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Eu rio, ele riu, eu ri, eles riem, que vocês riam. Essas flexões verbais estão corretas?

O verbo rir, de cunho hilariante e poético, pode tornar-se temeroso. Alguns desistem de usá-lo e remendam a fala com seu substituto sob o olhar do regionalismo: eu ‘sorro’.  Nesse arrocho, sorrir, cujo aspecto semântico se assemelha, acaba sofrendo tanto quanto rir, mas ambos, aos trancos e barrancos, sobrevivem sob o olhar de vários matizes.

Como explicar essa trajetória meio transversal?

Rir, do Latim ridere, é ‘contrair os músculos faciais em consequência de uma impressão alegre ou cômica’, definição de um dicionário. No popular, é ‘dar risada, gargalhada’. Por extensão, rir é assumir expressão alegre. Até esse momento, esses significados norteiam a tentativa de bom uso desse verbo universal. Atualmente, seu uso se torna cauteloso para que os constrangimentos não venham à tona.

Pejorativamente, rir é zombar, ridicularizar, chacotear, ofender, menosprezar, entre outros aspectos do domínio público. Os brasileirismos de cunho negativo sobre o verbo rir circulam por todo o País. Se perguntarmos a alguém sobre o que é ‘rir’, a pessoa sorri e questiona se seria o mau ou o bom sentido. Provavelmente, seria assim. O professor já viu essa cena em sala de aula por muitas vezes num momento inusitado (uma queda, uma gafe, um erro, um ledo engano entre o nome de um aluno e o de outro por serem parecidos).

E sorrir? Seria o verbo da poesia, da metáfora? Sorrimos com o olhar, sorrimos com a face corada, sorrimos com a surpresa que nos mareja as pálpebras. Sorrimos por que sorrimos, já que o sorrir não cogita o aspecto negativo, supostamente. Então, leitor, atento ao comentário deste blogueiro, sorrir, do Latim subridere, é rir sem ruído. Às vezes, pode-se dizer que ‘sorrimos apenas com os lábios’. Que engraçado! O olhar se torna fugidio, buscando a imagem inexistente, e sorrimos olhando para baixo ou para o lado em busca de algo que nem sempre encontramos. Se aparece, sua silhueta é fugaz. Visto o aspecto semântico do prefixo sub, muito usado entre nós e no próprio Latim, tomando ainda o sentido de ridere, subridere, o étimo de sorrir, até prova em contrário, seria ‘rir por baixo’ (na tentativa de não revelar o que o sorridente sente nesse momento?).

O riso pode não ser tão agradável, mas o sorriso, como o de uma criança, encanta, como o semblante da amada que recebe seu par, como o do amado que recebe sua musa. Eis um momento cosmopolita, que nem sempre vem acontecendo.

Por extensão, sorrir é estar contente, alegre, revelar (em silêncio facial!) algo prazeroso ou hilário, que também equivale a rir, haja vista se diga que sorrir é zombar, mofar. O tal do sorriso maroto é profundo, deixando sempre a dúvida se seria o lado bom ou o ruim. Não, professor, seria apenas o ruim. “Tá sorrindo d’eu”, diria alguém em momento pouco descontraído em que os dois lados, não se azeitando para o encaixe na mesma fissura, se desentendem.

Afinal, professor, vai conjugar os dificultosos rir e sorrir, ou vai ficar fazendo conjecturas que todos conhecem? Se todos já os conhecem, fica melhor assim, confirmando que o leitor tem visão sorridente; se nem todos os conhecem, fica a vereda para que sejam mais conhecidos. Isso, então, é bom.

Não precisamos conjugar os dois. Basta um. Como basta um? Do jeito que se conjuga um, conjuga-se o outro. Seria possível se entender essa alternativa?

Todas as afirmações do título estão corretas. Eu ‘rio, forma homônima perfeita de ‘rio’, o curso d’água, é que leva alguns a rejeitarem conjugá-lo. Mas está corretíssima, segundo a Fonologia explicada em muitas gramáticas. Um aluno me pede para conjugar o verbo ‘sorrir’, porque, segundo ele, teria dúvida de ‘eu sorro’. E o professor sorri. Eu sorrio, eu rio. O que é isso, companheiro?

