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‘Vai dá certo’ ou ‘Vai dar certo’? Dar é verbo principal ou auxiliar? Qual redação está de acordo com a norma gramatical?

O certo e o errado, em se tratando de linguagem, têm causado algum transtorno, mas nem todos se importam com detalhes. Alguém não gosta de nuances gramaticais, e há quem diga que regras são cabíveis quando se escreve tese de doutorado. Uma justificativa aqui, outra ali, e a que, de tanto verem mais de uma forma para o mesmo caso, arriscam: “Esta é a correta, porque é a que sempre usei.”

O álibi, como a defesa do réu sagaz, pode ter faces ocultas, montanha inacessível e enigmática que só Indiana Jones teria a audácia de tentar escalar.

Importante questionar que o fato de discutir o certo e o errado, nesse caso, incomoda a muitos, por isso, argumentam: do jeito que vier, fica bem, desde que o muro não caia. Se o outro entendeu.

Em ‘Vai dá certo’, como se vê, há duas formas verbais flexionadas: vai, do verbo auxiliar ir, e, do verbo principal, dar. A Gramática explicita: na locução verbal, como é o caso, o verbo auxiliar flexiona, e o principal, não. Não é prudente dizer que o auxiliar é o que vem primeiro, porque nem sempre a frase está na ordem direta. Podemos usar: Certo vai dar; dar certo vai; certo dar vai.

Podem-nos servir de escopo ou paradigma os exemplos habituais, fáceis de serem entendidos: Vamos fazer, quero comprar, vou sair agora, ele deve chegar cedo.

Vamos, quero, vou e deve são os verbos auxiliares, que flexionam, e os outros, fazer, comprar, sair e chegar, no infinitivo, são os principais, que não podem flexionar.

Vai dá certo, costumeiro na linguagem popular, portanto, foge à regra, razão por que não está correto.

Só se sabe que essa seria a grafia quando a frase vem escrita. Se tomarmos por base nossa fala, não se perceberia, à primeira vista, que a pronúncia tenha sido ‘dá’ ou ‘dar’, por não termos o hábito de pronunciarmos bem claro o R final de muitas palavras. Fica doce dizer ‘Vou viajá amanhã, Vou fazê uma viagem, Vou comprá um carro’. A escrita requer o cuidado necessário. A fala pode suscitar o Português açucarado, em que, nem sempre, o R do infinitivo verbal tenha entonação de fonema gutural.

Alguém se defende: “Já que falamos ‘dá, viajá, comprá’, assim podemos escrever.” (?) Por essa razão, já fica esclarecido o fato de haver dupla grafia.

Vai estar aqui, Vai está aqui, Pode estar e Pode está, usados em abundância, são linhas sem pontas que se misturam no torvelinho.

Outro item chamativo é que ‘fazê, viajá, comprá’ não existem, mas ‘dá’, sim, desde que seja a forma verbal, de dar, na terceira pessoa do singular: Eleas diretrizes do concurso.

De um galho pula-se para o outro.

Numa reportagem, o redator escreve o que o entrevistado diz: “Não estou afim de fazer isso”.

O erro não é de quem disse, mas de quem transcreveu a frase falada. Quando deu sua resposta, ele não disse que sua expressão conteria afim de ou a fim de. O contexto, que indica finalidade, é que deve nortear a escrita, pela sua semântica: Não estou a fim de fazer isso.

O redator ‘se esqueceu’ do detalhe: afim de implica afinidade ou parentesco. Joana é afim de Maria (tem veio consanguíneo). A fim de implica finalidade: Joana não está a fim de sair.

Mostremos algumas balizas que registram o certo e o errado.

Cirurgia a laser (cumpre a norma: sem crase por haver substantivo masculino).

Cirurgia à laser (descumpre a norma: porque laser não é substantivo feminino e, sendo, se aceitaria o artigo feminino).

A propósito, está na hora de o redator usar grafia aportuguesada: lêiser, assim como há pôquer, buquê, dossiê, flambô etc.

A cirurgia a lêiser ocorreu bem.

Tem início as obras. Errado. Têm início as obras. Certo. As obras têm início.

Vimos aqui para fazer uma visita. Certo.

Vimos aqui para fazermos uma visita. Se não errado, mas desnecessária a flexão do segundo verbo. Gramático, em comentário de grande teor, disse que caso desse tipo representa o que se chama ‘idiotismo linguístico’, o fato de um verbo no infinitivo ser flexionado sem inteira necessidade.

Tudo pode acontecer.

Não se diria ‘Tudo pode acontece‘ (ou acontecê), Todos vão fazê o vestibular.

Por isso, mais uma vez, a clareza de que o segundo verbo não pode ser flexionado: “Os criminosos agem, geralmente, em dupla, usando um veículo (roubado) para cometerem os crimes.”

Qual a necessidade da flexão cometerem (no plural)? São clássicas: Chegam para fazer uma visita. Desejam falar a verdade.

Ele é um dos poucos que se dão bem. Ele é um dos poucos que se dá bem. Qual a melhor redação? Ambas corretas.

Engano atípico, forte: Vereadores ‘manteram‘ sua posição até o final.  Mantiveram.

(Obrigado pela visita.)

João Carlos de Oliveira

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