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As grafias ‘pequenez’ e ‘pequinês’ oferecem dúvida? Entenda a derivação sufixal

Esses vocábulos pertencem à derivação sufixal, processo pelo qual é acrescido um sufixo a um radical: corpo, corpanzil, dormir, dormitório. Ez, com a variante eza, é sufixo formador de substantivo abstrato: estúpido, estupidez; miúdo, miudeza; ês é sufixo formador de adjetivo de substantivo: Dinamarca, dinamarquês; Finlândia, finlandês (ou finês); Calábria, calabrês; Milão, milanês; Escócia, escocês. Ez se confunde com ês, e eza com esa. Os adjetivos terminados em ês, normalmente pátrios, flexionam em eses (m. pl.), esa e esas (f. s. e pl.): calabrês, calabreses, calabresa, calabresas.

Populares e abundantes, podem trazer dúvida de grafia ao usuário pouco acostumado ao processo de derivação sufixal: pequeno (adjetivo) forma pequenez (substantivo), cujo plural é pequenezes. Pequim, capital chinesa, forma pequinês, natural ou habitante dessa cidade. A grafia pequineses (m. pl.) pode ser confundida com pequenezes. Pequinesa flexiona no plural pequinesas. Nossa Fonética é muito flexível. Um usuário pode pronunciar pequenez de maneira muito parecida com a de outro ao pronunciar pequinês. O sotaque de um pouco se distingue do de outro. O ‘piquinêis’; a ‘piquinêis’. O sotaque carioca, talvez, seja o que proporciona mais nuanças fonéticas. Mas não há problema nisso. O que não pode é alguém alterar a grafia com base na sua pronunciação.

Derivados terminados em eza: real, realeza; mole, moleza; destro, destreza; belo, beleza. O usuário deve ter o absoluto cuidado de não confundir essa grafia com o feminino singular de adjetivo em ês: tailandesa, portuguesa, holandesa, paquistanesa, norueguesa. Há adjetivos derivados em ês, como montês (de monte), cortês (de corte) e pedrês (de pedra), que não formam feminino singular em esa, como não têm o plural esas: bode montês, cabra montês, bodes monteses, cabras monteses; não há ‘cabras montesas’; e seguem: jovem cortês, jovens corteses; galo pedrês (carijó), galos pedreses; galinha pedrês, galinhas pedreses.

Esa é usado também em se tratando de femininos indicativos de cargos honoríficos: a baronesa (o barão), a consulesa (o cônsul), a princesa (o príncipe), mas a viscondessa (o visconde). Comuns: o burguês, a burguesa; o marquês, a marquesa; o tigre, a tigresa. Não existe ‘tigreza’.

O processo de derivação sufixal para substantivos e adjetivos é rico e variado, a ponto de oferecer essas dúvidas, mas conhecê-lo é necessário, observado o cotidiano e respeitada a linguagem culta.

Exemplos de derivados sufixais: estelar, de estrela; solar, de Sol; lunar, de Lua; gasoso, de gás; vicioso, de vício; amante, de amar; sofrível, de sofrer (a propósito, ‘sofrência’, o estilo musical em voga, vai chegar ao dicionário, uma vez que temos clemência, decência). Alegremente, de alegre; precocemente, de precoce; habitual, de hábito; rendeira, de renda; ricaço, de rico; corpanzil, de corpo; casebre, de casa; poemeto, de poema; porciúncula, de porção;  chuvisco, de chuva; narigão, de nariz; calvície, de calvo; imundície, de imundo. A palavra ‘mundície’ existe e vem a ser ‘higiene’. Se alguém chama o outro de ‘mundiça ruim’ (mundícia), o oposto de ‘imundície’, estaria dizendo que a pessoa é uma ‘higiene má’? Seria equivalente a ‘alguém imprestável’? Há dúvida. Esse uso é curioso.

A derivação sufixal merece comentário especial em outra oportunidade.

Portanto, pequeno, adjetivo primitivo, forma o substantivo derivado pequenez, cujo plural é pequenezes. Figuradamente, a pequenez  é sinônimo de a mesquinhez, a insignificância, daí se dizer ‘a pequenez de espírito’, mas há quem confunda essa grafia com ‘pequinês’, usando ‘a pequinês do espírito humano, a pequinês da alma humana’. Não faz sentido. É ledo engano, forte lapso linguístico, a depender do nível de quem fala ou escreve; jamais, o redator de jornal poderia cometer esse erro. O pequinês é pobre de espírito? Teria sentido, com a possibilidade de a mesma frase ser flexionada no feminino: a pequinesa é pobre de espírito. Trata-se de outra semântica.

A expressão ‘Pela sua pequeneza, a pequinesa não consegue alcançar o livro na estante’ poderia conter sentido pejorativo, embora graficamente correta. Melhor seria ‘a baixa estatura da pequinesa não lhe permite que…’, ao contrário de escrever ‘a pequinês da alma humana’, expressão que, tanto gráfica como semanticamente, contém incoerência.

‘Pequinês’ é ainda ‘cão de companhia de pequeno porte, com focinho bem curto, olhos proeminentes e orelhas caídas’, definição de um dicionário. O cão pequinês, como o nome indica, teve sua origem em Pequim. Essa grafia não pode ser confundida com ‘pequenez’, de pequeno. São básicos o étimo (pequeno, Pequim) e os significados.

Teixeira de Freitas, BA, 17 de janeiro de 2017. João Carlos de Oliveira.

João Carlos de Oliveira

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