1

Certos verbos podem-nos parecer estranhos. O menino ‘balanga’. O porco ‘chafurda’. Você os conhece e usa?

Alguns são desusados ou regionais, por isso, desconhecidos de muitos, talvez, dos mais jovens. Aos ouvi-los, não diga “O Português é muito difícil” ou “Essa linguagem é de gente…” (oculte o adjetivo que iria usar). Melhor dizer que a atenção e o respeito ao uso desses termos nos fazem conhecer o nosso idioma e o nosso regionalismo, que esse conhecimento é bem-vindo. Quando temos contato com alguém de instrução escolar limitada usando seu vocabulário ‘específico’, bem dosado, com toda aquela entonação, temos algo agradável, cuja grandeza é: “Vivemos num Brasil múltiplo, rico…” Essa pluralidade é um sujeito ativo da nossa cultura, com todas as letras maiúsculas do alfabeto.

Vamos tentar explicar alguns deles.

Balangar‘ é o mesmo que balançar. O jovem de anos idos criava um ‘balango’ – uma corda amarrada a um pedaço de tábua perfurado nas duas pontas; pendurava esse artefato numa árvore e surgia um esporte interessante: sentado, balançava-se para lá e para cá, indo e vindo, olhando para o horizonte, fazendo poesia, imaginando o homem que seria em tempo futuro. Isso quase deixou de ser. “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar”, esse folguedo infantil, como o ato adulto de colocar as cadeiras na porta da casa para um papo sadio, está perdendo suas forças, como uma doença que nos corrói. Perdemos muito com isso e podemos ‘morrer de inanição cultural e civilizatória’.

Chafurdar‘ é o mesmo que enlamear-se, como um porco que entra no lamaçal, embora nem todos os porcos (os de pocilgas modernas) vivam esses momentos. Assim como os elefantes se protegem tomando banho saudável de lama (e outros animais selvagens, como os catetos), nossos porcos criados à solta ainda fazem isso. Que bonito ato coletivo!

Esconjurar‘, verbo usado em momento de abominação. “Te esconjuro”, para dizer “Abomino o que você faz”, porque isso é pecado. Entre outros, alguns sinônimos desse verbo: amaldiçoar, exorcizar, lamentar-se. O ato de esconjurar poderia ser mais profundo – ‘mandar para o inferno’.

Besuntar‘, talvez até com o sotaque ‘bisuntar’, é colocar óleo sobre o corpo como um ato de unção; nos momentos de cozinha, é envolver com gordura uma carne especial ou um animal inteiro para ser assado. Esse verbo tem raiz etimológica da expressão latina “bis unctare” (untar de novo), que significa no nosso vocabulário: untar, lambuzar, sujar de gordura ou de substância pastosa.

Degringolar‘, de origem francesa, é cair, arruinar-se, ruir. O negócio degringolou. À primeira vista, parece que vai ‘degolar’ alguém, mas é usado, modernamente, para dizer que um ato vai cair no embaraço, não vai dar certo; um movimento de protesto não teve o resultado esperado: degringolou, desmantelou-se.

Abalroar‘, o mesmo que atacar com balroa – instrumento com ganchos numa haste para atacar uma embarcação. Tem-se desse verbo ‘abalroamento’, um choque violento. Na linguagem moderna, abalroar é quando veículos (no ar, na terra, no mar) se chocam. No trânsito caótico da cidade, os veículos se abalroam a todo o momento (ato comum). Sua pronúncia é cuidadosa. Pena é que, numa reportagem sobre trânsito, uma estudante universitária disse não conhecer o que é ‘abalroar’. Pense um pouco.

Apiabar‘ é o mesmo que piabar (jogar com cautela pequenas quantias). Sua origem vem de ‘piaba’, o peixinho, chamado também lambari. Apiabar, no Nordeste, tem largo uso – pedir por empréstimo (pequenas quantias) no jogo. Numa linguagem rasteira, piabar é ter vontade de fuxicar, de descobrir um segredo, de falar algo inusitado.

Cavoucar‘, abrir um cavouco (cova, vala, buraco). Cavar, caboucar, cavucar, escavar. ‘Adelgaçar‘, tornar delgado, isto é, fino. Figurado é dizer “Ele adelgaçou”, isto é, emagreceu. ‘Ablactar‘, o mesmo que desmamar, ableitar. Trata-se de verbo usado nas áreas médica e paramédica. Um médico pode dizer “Está na hora de ablactar essa criança”, aquela já grande chupando bico e pendurada no peito da mãe. Bezerro grande deve ser apartado. Essa linguagem ‘ablactante’ equivale ao erudito usado no lugar do popular: a criança está com escabiose (a sarna).

Sem comentar, ficando a critério do leitor a análise, estes verbos merecem crédito: pongar, barganhar, esvair (em sangue), blindar (não confunda com brindar alguém numa festa), obsequiar, esgravatar, escrafunchar, escafeder-se, garrotear, pugnar, morcegar, perscrutar.

Não se pode escrever ‘robar, estrupar, restorar’; muito menos, pronunciar ‘roba, estrupa, restora’. Não se usa “Houve um robo no banco”, mas um roubo. Portanto, ELE ROUBA, ELE ESTUPRA, O GOVERNO RESTAURA. Da mesma forma, deve-se pronunciar o res-tau-ran-te, nunca o ‘restorante’.  Fica feio. Deixemos, por razões óbvias,  que o homem iletrado fale ‘melencia, jinela’; ele não sabe nem o que é vogal. E nós?

Volte a ‘conversar’ comigo no próximo artigo. Abraços.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

1 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *