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O Regionalismo linguístico é supimpa: Ele é muito mofino, mas é um bom cabra-da-peste

O falar regional é, ou foi, arretado de bom.

O mofino é meio frouxo, no bom sentido, não covarde, mas o cara que não gosta de contenda.

Isso é supimpa.

Poucos saberiam o que eram fissura e hirto, termos da linguagem erudita; não se conhecia, então, o plugado (o antenado moderno), do Inglês plug, mas se usava com sabedoria o termo cafetina. Naquela casa simples, ‘tinha’ uma mulher que recebia as moças ‘tiradas’ de casa (que perderam a honra).

O cara foi preso porque tirou a moça de casa; um teve que casar pelo mesmo motivo: tirar a moça de casa dava cadeia, tinha que casar, ou fugia. Melhor seria fugir, antes, com a moça na garupa do cavalo castanho, e depois voltava para casar. O pai ficava zangado, mas não dava xilindró.

O cabra-da-peste pode ter vários significados, e vai de cada momento.

Bom amigo, homem-cavalheiro, sempre sorridente, que ajuda no mutirão, é a pessoa assim: companheiro e solícito, o cabra-da-peste.

O vaqueiro corajoso, o camponês destemido, que não leva desaforo para casa, não ‘o Lampião do Nordeste’, é o cabra-da-peste: esse ‘distintivo’ serve de alerta para que não mexam com ele; gosta de chegar calado e assim sair, mas pode ser de boa prosa, desde que a conversa tenha sentido. Falar o besteirol não é com ele.

Fala do plantio no roçado, da corrida de cavalos pés-duros, de bodes e carneiros, mas não se envolve com o alheio, detesta mexericos ou alcoviteiras (fuxiqueiras de mão cheia), que põem a vida a perder, a delas e a dos outros.

A mulher-dama, que não deve ser chamada de prostituta, é sempre respeitada.

A cafetina tinha sua clientela, pessoas de ‘alto nível’. No seu canto, sem falar mal de ninguém, vestia-se bem. Se ia a uma loja comprar o corte de tecido para fazer a saia rodada, parecida com a da cigana bonita, sabia tratar a ‘senhora’ do comércio com dignidade.

Dava um bom-dia respeitoso, não perguntava o que não devia, não falava qualquer termo que pudesse ofender ou insinuar desrespeito. Ia a negócio, e assim saía de lá ‘sastifeita‘ da vida.

Tratava bem para ser bem tratada. Se fosse ofendida, é que reagiria aos maus-tratos verbais, que não eram ‘discriminações’, mas ‘ofensas’ ou palavras feias.

Não se usa termo ‘chulo’, em linguagem vulgar; sabia-se que a mulher tinha ‘vagina’, mas não se usa no meio comum. Só um profissional o falava, e talvez na palestra; se houvesse criança, teria que dar um rodeio até chegar ao que quisesse dizer. Vulva não é a mesma coisa.

No meio comum, ‘periquita’ ou ‘perseguida’ para indicar o órgão sexual, mas sem usar vulgaridade: bu…c. Boceta é caixa de rapé, com cheiro forte. Faz espirrar e combate o defluxo.

Seu Conrado, o dono da botica, a farmácia que tinha tudo, é que sabia dizer as palavras certas, e como não havia dicionário, alguém ia até ele saber o significado de certas palavras.

Menino usa inticar (provocar, enticar, implicar); adulto diz encafifar; pernoitar é quando se pega a Marinete e dorme na pousada em Feira de Santana. Catita, pequeno rato doméstico, pode ser, ainda, a moça bonita e elegante.

Camafeu, a pedra preciosa ou a mulher muito feia.

A menina toma banho no riacho pelada, mostrando a xo…x, mas não acontecia ‘ousadia’; o respeito era obrigado. No máximo, ela estava ali como ‘veio ao mundo’.

O pobre como Jó não tinha eira nem beira, mas tinha crédito na venda e comprava para anotar na caderneta e pagar na época da colheita de feijão, de mamona, quando as bolas de fumo de rolo estavam ‘curadas’, prontas para serem vendidas no Serrote, hoje Serrolândia, em Várzea do Poço, em Piritiba, Jacobina ou Miguel Calmon.

Cada um tinha seu modo de ser, de falar, e se andava meio desengonçado, era um ganso, com as pernas meio tortas, sem haver brigas. Dona Zizinha, a maior cafetina da região, tinha as pernas de fuso, mas ótima pessoa.

Na feira-livre, podia se vender de tudo: de bolo de milho a uma brevidade com ovo de galinha da capoeira, feita à base de tapioca, goma de farinha de mandioca mansa. Não era goma fresca, porque não tinha geladeira; era goma seca, e na hora de usar, buscava a água da cacimba para dar uma ‘molhada’ e ficar macia para o traquejo com as mãos calejadas, e o biscoito era bom, a ponto de ser vendido na quitanda, levado numa cesta forrada com tecido fino: cambraia estampada, que tanto dava saia, vestido ou camisa de manga comprida, que nem sempre era branca de tricolina importada da Índia, mas era vendida na ‘Bahia’, isto é, em São Salvador, a Salvador capital dos baianos e dos soteropolitanos. ‘Estou indo à Bahia’, para dizer a Capital do Estado.

Pois é… Assim, falava-se o português do interior, com mistura de termos caipiras e africanos. Até Xangô se podia usar; nem sempre seria o santo, mas o cara meio afeminado.

A moranga com leite de cabra. Uma moranga de casca verde, e outra de casca avermelhada, mas as duas têm valor nutritivo. A cor da casca não é negaça.

O cuscuz era puro; a umbuzada, verdadeiro iogurte de umbu verde, feita com leite de vaca craúna, era deliciosa. O café socado no pilão, torrado em fogo forte, e a mulher que o torrava ficava três dias sem tomar banho para não ‘estuporar’, porque estupor mata em minuto. O corpo fica vermelho e daí começa a ficar roxo, e morre.

Você sabe os vários significados de ‘mofino’?

Naquele tempo em que se guardava coisa velha na cumbuca, em que se carregava lenha no caçuá (não o confunda com o verbo caçoar), limpava o açude carregando terra no banguê (…güê), milho na bruaca, a casa de farinha era feita de adobe, mofino podia ser acanhado, tacanho, tímido, indisposto ou adoentado. Podia-se dizer que era também o infeliz, desgraçado, que nasceu pobre e assim ‘iria para a cidade dos pés-juntos’.

Um momento mofino seria turbulento, provocador, importuno, inoportuno. Podia chegar a ser mesquinho, avarento, covarde.

O certo é que mofino não indicaria uma má pessoa, mas alguém que passava por um momento diferente.

Isso basta?

Cuidado! Crianças estão a bordo, isto é, no interior do veículo.

Difícil entender como uma pessoa fica ‘a bordo’ de uma motocicleta, se esta não é fechada. Ruim o uso de crase, à bordo, por se tratar de termo masculino: a óbito, a prazo; a bordo.

Eu abordo, tu abordas, ele aborda, nós abordamos, vós abordais, eles abordam: para discutir determinado assunto com quem entende do riscado.

Como dói dizer que ‘A jovem foi assassinada por duas pessoas abordo de uma moto’ (sic), que não deram chance de a vítima se defender.

Pessoas estão a bordo no navio, no avião, no veículo fechado.

Fico aqui, e depois volto.

João Carlos de Oliveira

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