Logo, no presente do indicativo, registramos: eu rio, tu ris, ele ri, nós rimos, vós rides, eles riem. No pretérito perfeito do mesmo modo: eu ri, tu riste, ele riu, nós rimos, vós ristes, eles riram. Uma pausa comparativa: eu rio (presente), ele riu (passado). Temos, nessa encruzilhada, um parônimo estranho que conduz o usuário ao medo. ‘Rio’ tem hiato; ‘riu’, ditongo decrescente. ‘Rimos’ vale para o presente e o passado; mas ‘rides’ é presente, e ‘ristes’, passado. Nem todos entendem esses binômios.

Os outros tempos simples do indicativo (pretérito imperfeito: eu ria; pretérito mais-que-perfeito: eu rira; futuro do presente: eu rirei; futuro do pretérito: eu riria), seriam fáceis.

Antes de chegarmos ao subjuntivo, confrontem-se ‘rio’ e ‘sorrio’ quanto à grafia e sonoridade. Por isso, conjugando-se um, conjuga-se o outro: sorrir é composto de rir, auxiliado pelo elemento ‘so’, após o que dobra-se o R: so+rir=sorrir.

Presente do indicativo de ambos: eu rio, eu sorrio; tu ris, tu sorris; ele ri, ele sorri; nós rimos, nós sorrimos; vós rides, vós sorrides; ele riem, eles sorriem.

Não ficou fácil?

Pretérito perfeito do indicativo: eu ri, eu sorri; tu riste, tu sorriste; ele riu, ele sorriu; nós rimos, nós sorrimos; vós ristes, vós sorristes; eles riram, eles sorriram. De rir passamos a sorrir, ou vice-versa, sem receio de haver enganos. As dúvidas vão desaparecer.

Presente do subjuntivo: como rir é verbo da terceira conjugação, nesse tempo e modo, surge a desinência a, chamada modo-temporal (lembre outros: ir, vá; partir, parta; sair, saia), respeitada a flexão de cada pessoa verbal, a que se dá o nome desinência número-pessoal: que eu ria, que tu rias, que ele ria, que nós riamos, que vós riais, que eles riam; que eu sorria, sorrias, sorria, sorriamos, sorriais, sorriam.

Que eu vá, que tu vás, que ele vá, que nós vamos, que vós vades, que eles vão; que eu parta, que tu partas, que ele parta, que nós partamos, que vós partais, que eles partam (não importando o significado); que eu saia, que tu saias, que ele saia, que nós saiamos, que vós saiais, que eles saiam.

No futuro do subjuntivo, a desinência modo-temporal é R: se eu rir, se tu rires, se ele rir, se nós rirmos, se vós rirdes, se eles rirem. Pronuncie com cuidado: se vós rir-des.

No imperfeito do subjuntivo, temos SSE como desinência modo-temporal, formando-se as outras desinências chamadas número-pessoais: se eu risse, se tu risses, se ele risse, se nós ríssemos, se vós rísseis, se eles rissem. Alguma dúvida?

Os imperativos afirmativo e negativo não ficam difíceis: Ria de você mesmo, não ria do pobre coitado. Riamos de nossa situação diante de um Brasil escabroso; não riamos de nossa má sorte de votarmos em políticos ruins, já que todos se dizem bons.

Repita tudo: rio, sorrio; se eu risse, se eu sorrisse; ria de você mesmo, sorria de você mesmo. ‘So’, prefixo, variante de sub, se torna flutuante: aparece, desaparece. Sorrir, composto, é derivado de rir, e este comanda a flexão: ‘pai’ e ‘filho’ seguem o mesmo caminho linear. Onde um está, o outro também.

Pausa: “Ele cumpre com as regras”, o mesmo que “Ele cumpre as regras”. Cumprir (preencher as exigências, satisfazer, executar etc.) é verbo transitivo direto: O bom cidadão cumpre as normas (objeto direto). Cumprir com seria um brasileirismo, momento em que se cria ‘um objeto direto preposicionado’, cuja preposição (com) não é obrigatória; apenas, enfática ou estilística. Prefira a primeira redação à segunda.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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