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Estava escrito em um artigo: “… destinado a aqueles que têm esperanças” (sic). E pode ser assim: a aqueles?

Pela norma gramatical, a redação deve ser: destinado àqueles que têm esperanças.

Similar a essa redação, se fosse regra gramatical, poderíamos escrever desta forma: ‘Não ligues a aqueles que te criticam’.

O fato de haver a preposição –a antes dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s) e aquilo, exige que seja obrigatória a crase, como manda a Gramática Normativa.

Exemplos clássicos:

Assistimos àquele filme famoso, e depois fomos à lanchonete bater um papo.

Quem assiste, no sentido de ver, presenciar, assiste a algo, a alguma coisa, portanto, a regência verbal de assistir exige a preposição –a, que, associada ao pronome demonstrativo aquele, forma a crase: àquele filme. A Gramática não determina que seja a aquele, que ficaria com certa dificuldade de pronúncia e aparência estranha.

Logo, a fusão de a+aquele é obrigatória: àquele, mesmo que o termo seguinte seja substantivo masculino.

O redator dessa escrita teria esquecido a regra ou, talvez, não a conhecesse por algum fato inusitado. Há quem diga que nunca aprendeu a crase ou que aprendeu um pouco de suas regras, mas teria esquecido. Considerada correta a expressão dele, teríamos que dizer ‘Os bombons são destinados a as crianças carentes’. Já viu essa redação? Ela não existe. Os bombons são destinados às crianças carentes, assim como usamos Vamos às festas todos os finais de semana, e não Vamos a as festas…

Outro item importante é que a pronúncia de àquele não é forte (não precisa, não deve ser forte) nem se diferencia da normalidade: Assistimos àquele filme famoso, do mesmo que se pronuncia aquele (sem crase) em outro momento: Vimos aquele filme famoso, e depois fomos à lanchonete bater um papo.

Se ocorre a crase com o singular, aquele, a mesma regra se mantém para o plural, o feminino singular e o plural, e para aquilo, que pode substituir o masculino ou o feminino, mas é considerado neutro.

Analise com atenção as construções frasais:

Assistimos àqueles filmes famosos.

Assistimos àquela peça famosa.

Assistimos àquelas peças famosas.

Assistimos àquilo tudo em silêncio, sem nada poder fazer.

Aspiro àquela vaga de ajudante de pedreiro.

Se o verbo aspirar, no sentido de desejar, querer, exige a preposição –a, associada ou fundida ao pronome aquela, ocorre a crase. Aspiramos àquela fartura cotidiana que existe no sítio, as frutas, o leite, a comida natural, a paz, o ar puro.

Usamos o plural seguindo o mesmo critério: Aspiramos àquelas vagas de auxiliares de cozinha.

Curiosa é esta frase: Prefiro isto àquilo.

Jamais, seria usada a redação Prefiro isto a aquilo, e alguém que não conhece a regra, poderia usar e até considerar como forma correta de redação, o que não é.

Mais curioso é dizer que mudada a ordem das palavras, se for o caso, estando lógica, a crase desaparece: Prefiro aquilo a isto, uma vez que a frase é comparativa e o verbo preferir, nesse aspecto, determina que haja dois objetos, um direto (o primeiro) e um indireto (o segundo). E não usamos crase antes de isto (à isto, que não existe).

A redação ‘Foi morto à tiro’ é indevida, como à prazo, à óbito, à pé,

Prefiro ler a dormir cedo. Prefiro café a leite. Prefiro a laranja à goiaba. Prefiro laranja a goiaba. Prefiro o pão ao biscoito. Prefiro pão a biscoito. Prefiro o poema ao conto. Prefiro poema a conto (a um conto).

Se usado artigo antes do primeiro substantivo, vem crase antes do segundo (no caso de femininos). Prefiro a manga à tangerina. Não sendo usado artigo antes do primeiro, não há crase: Prefiro manga a tangerina. Se houver substantivo masculino precedido de artigo, o segundo vem precedido de ao: Prefiro o coco ao mamão. Prefiro coco a mamão (Prefiro coco a um mamão.)

(Faça suas frases, compare umas e outras e veja a diferença. É preciso treinar esses casos para evitar gafes redacionais.)

O enunciado ‘Não ligues a aqueles que te criticam’, incorreto, caso o autor não saiba usar a crase, poderia haver novas redações:

Não ligues ao que eles estão dizendo (aos que estão te criticando, pois são uns bobocas). Não dê ‘ligança’ ao que eles dizem, por se tratar de uma inverdade.

(Não dê ligança, linguagem popular, tem o valor de ‘Não dê atenção, Não se preocupe com isso, Não dê trela, Não ligue pra isso, Não se importe com isso.)

Quanto ao uso de à, antes de feminino, relembre o caso de ao, antes de masculino.

Fui à missa, fui ao clube. Aspira à vaga, aspira ao cargo.

Aspiro ao cargo de professor. Este é o cargo ao qual aspiro (a que aspiro). Este é o bairro ao qual iremos (a que iremos).

As pessoas serão avisadas (sem crase). Às pessoas não restarão novas opções, senão seguir as regras (com crase).

Crie sua frase similar a esta: Se àquela descoberta seguia um fato novo, o melhor seria mudar de cidade para não ser morto pelos comparsas.

O governo deve dar esperanças àqueles que necessitam de ajuda: oferecer curso.

Mire este dito popular: Se alguém lhe oferece a vara de pescar, é porque quer um peixe de retorno.

A grafia àqueles, com crase, como vemos, completando o sentido de um verbo, constitui objeto indireto: O governo assiste àqueles que precisam de socorro imediato.

Se completa o sentido de um nome (substantivo ou adjetivo), constitui complemento nominal: Dê esperanças àqueles que precisam de ajuda oferecendo-lhes cursos, e não simplesmente lhes dando óbolos.

O uso da crase comentado não é opcional nem constitui licença poética, Tudo é destinado àqueles que precisam (as roupas, os mantimentos, os itens de primeira necessidade).

Não é correto, então, usar Tudo é destinado a aqueles que precisam (preposição e pronome, separados) nem a redação sem a crase (Tudo é destinado aqueles que precisam).

O que podemos pensar é que redatores de artigos digitais envolvendo assuntos polêmicos são pessoas de bom nível intelectual, com curso superior, até Letras, e por que esse lapso acontece?

Há lapso em dizer ‘Ela se casou na adolescente’, que seria Ela se casou na adolescência, ou Ela se casou quando adolescente. Algo despercebido, mas não se trata de uma regra.

Fechemos a análise de hoje.

Um pensamento que aprendi fazendo curso de Espanhol pelo Duolingo (nome comercial deles, acredito).

É muito difícil pôr as palavras no papel.

Em Espanhol: Es muy difícil poner las palabras en el papel.

Gracias por tener estado aquí.

 

João Carlos de Oliveira

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