0

‘Mal’ súbito e ‘mal’ funcionamento. Em que enunciado ‘mal’ está correto? Diferencie-o de ‘mau’

Mal é termo versátil: pode ser advérbio, substantivo comum e conjunção subordinativa adverbial de tempo.

Essa performance seria o motivo de tantos enganos quando esse vocábulo é usado?

Seria fácil entender Ele se veste mal (advérbio), O mal se corta pela raiz (substantivo), Mal chegou, foi logo questionado (conjunção subordinativa adverbial temporal).

Se seu uso gera dúvida nos diversos níveis de linguagem, o que não seria difícil comprovar, o popular deve ser o menos condenado, porque desconhece ou não segue a norma culta, e o culto precisa de puxões de orelha.

Nas entrelinhas, a Gramática preconiza mal como termo polissêmico, conforme o contexto em que se insere.

Substantivo (o mal), e opõe-se a ‘o bem’. Devemos cortar o mal pela raiz. O mal, o bem.

Advérbio (opõe-se a ‘bem’). O time joga muito mal. Joga mal, joga bem. Fala mal, fala bem. Veste-se mal, veste-se bem.

Conjunção (subordinativa adverbial temporal). Mal eu tinha chegado, ele já havia saído (Assim que (cheguei), logo que (cheguei), no momento em que).

Façamos um paralelo, comparando o advérbio mal com o adjetivo mau. Revivamos os opostos: de mal é bem; de mau, bom.

O cara fez um mau negócio: comprou um carro antigo em péssimo estado de conservação por ‘uma nota preta’. Ele tem sido um mau professor. Bateu o carro porque é um mau motorista.

Em todos esses exemplos, para clareza do enunciado, e a certeza de que não cabe mal, o antônimo de mau, por razão de semântica, facilita a redação: O cara fez um bom negócio. Ele foi sempre um bom professor. Nunca bateu o carro, porque é um bom motorista.

Além disso, mau, masculino singular, forma o feminino: mau companheiro, má companheira; mau patrão, má patroa; mau condutor, má condutora. Desse consenso gramatical, chegamos a outras frases de cunho popular: as más línguas, as más companhias, as más visitas.

Abra os olhos: Chegou num mau momento, mas nunca ‘numa mau hora’. Hora é feminino, por isso, ‘numa hora’.

Não dilacere a norma; tenha cautela com a pessoa iletrada, cuja linguagem é apenas falada. Perdão ao apedeuta. Se alguém concluiu, pelo menos, o ensino fundamental, que não se dê ao luxo de usar previlégio, esmagrecer, menas gente, arrecardar, mau pessoa, e outras pérolas.

Conclui-se, então, que mal e mau não seriam de difícil acepção. Teria alguma objeção a essa afirmativa?

O dicionário diz que mal, substantivo, vem do Latim malum. O que se opõe ao bem, à moral, ao direito, à justiça. O que pode causar prejuízo, dano ou dor: cortar o mal pela raiz. Doença ou fenômeno que deteriora algo; moléstia, enfermidade. O câncer é um mal. A empresa causou mal aos moradores locais (prejuízo, dano material e moral). Fumar faz mal à saúde (dano, malefício, prejuízo).

Aparecem muitos sinônimos de mal: calamidade, infortúnio, desgraça, dor, tormento, aflição.

A Medicina classifica várias doenças usando o vocábulo mal. Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, Mal de cernelha, Mal de garrote.

Mal, advérbio, vem de male, também de nossa língua-mãe: de maneira má, errada ou imprópria. Comer mal, falar mal, responder mal, com base em que podemos citar outras falas: viver mal, morar mal.

E daí, mal, como conjunção, cuja semântica é assim que, no momento em que. Mal choveu, o muro desabou.

Ainda é preciso alertar que mal, s. m., flexiona no plural os males, exceção à regra para esse modelo. Substantivos terminados em al fazem o plural com a perda de l e o acréscimo de is: animal, animais; canal, canais; casal, casais, o mesmo paradigma de papel, papéis; anzol, anzóis; azul, azuis. Essa exceção é similar a mel, meles, embora seja correto méis, mas pouco atrativo ou soante.

Não precisamos de outros comentários nem exemplos. O escrevente ou falante não acostumado a detalhes desse nível ‘estaria no mato sem cachorro’. Melhor que assuma o que esqueceu e pesquise, porque inteligência tem, bons autores há, ‘buenas’ frases existem, até degustar um e outro, por não serem tão ‘maus’ nem tantos ‘males’ causem.

Entre os dois enunciados, somente o segundo está incorreto.

E por que ‘mal funcionamento’ não está correto? Funcionamento é substantivo e ‘mal’ não pode ser seu auxiliar, como termo qualificativo, que não funciona bem, que não é bom. Mas… Mau funcionamento, em que o adjetivo acompanha e qualifica o substantivo.

Conhece o macete? Onde cabe mal, cabe bem. Fala mal, fala bem. E onde cabe mau, cabe bom: mau pai, bom pai; mau amigo, bom amigo.

E por que ‘mal súbito’ está coreto? Porque ‘súbito’ é o auxiliar qualificativo de ‘mal’, o termo principal no conjunto. Mal deve equivaler a síncope, vertigem, queda de pressão; e súbito, não poderia ser diferente, inesperado, de repente, repentino, surgido de surpresa.

Os males súbitos podem matar.

Parece que o motivo de haver engano se dá pelo fato de escreverem frases com base na pronúncia, em que ‘mal’ e ‘mau’ teriam a mesma sonoridade. A fonologia convida a que se diferencie al de au (Portugal, canal, casal, em que l é consoante, com sotaque forte; mau, pau, mingau, em que u é apenas semivogal, em ditongo decrescente).

O simples pronunciar não pode ser o alicerce para o bom uso da grafia. Fica ressalvada a fala, mas sem o vício de ‘arranhões’, que, enraizados, surgem adiante, e, tidos como costumeiros, seriam corretos.

Citemos maus-tratos, maus agouros, maus fluidos, que nos convidam a uma boa pronúncia. Maus momentos tem vasto uso no dia a dia.

Isso basta.

Tem sido usada com abundância a expressão ‘Religioso foi punido pelo abuso de menores’. O abuso não foi praticado pelo menor, ele é que é a vítima. Para que a linguagem fique clara, sem redundância, melhor seria ‘punido pelo abuso a menores’. Usamos, corretamente, ‘abuso de autoridade’ (crime pelo excesso de zelo).

Grafias que exigem cuidado: megaevento, ultrarromântico, festa-surpresa, onde estou, aonde vou, candidato-laranja, quitinete, estou em dia.

Cânions, adaptação fônica de canyons, assim como hambúrgueres, por isso, ‘folders’, em Inglês, chegará a fôlderes, em Português, como zíperes, revólveres, repórteres, éteres, açúcares, nenúfares, aljôfares, lêmures etc.

Há dúvida quando se quer usar um termo novo, mas a grafia consagrada serve de referência. ‘Supermercado’ é paradigma, por isso, superparedão, superdinâmico, superinteressante, supermodelo, supersucesso.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *