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‘Vendemos porções a 10,00′, dizia uma tabuleta. Poções, a cidade; as porções (as partes); os poções d’-água; as poções (remédios caseiros)

Parece muito simples, mas essas grafias, com seus respectivos significados, requerem um pouco de atenção.

São palavras corriqueiras, tão naturais como o falar cotidiano, mas têm nuances que podemos comentar.

Regionalmente, são usadas à moda de cada lugar, de seus falares, de seus habitantes, conforme a cultura diversificada das cidades e seus munícipes.

Esse regionalismo linguístico é muito bonito e deve ser respeitado. Os comentários pejorativos sobre esse ou aquele modo de falar de um habitante regional é mera suposição, e devem ser combatidos. Justamente, essa diversidade, e inteira diversificação linguajar, é que deve ser amparada e acatada, como um diamante raro, a riqueza de cada lugar. São dizeres peculiares que nos tornam valorosos, valorados e valorizados, e o falar mal do jeitinho de se dizer as coisas traz certa ignorância, no sentido literal da palavra, e no seu figurado.

Qual a graça de termos um País enorme, quase continental, com uma similaridade, a suposta ‘igualdade’, em todas as regiões? A monotonia não é eficaz, e iria nos empobrecer.

Deixemos o povo falar.

A começar os olhares sobre os termos aqui enunciados, citemos de chofre a cidade baiana Poções, tão bonita, tão próspera, no Centro-Sul Baiano (Sudoeste?), cortada pela BR 116, a popular Rio-Bahia.

Quer ver mais? Apareça por lá e se sinta em casa e saboreie um prato típico, como uma buchada de bode, de fazer suar, e se o caboclo não é forte ou não tem o hábito de ingerir um prato assim, com pimenta e mais uns ingredientes, pode passar mal.

Que tal dar mais umas voltas e chegar às margens do Paraguaçu e saborear uma maniçoba em São Félix, Cachoeira, Muritiba ou cidade adjacente?

O que não sei é se o nome da cidade surgiu dos ‘poções’ de água formados na região, com a temporada de chuvas, chamadas cacimbas ou tanques, ou se o nome teria a ver com a conotação de ‘mezinhas’, remédios caseiros. Uma poção mágica é um remedinho de primeira que cura dor de barriga, enxaqueca ou a coriza enjoada, ou mesmo a ressaca após a noitada dançando samba de roda com as meninas vestidas de roupas longas e coloridas. Isso é que é vida, e não seria a ostentação de alguns em iates ou clubes famosos, salvo o devido respeito a cada caso. Para o homem comum, como este comentarista que adora ‘poções mágicas’, para curar as mazelas, melhor o ambiente popular.

A porção é a pequena quantidade de alguma coisa, geralmente, comida, um prato típico, como o feijão de corda com torresmo, uma buchada com farinha, e antes uma ‘beer’ bem gelada, ao lado dos amigos, e aquela prosa informal com muito papo sem pé nem cabeça, mas alegre e hilariante, e as risadas inevitáveis.

Após a chuva forte, ficam os poções, as poças d’-água, ou, no popular, as poçonas de água barrenta, e aí os sapos, machos e fêmeas, vêm namorar e fazem aquela coaxada estrondosa. Depois de algum tempo, vá ver o resultado: girinos e mais girinos, comunicando-se na água quente, bem à vontade. Antes de o local secar, sofrem metamorfose (caem os rabinhos), mudam de cor, criam pernas e ganham a Natureza, indo devorar insetos diversos, e crescem: os famosos cururus, que melhoram o ambiente. Não podemos matá-los.

Na minha terrinha, tomávamos banho no poço fundo, porque antes nos sujamos na poça da estrada, e o ‘calção’, o chamado short da época, ficava sujo; vinha uma peia em casa, uma surrinha bem quente, por termos sujado a roupa, mesmo escura (azul ferrete ou uma cor preta fosca), de um brim forte, que não era blue ou jeans, mas era o pano da meninada pobre que usava calça curta.

Então, no mercado popular, se você não quer uma refeição ou um PF, pode pedir uma porção (menor), e o preço em conta.

A poção mágica, como sabemos, é o remédio caseiro eficaz, ‘pra tudo, meu filho’, como dizia a vovó, que sabia fazê-lo bem numa chaleira com as folhas em infusão. Toma um gole, e a gripe se vai. Chá de alecrim é um santo remédio. A mezinha da vovó tem a eficácia de um genérico. Até dor de cabeça cai fora, e o caboclo vai dormir tranquilo.

Essa modalidade de ‘meizinha’, outra forma de dizer o nome, vem da fitoterapia indígena, ou até árabe, expandida pelos portugueses, com a sua ampla divulgação nacional. Uns falam bem, outros mal, mas a garrafada continua, ou uma xícara de certo chá vale uma fortuna.

As três palavras básicas: poço, que dá a poça ou o poção (poça d’-água é mais comum); no plural, poções (as poças, no familiar ou infantil, as poçonas). O poço artesiano. Porção, uma parte ou pedaço de alguma coisa. Porção de um bolo. Um prato de comida simples, vendido em bar ou restaurante popular, com preço menor. Vi uma senhora dizer ‘Me dá uma porção de feijão com carne assada no preço de 5,00’, e foi servida. Comeu a se valer, e saiu sorrindo. ‘Obrigado’, falou para o vendeiro. Poção, um remédio, uma forma de dizer ‘preparação aquosa com uma ou mais substâncias medicamentosas, para uso interno’ (como diz um léxico). A poça é a cavidade rasa no solo, preenchida com água. O poço é a cavidade mais ou menos funda, feita no solo para atingir um lençol de água subterrâneo ou para acumular água, potável ou não, e que normalmente serve de bebedouro para os animais. Porção, a parte de um todo; quantidade de pão, carne ou comida; a parte de cada um (o quinhão); um pedaço grande.

Nomes de cidades que contêm palavras como poço(s), poção e poções: Poção (PE); poçãoense. Poção de Pedras (MA). Pocinhos (PB). Pocinhos do Rio Verde (MG). Poço Branco (RN). Poço Dantas (PB). Poço das Antas (RS). Poço das Trincheiras (AL). Poço Fundo (MG; PE). Poço Redondo (SE). Poço Verde (SE). Poções (BA); poçõense. Poços (BA); pocense? Poços de Caldas (MG).

Há outras maneiras de definir esses vocábulos, e como sabemos que as pessoas têm seu conhecimento, inclusive o regional, o leitor tem a capacidade de acrescentar o que não encontrou aqui, ou foi falha deste comentarista.

Um parágrafo: Em 1969, fazia o Curso de Letras em Teófilo Otoni, MG, e ia a uma padaria lanchar (tomar uma merendinha, o café da tarde). O pãozinho com manteiga e um pingado (leite com café, ambos quentes). Vendiam na prateleira uma garrafinha de vidro de leite, que estaria pasteurizado (termo que aprendi depois). Mais tarde, esse leite viria numa caixinha, ou leite de caixinha, onde estaria escrito ‘leite longa vida’. Pensava eu que ‘o leite longa vida’ é que daria ‘longa vida às pessoas’. Mas o ledo engano, hoje, é explicado: o leite que dura mais tempo sem se deteriorar. Seria isso. Mas nenhum professor, mesmo o de Ciências, explicava isso às turmas de ginásio ou segundo grau. Aprende-se depois no dia a dia.

Até nos ver.

João Carlos de Oliveira

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