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Você é ‘gentil’? Sabe o que significa ‘gentio’? Conhece a cidade Gentio do Ouro?

Este comentário será dividido em três capítulos. Tomara que dê certo.

O primeiro se baseia no próprio título, pela riqueza do adjetivo ‘gentil’, que até se tornou nome próprio, muito usado em tempos idos. “Seu Gentil está aí? Preciso falar com ele”. Nos dias atuais, não se sabe de jovens com esse nome.

O lado curioso é que seu ‘xará’ de pronúncia, ‘gentio’, existe, cuja grafia nos confunde, mas são diferentes por várias razões.

Gentil, adjetivo primitivo, muito rico, tantos os significados, gera gentileza, sinônimo de cortesia, de educação, de convivência social saudável, de amabilidade, de delicadeza. Vem de ‘gentilis‘, do Latim, nobre, cavalheiresco, generoso, delicado, amável, cortês. E mais: garboso, elegante, gracioso. E outros, que ficam por conta da visão gramatical do visitante.

Gentil é da família etimológica do vocábulo gente, que tem semântica direta com ‘família’, e pode substituir o pronome nós: “Quer falar com a gente?”

Se de gentil nasce gentileza, virtude e qualidade de quem pratica o legal exercício da cidadania, cujas ações são nobres e distintas, nesse momento, todos os passos vêm carregados de afeição, de simpatia, de cortesia, de educação e/ou de bom convívio. Tantas são as palavras, mas diminuta é a sua aplicabilidade. Quem é gentil, sorri, mesmo diante de obstáculo, e demonstra equilíbrio emocional, como não dar pontapé, ou coice, em crianças, fato que os indelicados consideram ‘exemplo de superioridade’.

(Desculpe-me pelo termo ‘coice’, mas há padrasto dando soco em enteado de idade tenra, gente grande dando chute em menino, pai dando murro em bebê, com outras práticas, todas antissociais; quem dá ‘coice’ tem a qualidade de girafa a se defender de predador leonino, salvo melhor palavreado de quem me interpreta agora!)

Gentil me lembra um cidadão alto, sempre educado, sorridente, ‘Seu Gentil’, que conheci quando jovem, fazendo jus ao nome com que foi registrado.

De gentil temos gentílico, adjetivo que indica a origem de uma pessoa: relativo a ‘gentio’, palavra que designa a região a que pertencem homens e coisas.

Greco-romano é gentílico famoso, assim como jacobinense, nanuquense, teixeirense, apesar de querermos que esses sejam adjetivos pátrios. Pátrio é brasileiro, holandês, português, como magiar ou húngaro. Norte-rio-grandense ou potiguar, capixaba ou espírito-santense, ou siberiano, são gentílicos.

Já teve dificuldade em diferenciar ‘gentil’ de ‘gentio’, ou não conhecia o segundo termo? Se já sabe o que é ‘gentil’, tentemos dissecar ‘gentio’, talvez pouco conhecido. Entre si, seriam parônimos, a mais plausível classificação.

Do Latim ‘genetivus‘, gentio, em definição antiga, aquele que não pertencia ao mundo cristão, o chamado pagão. Mais tarde, felizmente, ganhou significado mais ameno: índio, indígena. E hoje, melhor ainda, quem segue o paganismo ou não é civilizado. Por extensão, grande quantidade de gente, uma ‘gentada’, não gentalha, mas um povaréu, gente pra chuchu, como a turba enchendo a praça. E mesmo que permaneça o sentido de não-cristão, gentio, para tempos históricos, é o homem iletrado de um lugar, incivilizado e inculto. Neste torrão baiano, temos a cidade Gentio do Ouro, no Centro-Norte do Estado. Seu gentílico é gentiense ou gentiourense. Já o RS tem a pequena Gentil, e quem nasce lá é gentilense.

O cidadão de linguagem oral, lá do pé da serra, é gentio. Sorridente e educado, por isso, também, gentil. Quem não é gentil, é rude, grosseiro, não-cavalheiroso. Aliás, cavalheiroso é adjetivo melhor que cavalheiresco, aquele que apenas tem aparência de ser um cavalheiro. Gentil pode ser belo, formoso, bem-proporcionado, bem-feito, agradável, aprazível, deleitoso.

(Se contarmos seus sinônimos, começamos a avaliar a riqueza desse adjetivo, tão importante que criou o substantivo gentil-homem, cidadão distinto, um fidalgo, de procedimento nobre, elevado, airoso, elegante; plural: gentis-homens.)

Meu pai, Euclides Carlos, e meu tio Isaías, quando tratavam de negócios, mesmo discordantes, não se agrediam. Verdadeiros gentis-homens. Para informar, não se usa o feminino ‘gentil-mulher’, mas gentil-dona, que designa a mulher nobre, a dama.

Essa a primeira parte.

A segunda me vem pelo fato de um poeta ter escrito ‘saíu’, com receio de a grafia certa (saiu, sem acento agudo) estar errada, ou ser confundida com ‘saio’, forma verbal na primeira pessoa do singular.

A desinência verbal ‘iu’, da terceira pessoa do singular, no pretérito perfeito do indicativo de muitos verbos, é corriqueira. Conhecemos e usamos ‘ruiu, caiu’, em que temos, ao mesmo tempo, hiato (ru-iu) e ditongo (iu). Diferente de saio, somente o ditongo decrescente ai, como em mai-o, caio, Caio, raio, ou na versão ‘feminina’, sai-a, cambraia, raia, samambaia etc.

Busque seu falar e pronuncie com segurança: ca-iu, viu, rui, ru-iu, Rui, ri-o, Ri-o, riu, (eu) ri-o, flu-iu, u-su-frui, fru-iu, e outros. A pronúncia pode deixar dúvidas, mas o acento gráfico inexiste para esses casos. Eu rio, forma verbal do presente, do verbo rir, diferente de ele riu, passado perfeito, cuja divisão em sílabas é ri-o, dissílabo, e riu, monossílabo.

Se tomarmos outros verbos, regulares ou não, no passado perfeito, vemos que a grafia ‘iu’ está presente em grande maioria: sumiu, adquiriu, sorriu, diminuiu, prostituiu, reviu, terminação verbal muito popular.

A terceira parte se refere ao imperativo, geralmente, o afirmativo, em frases apelativas, próprias da mídia, usado incorretamente. A mistura das flexões verbais ‘adoidada’ caracteriza descompromisso com a norma.

Um texto quer chamar a atenção do cliente para vender um produto ou disseminar um conceito. E usa ‘aproveita’; logo depois, ‘faça’. Ora, ‘aproveita’ é a forma imperativa da pessoa tu (tu aproveitas, sem o esse, gera aproveita tu). Se começou com essa pessoa, deve haver continuidade. Logo, seria ‘faze’. Se deve ser ‘faça’, a inicial tinha que ser ‘aproveite’, o que consideram feio. E vão errando outros exemplos, em que misturam as pessoas tu e você.

A mensagem deve ser em um só tratamento. Como você é forma popular, correto que todas as flexões verbais sejam nessa pessoa. Mesmo que não seja na forma imperativa: “Parou com o que te faz mal?”, que deve ser: Paraste com o que te faz mal? (tu).  Ou: “Parou com o que lhe faz mal?” (a você). Você representa a expressão simples, fundamentada no popular, no dia a dia. Parece, entretanto, que a forma ‘aproveite’ não seria chamativa, e preferem ‘aproveita’, que fica incorreta porque não condiz com todo o tratamento do enunciado.

Nesse aspecto, virou bordão o uso de “Vem pra cá”, e seguem com “Vem ver, vem comprar, vem visitar”, quando deveria ser “Venha ver” etc.

Em outro, encontra-se “Escolha a música da ‘tua’ formatura”. Duas versões: Escolha a música da sua formatura. Escolhe a música da tua formatura.

Para tecnocratas do marketing, a forma correta do imperativo não importa. “Fortifica tuas relações com sua família”. Fortifica tuas relações com tua família. Ou: Fortifique suas relações com sua família. Qual o melhor dos dois tratamentos? Qualquer que seja, o que vale é a uniformidade.

Fica dito isso. Até a próxima.

 

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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