação com um sim magro, medroso e quase inaudível, ordenou aos berros que se ajoelhasse ali mesmo (e estava sem camisa, que nem a tinha, exceto poucas para ocasiões especiais), e começou a surrá-lo a torto e a direito, e o rapazote de seus 16 anos, debruçado, com os braços franzinos, contra a parede, só gritava e chorava. E se sabe ainda que esse momento durou ‘alguns minutos’. Dona Severina, sua mãe, lhe teria dado banho com água de sal antes de ser levado para o xilindró. Livre, ficou recluso em casa por muitos dias, até sararem por completo as chagas, para que os curiosos não o vissem assim. Florentino e Severina são nomes fictícios. Ela, a mãe extrema, não gostava do ‘senhor delegado’, cujo nome, sabido de muitos, não se ousa citá-lo aqui, por respeito ao anonimato, hoje sob a égide da lei. O motivo de ‘não se gostarem’ é que o delegado teria desejado arregimentar um pretendente para essa senhora, ainda ‘jovem’, bem madura, de ancas parrudas, que ‘dava um caldo’, como se dizia no linguajar regionalista. Ela se sentiu ofendida e recusou a prenda, e o delegado não gostou. A postura do mandatário seria de intervir até em casos de ‘se arranjar um marido’ para uma solteirona, a não ficar no caritó, ou para uma viúva bonita e saudável. Sua fama rodou mundos. Será que pessoas na região ainda se lembram dele? Isso se deu por volta de 1960.

O ‘teje’ é corruptela de ‘esteje’, vinda de ‘esteja’, forma imperativa do verbo estar, que seria dizer ‘Esteja preso‘, como se o cidadão espontaneamente fosse ‘se entregar’, ele mesmo ‘se prenderia’. Se usamos ‘Esteja à vontade’, ao receber uma visita, o teor da frase significa Fique a seu bel-prazer, tome um cafezinho, escolha uma fruta, saboreie um naco de rapadura; sinta-se livre ao estar na casa, mesmo rústica, sem ter vergonha de alguma coisa, sem se acanhar, como se fosse um membro da família.

Hoje, a autoridade, ao dar essa famigerada voz de prisão (por algum flagrante grave), deve dizer: “Fulano, o senhor está preso em nome da lei” (citar o motivo) e conduzi-lo coercitivamente ao Distrito Policial ou Delegacia Especializada para formalizar o Processo e fazer o tão pouco conhecido Exame de Corpo de Delito (comprovando a materialidade e registrando os dados do infrator, até sua vida pregressa), para ser julgado, podendo ser incriminado, ou liberado mais tarde, via sentença do Meritíssimo Juiz de Direito ou a pedido de um procurador por Habeas-Corpus.

Abraços. Até mais ver.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *