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Com ou sem acento gráfico? Publico ou público? Médica ou medica? Há quem não distinga um caso do outro

O acento gráfico, na nossa Fonologia, é o norteador da pronúncia, salvo palavras não-acentuadas.

Como a bússola que orienta (anagrama de norteia) o navegador, sem o acento gráfico, agudo ou circunflexo (os mais usados), palavras seriam motivo de pronúncia duvidosa no nosso ‘esfomeado’ Português, cuja prosódia vive a depender de ser marcada, tantos os sinais do novelo entrelaçado ladeira abaixo no despenhadeiro fonológico.

Acentuar seria fácil, mas nem todos dominam essa habilidade. Dói ou doi? Colmêia, colméia ou colmeia?

Dói, correto, na Reforma Ortográfica, continua com agudo, por conter ditongo aberto (decrescente).

Doi (não!), mas mesmo assim, pelo hábito de uso, mantém a pronúncia. Acentuar ou não? Sim. Ao contrário, seria como ‘foi, boi’. A dúvida deve ser dissipada com base em ‘herói, mói, rói’, e o famigerado dodói, nem sempre infantil.

Colmêia já existiu? Não, mas a ortoepia orientava que ‘mei’ poderia ser fechada ou aberta, razão por que a grafia se bifurcava em ‘colmeia’ e ‘colméia’. Hoje, colmeia, como ideia, assembleia, plateia etc. E crianças estão sendo orientadas para não errarem no futuro?

Pois tipoia, jiboia, joia, boia, claraboia, Troia (a cidade) etc., que perderam o sinal gráfico, podem gerar dúvida. E loiça? Pronúncia aberta ou fechada? Joia, como Troia, soa aberto, mas loiça, não.

Esse oi é bravo! Em trapezoide, humanoide, heroico etc. é aberto ou fechado? Aberto, mas há dúvida: nutricionista diz que há alimentos ‘protêicos’ (como pronuncia o termo), e não ‘protéicos’, aberto. Grafia: ‘proteicos’. Oi e ei se misturam no nosso falar.

Esse aspecto avança à medida que encontramos palavras com e sem acento gráfico. Quando nos aportamos à Reforma Ortográfica que palavra perdeu ou ganhou algum ícone que a destaque, eis uma pergunta. Ontem, antiinflamatório, microonda, anti-social, anti-rábico, contra-regra; hoje, anti-inflamatório, micro-onda, antissocial, antirrábico, contrarregra, como minissérie, minissaia etc. O hífen não é sinal gráfico, mas contribui para alterar a pronúncia de certos vocábulos (?).

Haja vista que tivemos o acento diferencial – ‘o almôço’, para diferenciar de ‘eu almoço’ -, regra balofa, por haver o contexto. Felizmente, como diacrítico, está no arquivo morto, mas deixou marcas, e pode causar dúvidas.

Seria ‘pantano’, mas ficou ‘pântano’, assim como ‘fabrico’ (a fabricação, o produto da fábrica) virou ‘fábrico’. Aqui está o hiperbibasmo, em que o sem-acento vira acentuado, ou o acentuado vira sem-acento. A Gramática não dá conta: o regionalismo pode usar ‘fuba’ no lugar de ‘fu‘. Boi-fubá tem o pelo branco, e fuba é a farinha (amido?) do milho. Viva o Nordeste!

Para que serve mesmo o acento gráfico? Para indicar a pronúncia correta da palavra, se exceção houver. Seria fácil usá-lo, mesmo não se sabendo regras da Gramática Normativa (palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas), mas…

Método rústico: o acento deve ser usado na sílaba que o usuário fala forte. Se a sílaba em que foi usado o acento não é forte (‘amavél’), não é ali que deve estar. Busque outro ‘lugar’ (amável!). Se ainda persistir dúvida (crisântemo, crisantemo ou crisante?), melhor deixar ‘em branco’, que o erro será menor. Nesse campo, melhor pecar por falta que fazê-lo por excesso.

O excesso de acento gráfico é que prejudica a fala e a escrita, e se pensa que é por causa dessa dúvida que grande maioria deixa de usar os tradicionais agudo e circunflexo. E sua ausência em outras palavras pode alterar o aspecto semântico.

A fábrica. A olaria fabrica tijolos. Eu publico, como eu anuncio, eu gerencio, eu denuncio. O substantivo dessa mesma família exige o acento agudo: o anúncio, a gerência, a denúncia, por ser palavra paroxítona terminada por um ditongo crescente (io ou ia, assim como ie, série, cárie, superfície etc.).

Público, adjetivo ou substantivo: vocábulo proparoxítona. Lúdico, lúcido, cúpido (apaixonado; Cupido, paroxítona, é deus do amor). Não importa qual seja a vogal tônica: Fátima, lépido, nítido, módico, túnica.

Publico e blico, cada um no seu lugar, com a sua devida pronúncia. Mas a lista é enorme.

‘A médica medica‘ (medico, medicas, medica, medicamos, medicais, medicam).

A dúvida se dá se o usuário não distingue a classe gramatical; para uns, tanto faz como fez. Assim, verbo, adjetivo e substantivo se entrelaçam. Se não enxerga, ao menos, a classe gramatical, mire-se na semântica e aplique o macete popular: o sinal gráfico deve ser usado na sílaba que você fala forte; se não é ali que você fala forte, não é ali que você deve usar o acento.

Essa distinção leva a maior número de acertos.

Faça uma lista: família, esquálido, túmido, tônica, séria, está, único. Pronuncie uma e outra, marcando a sílaba forte (embasada no acento gráfico), que coincide com o acento tônico (a sílaba tônica). Fa-mí-lia, es-quá-li-do, tú-mi-do, tô-ni-ca, sé-ria, es-tá, ú-ni-co.

Se houver  alguma de mesma grafia, o olhar muda. Surgem dois vocábulos, seria (verbo) e séria (adjetivo), assim como está (verbo) e esta (pronome demonstrativo). Vale a pronúncia.

“Está casa esta fechada” é um acinte gramatical. Esta casa está fechada, em que cada termo se distingue. E há quem use “Ele deve está chegando”.

Se ‘deve comprar, deve sair, deve chegar’, logo ‘deve estar chegando’, em que estar, verbo principal, não flexiona, já que o auxiliar (deve) faz seu papel. Trata-se de locução verbal. Eu devo estar chegando, tu deves estar chegando, ele deve estar chegando, nós devemos estar chegando, vós deveis estar chegando, eles devem estar chegando.

Não abramos o leque de palavras oxítonas, paroxítonas (as terminadas em L, N, R, X) e proparoxítonas para orientar o usuário. A questão é: com acento ou sem acento gráfico? Busque a sílaba tônica da palavra (que representa o acento tônico), com boa soletração, e lhe vem a decisão: se coloquei aqui, porque é esta que falo forte; se não é esta que falo forte, não é aqui que devo colocar o acento.

Estaria resolvido o problema!

Reveja o início: gerencia. Há acento gráfico? E a pronúncia? Ge-ren-ci-a. A sílaba forte é CI, logo a palavra não leva acento gráfico; trata-se de forma verbal. Ele ge-ren-ci-a. Quatro sílabas, e um hiato: i-a. E a outra possibilidade? A ge-rên-cia. A sílaba forte é REN, logo a palavra leva um acento gráfico; trata-se de substantivo. Três sílabas, e um ditongo: ia. Compare esta com outras de pronúncia similar: demência, carência, dormência, anuência, essência, tendência, vivência, sequência, transparência, magnificência, sapiência, divergência.

Ela solicita. Pessoa socita. Eu debito. Existe débito. O princípio, eu principio. O bom hábito é eficaz. Eu habito esta casa velha.

Uma acentuada graficamente, outra, não. Essa regra simplória funcionaria bem em muitos casos. Ops! Achamos um exemplo: funcionaria (forma verbal), funcioria pública (substantivo).

Um teste maluco: coloque as pontas dos dedos por trás das orelhas e as incline para a frente. Nessa posição, pronuncie as duas palavras várias vezes. Do tom baixo ao alto. Fun-ci-o-na-ri-a. Fun-ci-o-ná-ria.

Você ‘conhecerá’ sua voz, melodiosa ou não, fanha ou clara, áspera ou doce. Notará, de imediato, de que se trata: com e sem acento gráfico. Essa ‘aprendizagem’ o ajudará.

A pronunciação repetida lhe dará o tom correto, decidindo colocar ou não o acento gráfico. Obterá confiança e passará a errar menos.

Grafia de cartaz: ‘melância’. Como se pronuncia: me-lân-cia ou me-lan-ci-a? Não precisa de acento gráfico.

E ‘mexérica’? Muito ruim. Nem seria mixirica ou mexirica. Busque o étimo: me-xer. Daí, mexerico e mexerica.

 

João Carlos de Oliveira

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